José Sócrates juntou as palavras proibidas numa frase que o PS mantém fora do seu discurso a todo o custo. “Tenho a legítima suspeita de que a verdadeira intenção da minha detenção abusiva e da minha prisão sem fundamento não foi perseguir crime nenhum mas tão só impedir o PS de ganhar as eleições legislativas”. E agora? Nada. No PS a ordem de não entrar nesta lógica mantém-se e vai continuar intocável. “Essa é uma linha que tem de ser mantida como um risco contínuo e não com um risco descontínuo que se ultrapassa quando convém”.
A frase é de António Costa, dita ontem ao “Jornal de Negócios”, em reacção à entrevista de José Sócrates ao DN e à TSF. Para o actual líder socialista, as declarações do ex-líder e ex-primeiro-ministro constituem a “defesa pública de alguém que tem sido publicamente acusado e que também recorre ao espaço público, onde no fundo o julgamento também tem sido feito, para apresentar a sua defesa”.
Mas na entrevista – a terceira que deu, fora as cartas e declarações (ver nas páginas seguintes) enviadas à comunicação social a partir da prisão – Sócrates não ficou pela análise aos trâmites do processo. Desta vez, o ex-líder do PS atribuiu à acusação a intenção de derrubar o PS nas legislativas. O raciocínio é o seguinte: foi preso “sem provas”, foi “permitida a intensa campanha de difamação” sobre si mesmo e “sobre o anterior governo do PS”, logo, “o senhor procurador autoriza a legítima suspeita” de que a sua prisão “possa ter servido para condicionar as próximas eleições legislativas”. A Rosário Teixeira, o procurador titular do processo, Sócrates atira directamente a acusação:“Tal é o lindo serviço que presta à Justiça – envolvê-la numa horrível suspeita de instrumentalização política”. Também garante que o PS nunca lhe faltou, recusa comentar declaração de Costa sobre a necessidade de “despoluir o debate político” – “não esperem de mim qualquer palavra que possa prejudicar a liderança do PS” – e também que não se retira da vida política: “Oh, pelo contrário. Isto ainda agora começou.”
No PS o assunto queima e é difícil que os socialistas falem abertamente sobre o caso sem ser para dizer a linha que Costa instituiu, por SMS, logo na manhã seguinte à detenção do carismático líder socialista, o primeiro a levar o partido a uma maioria absoluta. A posição de Costa é entendida, mas só até certo ponto. Um dirigente socialista diz ao i que “há aqui dados que causam inquietação, como a recusa da pulseira electrónica e a manutenção na prisão”, ao mesmo tempo que também admite que “não há nada de objectivo. Mas a posição do PS pode vir a ser alterada se ocorrerem factos que demonstrem que o sistema judicial não está a ser imparcial”. O desconforto é enorme no partido onde se suspeita que “os adversários políticos devem estar a adorar”.
“Quando disse que vamos separar as águas e que o PS não deve confundir aquilo que é a relação afectiva e pessoal com José Sócrates com aquilo que é debate que deve ser desenvolvido na justiça, não o disse só relativamente às autoridades judiciárias. Era o que me faltava agora comentar ou limitar o direito de defesa do cidadão José Sócrates”, afirmou ontem António Costa.
Mas ao mesmo tempo, o líder socialista também não deixa de fazer reparos à mistura de esferas. “Hoje em dia cada vez menos há a fronteira entre o que é o espaço judiciário e o público, com tudo o que isso constitui de risco para transformar [um processo], agora por modos mais tecnologicamente aperfeiçoados, nos antigos julgamentos populares a que o Estado de Direito pôs fim. Mas isso é algo que, ao longo de vários anos, a Justiça e a comunicação não souberam resolver bem. Costa acredita que “o espaço mediático é instrumentalizado em função dessa estratégia” da defesa e da acusação e que o “ideal era que o processo se mantivesse na área judiciária”.