Moçambique: um futuro incerto


Nos próximos tempos o aprofundar da crise interna parece ser o cenário mais realista. O futuro incerto poderá colocar em causa a estabilidade e o desenvolvimento de Moçambique.


No espaço de poucos dias, a 12 e 25 de Setembro, a comitiva de segurança de Afonso Dhlakama esteve envolvida em duas situações de tiroteio das quais resultaram diversos mortos e feridos. A Renamo atribuiu a autoria dos ataques na província de Manica a elementos das forças policiais e das tropas governamentais. Contudo, o Governo moçambicano negou que tal seja verdade. Independentemente do apuramento das responsabilidades, a consequência prática destes dois episódios foi a agudização da situação de crise interna em Moçambique.

Ainda que não tenha existido qualquer declaração pública nesse sentido, estou certo que o Governo português, por diversas razões, segue com muita atenção o recrudescimento da tensão política e militar entre a Renamo e a Frelimo. Importa recordar que, nesta altura, a paz e a estabilidade em Moçambique estão assentes em bases políticas muito frágeis e num passado recente que ainda está muito vivo na memória dos intervenientes políticos. Em Outubro de 2013, a Renamo anunciou o fim do Acordo Geral de Paz de Roma de Outubro de 1992, depois de forças militares governamentais terem atacado a base da Renamo na Gorongosa. O conflito armado, i.e. a situação de guerra civil não declarada, durou até Agosto de 2014, altura em que a Renamo e a Frelimo chegaram a um acordo de cessação das hostilidades. Este entendimento veio abrir a porta à participação da Renamo nas eleições gerais — presidenciais, legislativas e provinciais — de Outubro de 2014, mas Dhlakama até hoje não reconheceu como legítimos os resultados eleitorais, que na altura considerou fraudulentos, exigindo a partir daí o direito de governar as seis províncias “autónomas” onde reclama vitória (Nampula e Niassa, no norte, Sofala, Manica, Zambézia e Tete, no centro de Moçambique).

Mas como ultrapassar o impasse político?

Esta é a pergunta que vale um milhão de euros e para a qual não há uma resposta. A solução não passa certamente pela via militar, como já se viu em 2013 e 2014. O passado recente mostra que a via armada não garante o desbloqueio do impasse político, antes prolonga um statu quo que qualquer uma das partes conseguirá manter no terreno por tempo indeterminado, apesar dos custos políticos, económicos e humanos. Não é seguro, aliás, que a eventual morte de Dhlakama — num remake do que aconteceu em 2002 com Jonas Savimbi em Angola — pudesse abrir a porta a uma solução política. A renovação da liderança da Renamo seria um facto inevitável, mas tal não garantiria obrigatoriamente uma mudança de orientação política. Uma dúvida que, no entanto, deve gerar algumas tentações proibidas junto de alguns sectores da Frelimo.

O bom senso aponta, portanto, no sentido de se dar primazia à via negocial, o que por sua vez levanta outras questões, por exemplo quanto ao formato e ao conteúdo. Quanto ao primeiro, não creio que sem o recurso a um mediador externo — a CPLP certamente não tem condições (e possivelmente vontade) para desempenhar esse papel — seja possível sentar as duas partes à mesa. Quanto ao conteúdo, o Estado moçambicano dificilmente poderá aceitar as exigências políticas de Dhlakama e da Renamo. Em primeiro lugar porque isso implicaria, da parte da Frelimo, o reconhecimento implícito e explícito de uma situação de fraude eleitoral generalizada. Ora, no essencial, as eleições gerais foram consideradas livres, justas e transparentes pelas missões de observação da CPLP e da União Europeia. Em segundo lugar, o estatuto de províncias autónomas privaria certamente o Estado moçambicano do controlo de importantes fontes de receita, actuais e futuras, oriundas das matérias-primas, como é o caso do carvão de Tete e das pedras preciosas e outros minerais de Nampula. Por último, a aceitação de um estatuto de províncias autónomas a seu tempo conduziria quase que inevitavelmente à própria fragmentação do Estado moçambicano.

Infelizmente, não creio que nesta fase estejam reunidas as condições mínimas para que Afonso Dhlakama possa recuar nas suas exigências políticas. Assim sendo, perante o bloqueio existente, nos próximos tempos o aprofundar da crise interna parece ser o cenário mais provável. Um futuro incerto que poderá mesmo colocar em causa alguns dos investimentos planeados para os próximos anos, com isso fazendo perigar não apenas a paz e a estabilidade, mas também o desenvolvimento e a prosperidade de Moçambique.

 

Moçambique: um futuro incerto


Nos próximos tempos o aprofundar da crise interna parece ser o cenário mais realista. O futuro incerto poderá colocar em causa a estabilidade e o desenvolvimento de Moçambique.


No espaço de poucos dias, a 12 e 25 de Setembro, a comitiva de segurança de Afonso Dhlakama esteve envolvida em duas situações de tiroteio das quais resultaram diversos mortos e feridos. A Renamo atribuiu a autoria dos ataques na província de Manica a elementos das forças policiais e das tropas governamentais. Contudo, o Governo moçambicano negou que tal seja verdade. Independentemente do apuramento das responsabilidades, a consequência prática destes dois episódios foi a agudização da situação de crise interna em Moçambique.

Ainda que não tenha existido qualquer declaração pública nesse sentido, estou certo que o Governo português, por diversas razões, segue com muita atenção o recrudescimento da tensão política e militar entre a Renamo e a Frelimo. Importa recordar que, nesta altura, a paz e a estabilidade em Moçambique estão assentes em bases políticas muito frágeis e num passado recente que ainda está muito vivo na memória dos intervenientes políticos. Em Outubro de 2013, a Renamo anunciou o fim do Acordo Geral de Paz de Roma de Outubro de 1992, depois de forças militares governamentais terem atacado a base da Renamo na Gorongosa. O conflito armado, i.e. a situação de guerra civil não declarada, durou até Agosto de 2014, altura em que a Renamo e a Frelimo chegaram a um acordo de cessação das hostilidades. Este entendimento veio abrir a porta à participação da Renamo nas eleições gerais — presidenciais, legislativas e provinciais — de Outubro de 2014, mas Dhlakama até hoje não reconheceu como legítimos os resultados eleitorais, que na altura considerou fraudulentos, exigindo a partir daí o direito de governar as seis províncias “autónomas” onde reclama vitória (Nampula e Niassa, no norte, Sofala, Manica, Zambézia e Tete, no centro de Moçambique).

Mas como ultrapassar o impasse político?

Esta é a pergunta que vale um milhão de euros e para a qual não há uma resposta. A solução não passa certamente pela via militar, como já se viu em 2013 e 2014. O passado recente mostra que a via armada não garante o desbloqueio do impasse político, antes prolonga um statu quo que qualquer uma das partes conseguirá manter no terreno por tempo indeterminado, apesar dos custos políticos, económicos e humanos. Não é seguro, aliás, que a eventual morte de Dhlakama — num remake do que aconteceu em 2002 com Jonas Savimbi em Angola — pudesse abrir a porta a uma solução política. A renovação da liderança da Renamo seria um facto inevitável, mas tal não garantiria obrigatoriamente uma mudança de orientação política. Uma dúvida que, no entanto, deve gerar algumas tentações proibidas junto de alguns sectores da Frelimo.

O bom senso aponta, portanto, no sentido de se dar primazia à via negocial, o que por sua vez levanta outras questões, por exemplo quanto ao formato e ao conteúdo. Quanto ao primeiro, não creio que sem o recurso a um mediador externo — a CPLP certamente não tem condições (e possivelmente vontade) para desempenhar esse papel — seja possível sentar as duas partes à mesa. Quanto ao conteúdo, o Estado moçambicano dificilmente poderá aceitar as exigências políticas de Dhlakama e da Renamo. Em primeiro lugar porque isso implicaria, da parte da Frelimo, o reconhecimento implícito e explícito de uma situação de fraude eleitoral generalizada. Ora, no essencial, as eleições gerais foram consideradas livres, justas e transparentes pelas missões de observação da CPLP e da União Europeia. Em segundo lugar, o estatuto de províncias autónomas privaria certamente o Estado moçambicano do controlo de importantes fontes de receita, actuais e futuras, oriundas das matérias-primas, como é o caso do carvão de Tete e das pedras preciosas e outros minerais de Nampula. Por último, a aceitação de um estatuto de províncias autónomas a seu tempo conduziria quase que inevitavelmente à própria fragmentação do Estado moçambicano.

Infelizmente, não creio que nesta fase estejam reunidas as condições mínimas para que Afonso Dhlakama possa recuar nas suas exigências políticas. Assim sendo, perante o bloqueio existente, nos próximos tempos o aprofundar da crise interna parece ser o cenário mais provável. Um futuro incerto que poderá mesmo colocar em causa alguns dos investimentos planeados para os próximos anos, com isso fazendo perigar não apenas a paz e a estabilidade, mas também o desenvolvimento e a prosperidade de Moçambique.