Álvaro Cunhal morreu há 10 anos

Álvaro Cunhal morreu há 10 anos


Foi numa madrugada de Santo António, no dia do funeral de Vasco Gonçalves, no mesmo dia em que morria o compagnon de route poeta Eugénio de Andrade, que o mito comunista português morreu.


Faz hoje 10 anos que os portugueses acordaram com a notícia de que Álvaro Cunhal tinha morrido. Afastado da liderança do PCP desde 1992 – 12 anos antes – o choque perante a sua morte não foi exclusivo dos comunistas. Aos 91 anos, no dia 13 de Junho de 2004 perto das seis da manhã, tinha desaparecido um mito do século XX português.

A notícia, como não poderia deixar de ser, foi dada pelo Partido Comunista. Nessa manhã, o PCP anunciou “com profunda mágoa e emoção” a morte do líder histórico. “Os trabalhadores e o povo português perdem um dos seus mais consequentes e abnegados lutadores”, dizia o partido, que assinalava o papel de Cunhal “na resistência antifascista pela liberdade e a democracia, nas transformações revolucionárias de Abril e em sua defesa por uma sociedade livre da exploração e da opressão, a sociedade socialista”. 

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Cunhal era tudo menos uma personagem consensual – os anos de 1975 e o domínio do PCP sobre várias áreas da sociedade tinham causado choques sociais – mas, ao contrário do que o PCP pediu (a melhor homenagem que poderia ser prestada ao antigo secretário-geral era “prosseguir a luta que travou até aos últimos dias de vida pelos interesses e direitos dos trabalhadores”), o povo quis sair à rua e o seu funeral foi uma das manifestações de luto mais impressionantes da memória recente. 

O PCP descreveu-a assim: “Uma multidão oriunda de todo o país – militantes do partido e simpatizantes, gente sem filiação partidária, membros de outras forças políticas, operários, empregados, estudantes, intelectuais – participou naquela que foi a maior cerimónia fúnebre alguma vez realizada em Portugal”. O “Diário de Notícias” falava em mais de 250 mil pessoas presentes.

“Morreu igual a si próprio” No mesmo dia morria Eugénio de Andrade, mas a morte do poeta compagnon de route de Álvaro Cunhal não foi acompanhada da mesma emoção colectiva.  Cunhal tinha sido um tornado ao pé do qual um dos melhores poetas portugueses teve direito a uma morte discreta. Três dias antes tinha morrido Vasco Gonçalves, o primeiro-ministro apoiado pelo PCP que liderou o país no famoso Verão Quente. A morte de Cunhal é anunciada no dia do funeral de Vasco Gonçalves.

O seu “inimigo íntimo” Mário Soares – expressão usada pelo próprio Soares numa conversa com Cunhal – escreveu no dia da morte daquele que chegou a ser seu explicador no Colégio Moderno. “Cunhal morreu igual a si próprio. Ainda bem que assim foi. Apesar de tudo, não posso impedir-me de sentir uma enorme tristeza. Era um homem de aço, de antes quebrar que torcer. Valente, de convicções inabaláveis, pessoalmente desinteressado até ao sacrifício, fiel aos seus ideais de sempre, que nunca quis compreender o célebre verso de Camões ‘Mudam-se os tempos mudam-se as vontades/o mundo é feito de mudança’. Ele nunca mudou”.

Quando morreu, Cunhal já não liderava o PCP há 12 anos. Resistiu sempre às mudanças internas defendidas pelos chamados renovadores – a maior parte dos quais acabou nas fileiras do PS. Várias vezes, antes da morte de Cunhal, foi anunciada a morte do PCP. A previsão não só não se concretizou como o PCP manteve uma base eleitoral segura, hoje muito à frente da base eleitoral do Bloco de Esquerda.