Há nele qualquer coisa de intimidante. Não necessariamente de uma forma negativa. Até porque, à medida que a conversa flui, esse lado vai dando lugar a um outro, mais suave, brincalhão, irónico, charmoso. Mais humano. Nome maior das artes plásticas portuguesas, à beira de cumprir 67 anos, Julião Sarmento continua a fazer da inovação o seu dia-a-dia. Tal e qual como se ainda tivesse 18 anos.
Este espaço onde estamos é a sua casa criativa, o seu casulo?
É o meu ateliê, onde praticamente vivo.
Até tem aqui um roupeiro…
Sim, mas o roupeiro não tem roupa minha, tem fatos que desenhei para performances que idealizei. Não tenho nenhum sofá-cama aqui. Tenho a minha casa, mas este é o meu local de vida porque, de certo modo, os artistas não trabalham. Ser artista é uma forma de vida, não é uma forma de trabalho. Todos os dias venho ao ateliê.
E obriga-se a cumprir um horário?
Não, não tenho necessidade de me obrigar. Nunca venho ao ateliê em esforço, a não ser que tenha um deadline. Venho por puro prazer. Muitas vezes nem estou a trabalhar em coisas específicas, mas o facto de estar aqui alimenta-me a cabeça.
Existe ainda a ideia, bastante romântica, de que o local de trabalho de um artista não tem nada ar de escritório, mas é antes um local perdido no espaço e no tempo, para ficar a olhar para o infinito e criar. Mas é cada vez menos assim, não é?
É curioso que ainda exista essa ideia quando é uma ideia do século XIX. E estamos no século XXI. É inacreditável.
Mas a verdade é que existe. Da mesma forma que, para muitas pessoas, é ainda difícil entender que existe um mercado de arte no qual as obras têm uma cotação.
Pessoalmente, isso não é das coisas que mais aprecio, mas é um facto com que temos de lidar. Hoje em dia, a arte é, como dizem os ingleses, uma commodity. Tenho de existir nesse universo. Essa ideia do artista eremita, claro que ainda existe. Mas eu não sou um artista desses.
É um artista dos nossos tempos?
Sou, de facto, do meu tempo. Vivo o dia de hoje. Não sou nada saudosista. Estou sempre a olhar para o futuro. O que interessa o passado? O que interessa é o que vem a seguir. A ideia do artista contemplativo e que vive isolado não tem a ver comigo.
Quando vem para o ateliê nem sempre vai lá para baixo, para o espaço mais hands-on?
Não. Estou onde penso que sou necessário para mim próprio. Antes de me atirar ao processo físico, existe um processo. Aliás, o trabalho físico é a última coisa a acontecer. O trabalho é um trabalho de cabeça. É preciso pensar antes de fazer as coisas.
É um processo que se tem mantido semelhante ao longo dos anos?
Sempre pensei primeiro antes de me atirar às obras.
Isso tem também a ver com o facto de, apesar de ser um esteta, não é a estética que está acima de tudo? Tem de haver um conceito, uma história, uma razão de ser?
A estética faz parte das coisas, mas não está acima de tudo. Está lá. Eu gosto muito de fazer coisas que estejam esteticamente erradas. Interessam-me as coisas que são quirky, estranhas. É muito fácil fazer uma pintura certa, em que tudo funciona. Mas isso a mim não me interessa. O desequilíbrio é o que me interessa. Interessa-me muito mais o desequilíbrio do que as coisas estáveis. As coisas muito estáveis e certinhas não levam a lado nenhum a não ser a uma pasmaceira de café com leite. Interessam-me muito mais as coisas que estejam à beira do precipício.
Mas compreende que, para muitas pessoas, é mais difícil entender os caminhos que têm marcado a arte das últimas décadas do que quando era só a “pintura certa”?
É evidente que sim, mas a arte é uma linguagem.
E temos de ser treinados para a entender?
Há pessoas que, naturalmente, são capazes. Há uma espécie de educação estética que, às vezes, pode ser uma coisa inata. Mas também tem muito a ver com o próprio interesse das pessoas. Por exemplo, não é preciso ser uma conhecedora extraordinária para apreciar uma ópera qualquer, por exemplo “O Anel dos Nibelungos”, do Wagner. Mas se conhecer o trabalho do Wagner, conhecer outros compositores, do Puccini ao Verdi, e conhecer o Wagner dentro do seu contexto, provavelmente a sua apreciação vai ser diferente daquela que é meramente epidérmica. A compreensão da arte é uma coisa visual, mas se a pessoa tiver alguma bagagem e conhecimento por detrás, essa visão é diferente. Tal como uma pessoa que vê mal, se não tiver óculos, vê na mesma, só que vê desfocado.
Não tem momentos em que se questione sobre se o que está a ver é, ou não, arte?
Nunca. Quando acho que não é arte, não é mesmo! [risos] Isto levava-nos a uma conversa muito longa e de cariz filosófico sobre o que é a arte. Há sempre aquela teoria que “arte é tudo aquilo que um artista faz e diz que é arte”. Mas aí, depois, podemos perguntar o que é um artista? E daí podíamos dizer que é aquele que faz a arte. E entrávamos no jogo do ovo e da galinha. E é um pouco isso, efectivamente. Acho que todas as linguagens são possíveis. E hoje em dia há um excesso brutal de informação. É um exagero, há artistas a mais, imagens a mais, coisas a mais.
Isso acaba por o pressionar como artista?
Não. Mas houve uma alteração profunda do mercado de arte. E como é tudo muito rápido e viral, a arte agora é como a moda. Vamos a uma feira agora e há uma série de artistas que estão a trabalhar com vídeo e a mostrar cadeiras. Daqui a três meses, um artista que faça vídeos e cadeiras já é um dinossauro. Não quero fazer juízos de valor, porque senão pareço um reaccionário, mas tenho pouco interesse pelo sistema de arte de hoje em dia. Quando comecei a ser artista, não imaginava que ia ter de lidar com isso e é algo que não me interessa. Mas tenho de viver com essa pressão. Se não o fizer, sou esmagado. Agora tenho de fazer um jogo que não me interessa. E faço-o contrariado. Mas se não o fizer, desapareço. Num segundo. Um artista que não faça concessões está feito.
Neste momento está a preparar duas exposições para Coimbra. O que tem em mente ao preparar essas mostras?
Uma é feita pela turma de Estudos Curatoriais da Universidade de Coimbra e outra está integrada na Bienal Ano Zero, promovida também pela Universidade de Coimbra e pelo Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. São dois espaços e organizações diferentes, curiosamente na mesma cidade. Mas são tudo peças já antigas. Na primeira, como são alunos que estão a estudar para ser curadores, eles escolheram as peças que queriam mostrar. A outra tem como curador o João Silvério.
E quando vai mostrar trabalhos novos?
Não sei. Nem sequer quero prever quando será.
Porquê?
Porque nos últimos três anos sobreproduzi. Fiz tanta coisa que agora preciso de um ano sabático.
Tem medo de que se cansem de si?
Não, não. Eu é que não me quero cansar de mim. No próximo ano tenho várias exposições previstas, todas em museus ou instituições paramuseológicas, ou seja, instituições que precisam de trabalho já existente. No próximo ano vou fazer a gestão disso. E vou pensar, o que não é mau. Estes últimos três anos foram muito violentos. Mas agora parei mesmo. Juro.
Neste momento está patente uma outra exposição ligada a si, “Afinidades Electivas”, onde dá a conhecer o seu lado de coleccionador. O que o faz desejar uma peça?
Aquilo que me faz desejar tudo aquilo que desejo: é a vontade de a ter. Tenho muito o sentido da posse. Há muita gente que tem a necessidade da posse mas, depois de terem, estão-se nas tintas. Eu não. Cuido daquilo que tenho.
Quando começou a coleccionar?
Muito jovem. Tinha um amigo que desenhava muito bem, já nem me lembro do nome dele, mas eu teria para aí uns 15 anos, e foi a primeira troca que fiz. A grande maioria das peças que tenho na minha colecção são trocas que fiz com outros artistas.
E qual foi a primeira peça de um artista já consagrado que teve?
A primeira peça que comprei com o meu dinheiro, em suaves prestações mensais para aí durante cinco anos, foi um quadro do então meu patrão, de quem eu fui assistente, o Joaquim Rodrigo. Adorava o trabalho dele, mas não tinha dinheiro para lhe comprar um quadro – embora tivesse pintado muitos deles.
Acontece muito virem ter consigo porque adoram o seu trabalho, mas não têm dinheiro para comprar uma peça sua?
Às vezes acontece. Já ofereci muitas coisas, mas não por virem ter comigo a dizerem que gostam mas não têm dinheiro. Mas claro que é óptimo quando alguém vem ter comigo a dizer que adora o meu trabalho. Jamais alteraria um milímetro do meu trabalho só para agradar às pessoas mas, se as pessoas gostarem daquilo que faço, é óptimo. Não sou do género de dizer que não quero que gostem de mim. Eu quero que gostem de mim, gosto que gostem de mim.
O primeiro artista que o marcou, ainda muito novo, não é, no entanto, das artes plásticas, mas do cinema.
Sim, sou um grande antonioniano. Não é o único artista que me influenciou nessa fase da vida, mas influenciou-me muito. O primeiro filme que vi dele, devia ter uns 15 anos, foi “A Noite”. Nunca mais me vou esquecer. Vi-o no São Jorge. Nessa altura, o Antonioni não era um realizador que viesse a Portugal porque vivíamos a negra noite fascista. Havia uma censura violenta em termos de cinema e, de uma maneira geral, as coisas boas não vinham a Portugal. Desde muito novo que me interessava por cinema e fiz parte de muitos cineclubes. Era um péssimo aluno e ainda me baldava às aulas para ir ver cinema. E o Antonioni foi o meu realizador de cabeceira. Influenciou-me muito, como artista e como homem. Ele é de uma frialdade inacreditável. Apresenta factos, mas não faz juízos de valor. Isso marcou-me muito.
Sempre soube que seria artista?
Nunca quis ser outra coisa. Era muito solitário, tinha uma família muito pequena e fechada, os meus pais não tinham amigos e eu era filho único, neto único, sobrinho único… Era um solitário, malgré moi. Para mim, ser artista era uma fuga ao país cinzento. Nem sei bem o que era ser artista, mas a verdade é que nunca quis ser outra coisa. E eu era supercriativo, mas nessa altura ninguém podia ser criativo.
Ser criativo saiu-lhe caro?
Levei umas ponteiradas e umas reguadas. Na minha primeira escola, a Selecta Dom João I, tinha um grande amigo na escola porque, enquanto os outros meninos iam para o recreio, nós tínhamos aulas de piano. O outro menino continuou a tocar piano: é o Jorge Palma. Depois dessa escola andei em vários liceus, como o Camões, o Colégio Académico… Andei a saltitar.
Era expulso?
Fui expulso do Camões porque corria no pátio. Na altura era suficiente. Na altura havia um tipo asqueroso, chamado Joaquim Sérvulo Correia, nunca me hei de esquecer: era o reitor do Camões e um personagem dickensiano. Não podíamos correr nem falar com nenhum membro do sexo feminino num círculo de 500 metros fora do liceu. Ao lado de nós, colada, havia a António Arroio, um dos poucos sítios mistos. E havia uma leitaria com umas bolas de Berlim e umas sandes de mortadela maravilhosas, onde iam as miúdas da António Arroio e, por isso, nós também íamos para lá. O reitor do Camões passava a vida a gritar que não podíamos ir para essa baiuca!
Os seus pais nunca compreenderam facilmente o seu rumo de vida?
Não, mas também nunca foram controladores ao ponto de não me deixarem.
Mas a primeira exposição que viram, já era um artista consagrado.
É verdade… Sempre achei que os meus pais não ligavam nenhuma, o que é mentira. Eles tinham era uma maneira estranha de mostrar. Quando apareceram na minha exposição no Museu do Chiado, em 2000, já eu tinha muitos anos de carreira, fiquei emocionado. Nunca falámos sobre isso.
Sempre quis ser artista, mas começou por estudar Arquitectura. Porquê?
Queria ir para Pintura, mas não era suficientemente burro que não percebesse que, em Portugal, seria um suicídio. Só se fosse milionário. Por isso fui para Arquitectura. Desisti porque gosto tanto que não queria ofender a disciplina, seria sempre um péssimo arquitecto. Acho que sou muito bom artista, mas seria um péssimo arquitecto.
O que recorda do ambiente em Belas-Artes?
Era uma faculdade um pouco esdrúxula. Olhavam para nós como se fôssemos drogados, personagens a evitar. Um dos meus melhores amigos é dessa altura, o Fernando Calhau. Conhecemo-nos no dia em que entrámos. Passávamos os dias juntos porque aquilo era um tédio. Ainda por cima, ao fim de uma semana percebemos que estávamos a ser ensinados por pessoas que sabiam menos que nós. Parece de uma enorme arrogância, mas eles eram pessoas marcadas pelo regime. Mas eu já trabalhava muito.
O que fazia?
Trabalhava para outros artistas. Ia bater-lhes à porta e pedia trabalho. Fui gráfico, fui professor de Inglês, fui fotógrafo de moda… fazia o que aparecia.
Qual foi a sua primeira exposição?
Em 1968, tinha 20 anos, participei numa exposição de alunos na Escola de Belas-Artes. Ainda andava na tropa.
Foi à tropa?
Cinco anos. Não queria ir, mas éramos voluntariamente obrigados a ir. E a única maneira de não ir para África era ter muito boas notas no curso. Fui o primeiro classificado e, como iam chamando de baixo para cima, acabei por não ir para África. Mas cumpri cinco anos de serviço militar. Ia todos os dias para o quartel, felizmente era em Lisboa, o que me permitiu ir frequentando Belas-Artes. Chorava baba e ranho todos os dias porque me queria ir embora, sempre com medo de ser chamado para África. Foram cinco anos de vida perdidos.
Assim sendo, quando se deu o 25 de Abril a sensação de liberdade foi a dobrar.
Foi extraordinário. Vivia na Rua Nova do Almada, ao pé das Escadinhas de São Francisco, e o meu ateliê era em casa. Nessa altura era doentiamente noctívago, eram umas quatro horas da manhã e eu estava a trabalhar com o rádio ligado. Ouvi a “Grândola” e quando fui à janela vi os tanques. Fui para a rua nesse momento. E nos dias que se seguiram não fiz outra coisa a não ser estar na rua.
Disse que era um noctívago. Mesmo durante o regime?
Você não imagina o que se podia fazer nessa altura à noite! [risos] Oh god! Tudo se passava à porta fechada, na casa das pessoas. Depois do 25 de Abril passou a ser à descarada.
Que retrato guarda da cidade de Lisboa dessa altura?
Era uma histeria colectiva. A imagem da panela de pressão é perfeita para ilustrar estes tempos. De repente abrimos a panela de pressão e passou-se do 8 ao 80, do não se fazer nada porque tudo era proibido para um excesso de liberdade. Faziam-se coisas que não eram necessárias só para provar a liberdade. E podia-se fazer tudo. E quando digo tudo, era mesmo tudo.
Era fácil distrair-se do trabalho?
Não, porque não há um trabalho como artista, há um estar artístico. Ser artista sempre fez parte de mim, é como lavar os dentes. Tudo o que se passava só servia para me alimentar como artista.
Estamos a falar de uns anos em que, mais tarde, surgem espaços como o Frágil, no Bairro Alto, em que toda a gente se conhecia e todos tinham um projecto…
Era uma intelligentzia muito curta de Lisboa. Na altura, e isto com um grande exagero, haveria em Lisboa uns 100 artistas plásticos. Hoje em dia haverá 3 ou 4 mil. Na altura contaminávamo-nos muito entre géneros, as pessoas da arte davam-se com as da moda… Tudo funcionava em conjunto.
A promiscuidade não era só artística? Toda a gente dormia com toda a gente?
Claro. Fazia parte. Foi a liberdade sexual dos anos 80. Aliás, o toda a gente dormir com toda a gente foi logo nas primeiras horas do 25 de Abril. Era diabólico. As pessoas sentiam uma necessidade – física – de funcionarem assim porque antes estavam muito reprimidas.
Com o seu conhecido fascínio pelas mulheres, vivia deslumbrado com toda a liberdade sexual das mulheres?
Ainda vivo fascinado, quanto mais nessa altura.
Apaixonou-se muitas vezes?
Apaixono-me a toda a hora e a todo o instante. Faz parte da vida. Tive muitas relações na minha vida. Até me ter casado.
As mulheres são o seu calcanhar de Aquiles?
Não. Calcanhares de Aquiles são instrumentos de fraqueza e as mulheres são instrumentos de poder.
Que facilmente exercem poder sobre si?
That remains to be seen.
Com que idade casou?
A primeira vez tinha 19 anos. Apetecia-me casar. O estatuto de homem casado era uma coisa que me dava gozo e casava-se para receber presentes. Estive casado três ou quatro meses. [risos] Era uma colega da faculdade. Foi um amor assolapado.
Casou mais vezes?
Mais duas. Foi sempre pelos presentes. Agora estou casado desde 1988. Foi uma das histerias dos anos 80 e ficou. Mas continuo a ser encantado pelas mulheres, não tem nada a ver.
O que o fascina assim tanto nas mulheres que até em termos de trabalho são muitas vezes o seu foco?
O que não há para fascinar? Sou um perdido. Mas assumo isso.
Mas é de estar numa esplanada, passa uma mulher que lhe chama a atenção e fica especado a olhar?
Absolutamente. O que posso fazer? Tento discretamente não ser assim, mas é mais forte do que eu. Há um filme muito giro do Truffaut chamado “L’homme qui aimait les femmes” e eu sou um pouco como ele: morreu atropelado por um Porsche quando ia a olhar para as pernas de uma mulher. [risos] Há piores maneiras de morrer.
Isso já lhe valeu chatices?
Não, porque ao mesmo tempo sou impecável.
Porque foi sempre tão importante para si manter-se em Portugal, apesar de ter uma carreira bastante consolidada no estrangeiro?
Porque sou português e gosto de estar aqui. Já me desafiaram várias vezes para sair, mas esta é a minha base. Se bem que, hoje em dia, se não tivesse tanta coisa para levar comigo, pirava-me. Isto é um país sem futuro. Estou zangado com Portugal. Os portugueses, de uma maneira geral, são medíocres. E somos chefiados por uma cambada de medíocres. Somos pouco ambiciosos e muito coitadinhos. E digo isto mas sempre lutei por Portugal. Nunca quis ser um daqueles artistas estrangeirados que vivem em Paris mas vêm a Portugal fazer exposições. Sempre preferi ser o que ia a Paris fazer exposições.
É um dos artistas portugueses mais representado no estrangeiro. Sente esse reconhecimento lá fora?
Sim, sem dúvida. Mas ando nisto há muitos anos.
Quais são os países que lhe são mais queridos?
Os Estados Unidos da América. Quando preciso de recarregar baterias, é para Nova Iorque que vou.
Mesmo depois de terem dito que era um homem que odiava mulheres?
Sim. Essa cena passou-se em Washington. Tive um grupo de mulheres iradas que não queriam que fizesse a exposição porque eu tratava mal as mulheres. Falei com elas e perceberam logo que não era verdade. Não era o misógino ou o marialva que elas achavam que eu era. Expliquei que o que não queria era personalizar as minhas obras e, por isso, retirava a cabeça das mulheres.
Vive bem da arte?
Há quem viva melhor. Neste momento vive-se com mais dificuldades porque a crise também passa pela arte. Vivo tranquilo, não me falta nada. Mas não sou milionário. Tenho 11 galerias espalhadas pelo mundo e vendo uma coisa aqui e outra acolá. É isso que me permite viver. Mas, muitas vezes, as pessoas que têm possibilidades de comprar arte preferem comprar Porsches ou Ferraris, o que é uma estupidez porque basta andar dez metros com o carro que ele já desvalorizou, enquanto a obra de arte valoriza. Mas vivemos num país onde o carro é mais importante do que a obra de arte.
No universo das artes plásticas, quem são as pessoas que marcam a sua vida?
Infelizmente, quase todos já morreram. Um dos meus grandes amigos, quase irmão, foi o Fernando Calhau, que já morreu. E também o Juan Muñoz, que também já morreu; o Michael Tarantino, que já morreu; o Michael Biberstein, que também já morreu. Restam-me dois: o John Baldessari e o Lawrence Weiner.
Essa matemática dos amigos que já morreram mexe consigo?
Nem tanto, porque estes meus amigos não morreram por serem velhos, mas com mortes macacas como um aneurisma ou um cancro ou um AVC enquanto fazia yoga. Os mais velhos ainda não morreram! [risos]
Vai fazer 67 anos, mas toda a gente acha que é muito mais novo. Também se sente mais jovem?
Acho que toda a gente se sente mais jovem. Sinto-me com 18 anos. A minha cabeça ainda funciona como se tivesse 18 anos. Tenho o mesmo entusiasmo que tinha. E continuo a trabalhar para revolucionar.
Nunca pensa no fim?
Porra, não! Farei os possíveis para não morrer mas, se acontecer, que seja o mais tarde possível.