Cais do Sodré. Os novos inquilinos chegam à Pensão Amor e ao Bar da Velha Senhora


Na Pensão Amor ainda há camas, armários, cadeiras e espelhos dos tempos em que o prédio era casa de prostituição. Na verdade, no número 38 da Rua Nova do Carvalho, em Lisboa, funcionavam quatro pensões que alugavam quartos à hora a prostitutas e a marinheiros que atracavam no Cais do Sodré, vindos de várias partes…


Na Pensão Amor ainda há camas, armários, cadeiras e espelhos dos tempos em que o prédio era casa de prostituição. Na verdade, no número 38 da Rua Nova do Carvalho, em Lisboa, funcionavam quatro pensões que alugavam quartos à hora a prostitutas e a marinheiros que atracavam no Cais do Sodré, vindos de várias partes do mundo. Agora, os quartos também podem ser alugados ao dia, à semana ou ao mês, mas a empresas – que nada têm a ver com prostituição.
Quando a Mainside, a empresa responsável pelo projecto da LX Factory, também em Lisboa, decidiu comprar este prédio devoluto no Cais do Sodré, teve de expulsar os antigos inquilinos. “Eram okupas e coisas assim. Alguns sairam logo, outros foi mais difícil e tivemos de recorrer aos métodos legais”, conta Queirós Carvalho, o responsável pelo projecto. “Alguns quartos tinham lixo até ao tecto e o prédio demorou um mês a limpar. No andar de cima, umas águas furtadas, até havia bicharada morta. Já está lavado há seis meses, mas tem um cheiro que ainda demora a sair.” A empresa de reabilitação de prédios antigos já tem experiência na zona. Foram eles que recuperaram o hotel abandonado na Rua do Alecrim, o agora LX Boutique Hotel, pintado de azul, e outros prédios na mesma freguesia de São Paulo.
Quem sobe as escadas da Pensão Amor é surpreendido por uma mulher de pernas abertas. “Valéria vai levá-lo à miséria”, lê-se do lado esquerdo. Nos andares de cima, o cenário é idêntico: “Anita, a mulher por quem o seu coração palpita”, “Clarissa, peitos firmes, bem roliça” ou “Regina, dá um espectáculo que você nem imagina”. Os desenhos e as frases foram pintados nas paredes pelo ilustrador Mário Belém. “Fizemos um concurso e convidámos artistas a recriar cartazes burlescos de cabarets”, explica Queirós de Carvalho. “Este foi o que seleccionámos e ele optou por pintar as frases em português, já que se trata do Cais do Sodré.”
As escadas do prédio mantêm-se desde o tempo em que foi construído, logo após o terramoto de 1755. “Optámos por não arranjar as paredes e deixar as várias camadas de história”, conta Queirós de Carvalho. No segundo e no terceiro andar, os quartos das antigas pensões foram recuperados e funcionam como escritórios e ateliês. “Tínhamos uma lista de espera de pessoas com projectos interessantes que queriam ir para a LX Factory só que já não tínhamos espaço.” A Mainside seleccionou alguns deles, “engraçados e que não têm nada a ver uns com os outros, para ver no que dá”.
Entre os novos inquilinos do 2.o e 3.o andares está uma empresa de medicina chinesa que faz acupuntura, outra de origamis e os organizadores do Queer Lisboa, festival de cinema gay e lésbico, que ali querem montar uma videoteca.

SALA DO VARÃO O primeiro andar vai estar aberto ao público a partir de 17 de Novembro. “Este piso vai estar aberto aos ‘hóspedes’ da pensão e ao público, como num hotel”, diz Queirós de Carvalho. O espaço tem uma sala vazia com um balcão de bar – restaurado de um antigo hotel em frente – que servirá como sala de espectáculos como lançamentos, concertos, teatro ou ópera. “A ideia é que as pessoas saibam que a partir das 18h há sempre qualquer coisa a acontecer aqui e potencializar esta zona para outros públicos e outros horários.”
Ao lado, há uma sala decorada ao estilo cabaret com senhorinhas (cadeiras antigas) onde se vão poder comer refeições leves. Na sala do varão, como é conhecida pelo varão que tem no meio, funcionará uma livraria/biblioteca erótica, gerida por José Pinho da Ler Devagar. No mesmo piso, haverá também um cabeleireiro Facto, uma boutique e um bar “com aspecto clandestino, já que tem um pé direito inferior a dois metros”, diz Queirós de Carvalho.


BAR DA VELHA SENHORA Enquanto a pensão não abre, os vizinhos de baixo já se instalaram na rua. Mikas, Nuno, Ricardo e João Nuno, sócios do Clube Ferroviário, inauguram hoje o Bar da Velha Senhora. “Muita gente quando pensa no Cais do Sodré pensa nas prostitutas e nos bares. Nós pegámos nesse imaginário que vai do burlesco ao cabaret e vamos tentar que o espaço ande à volta destes temas sem que seja uma coisa debochada”, adianta Mikas. O bar é apertado, ou não tivesse sido em tempos uma loja de artigos de pesca e, ao contrário do resto da rua, não vai funcionar como discoteca. Há mesas para as pessoas se sentarem e petiscarem “pipis e punhetas de bacalhau, ex-libris da casa”, enquanto vêem um concerto (Manuel João Vieira vai estar hoje na inaguração, a partir das 23h) ou um espectáculo burlesco (também durante a noite de hoje).
O nome do bar é uma alusão a uma transmontana que veio parar às ruas do Cais do Sodré, amiga do pintor Toulouse-Lautrec, à qual os quatro sócios gostam de chamar Dona Imaculada. “É uma mistura de história, factos reais e lenda, mas gostávamos que as pessoas acreditassem nela”, diz Ricardo. “Descobrimo-la através da lenda do navio Chili que passou por cá e depois fomos montando a coisa.”

OUTROS INQUILINOS A ideia é também instalar uma esplanada, já que a rua foi cortada ao trânsito. Os comerciantes da zona também estão a planear o mesmo desde que a câmara de Lisboa tomou essa decisão, depois de as discotecas Jamaica, Tóquio e Europa terem encerrado temporariamente por perigo de derrocada.
Também por baixo da pensão, o Povo, bar dos mesmos donos do MusicBox, prepara-se para a inauguração ainda este mês. A partir das 18h será um bar de petiscos, como salada de polvo ou peixinhos da horta, e terá actuações de fadistas da nova geração. Durante um mês, um artista fará espectáculos que serão gravados e o disco final ficará à venda no bar.
O bar Roterdão também quer aderir à ideia de abrir portas mais cedo – agora abre à meia-noite. No fim de Outubro inaugurou uma cave onde funcionava o bar grego Bouzouki, onde os marinheiros gregos dançavam e partiam pratos. “Fizemos um palco para que funcione como espaço cultural com peças de teatro e lançamentos de pequenas bandas rock”, diz o sócio Rui Correia.