Este pai está cansado de lutar mas continua à procura do filho

Este pai está cansado de lutar mas continua à procura do filho


É a convicção de um pai cansado, 18 anos depois de o filho ter desaparecido. 


"Só falta o Afonso contar a verdade".

Passaram 18 anos desde o desaparecimento de Rui Pedro, o rapaz de Lousada. Afonso Dias, considerado desde o início o principal suspeito, entregou-se na cadeia de Guimarães no mês passado. Vai cumprir três anos de prisão pelo crime de rapto. Judicialmente, a história de Rui Pedro chegou ao fim, mas o mais importante continua por saber: o que aconteceu ao rapaz de 11 anos? Na primeira grande entrevista a um jornal, Manuel Mendonça, o pai de Rui Pedro, volta a pedir a Afonso Dias que diga se o filho está vivo ou morto: “Se ele tivesse dito a verdade, nunca iria gostar dele, mas teria de acabar por aceitar, porque foi um acidente e os acidentes acontecem.” Aos 54 anos, o pai de Rui Pedro é um homem cansado e confessa já não acreditar na hipótese de o filho, que hoje teria 28 anos, poder estar vivo.

Quando se fala no caso do Rui Pedro, pensa-se sempre na sua mulher. Por que razão se resguardou mais?

Naquela altura, a minha filha Carina era muito nova, tinha oito anos, e eu tive de continuar a cuidar dos negócios. A minha mulher focou-se mais no caso e em dar a cara, e deixou de trabalhar. Há 18 anos, havia meses em que eu tinha de ir três e quatro vezes ao Alentejo por causa de negócios ligados ao gado. Tinha sete talhos, 16 empregados e muito trabalho na quinta. Tentei não me perder, até porque se eu e a Filomena remássemos para o mesmo lado… hoje não teríamos nada para viver. Se eu tivesse caído como a minha mulher caiu – e ela chegou a estar internada –, não sei o que seria da minha filha. Mas conseguimos que a Carina se formasse. Tem 25 anos e formou-se em Medicina, está a fazer a especialidade.

A sua mulher deixou de trabalhar logo a seguir ao desaparecimento?

Sim. Na altura não tinha forças para continuar. E ainda hoje… Nunca mais voltou a trabalhar. E ela estava bem profissionalmente. Dirigia uma escola de condução.

Há 18 anos, que tipo de relacionamento tinham com o Afonso? Ele conta que a sua mulher era a melhor amiga dele, uma madrinha. Eram chegados?

Isso não corresponde à verdade. O Afonso era um pobre coitado que andava por aqui, nas ruas de Lousada, a fazer favores a toda a gente a troco de sandes. Ele começou a ter confiança com o Pedro quando tinha uns 15 ou 16 anos. Costumava estar no Automóvel Clube, eles não tinham fotocopiadora e ele ia à escola de condução pedir para usar a nossa. A minha mulher não se importava que ele andasse com o Pedro e a Carina, mas eu nunca gostei porque havia uma diferença de idades grande e ele vinha de uma família que… não era por serem pobres, que isso não tem mal nenhum, mas que não me agradava. Em três ou quatro anos entrou em minha casa três ou quatro vezes. Como vê, não era uma amizade assídua, como se diz por aí. Ele ia buscar os miúdos à escola, sem eu saber.

A Carina também?

Sim, porque o Rui e a Carina andavam na mesma escola.

A Carina lembra-se desses encontros?

Ela diz que o Afonso tinha atitudes normais. Saíam da escola, ia pô-los aqui e ali, lanchavam. Mas isso tudo antes de ele ir para a tropa. A seguir à tropa, ele voltou completamente transformado. Diz-se que teve por lá uns problemas, andou fugido.

Que tipo de problemas?

Não se sabe. A minha mulher conta que, uma vez, a mãe dele apareceu na escola de condução a chorar e a pedir para tentar ligar ao Afonso porque a tropa não sabia dele e iam prendê-lo. O certo é que ele, quando volta da tropa, vem diferente e começa a encontrar-se com o Pedro às escondidas. Nem a minha mulher sabia.

E encontravam-se onde?

No caminho da escola até casa e num descampado que havia aqui atrás. Era lá que ele prometia mundos e fundos ao Pedro.

Prometia-lhe o quê?

Que os levava, a ele e ao meu sobrinho, a fazer fisgas, a botar foguetes, às prostitutas.

Porque é que desconfiaram dele desde o primeiro dia?

Tudo apontava para que ele soubesse de alguma coisa. O André  [sobrinho] contou que o Afonso os tinha convidado para irem às prostitutas; um cunhado meu viu o Pedro a passar de bicicleta e o Afonso a passar de carro; uns miúdos que estavam em cima de um muro viram o meu filho entrar no carro dele; antes, uma senhora viu-o encostado ao carro; a prostituta confirmou que esteve lá um miúdo; um homem contou em tribunal que viu a prostituta com um rapaz que parecia ter uns dez ou onze anos. Tudo mostra que foi ele.

Algum dia falaram com a prostituta fora do tribunal?

Não. A polícia pediu sempre para não falarmos com ela, para não influenciar. Um cunhado meu conversou com ela, um ou dois dias a seguir ao desaparecimento, e ela contou que o miúdo esteve lá, mas a PJ da altura não lhe deu credibilidade. Era uma equipa de três indivíduos que andaram a brincar com o caso três ou quatro anos. Não fizeram registos, não recolheram vestígios, ADN. Nada. Sempre acharam que o Pedro ia aparecer, que tinha sido uma brincadeira ou que tinha fugido de casa. Nunca levaram o caso a sério.

Desde o início?

Sim. Eu ainda demorei algum tempo a perceber e acreditava neles, mas a minha mulher e o meu sogro estavam muito contra eles e logo desde o início.

Mas porquê? Eles não se interessavam?

Nunca tinham investigado nada do género e diziam que a maior parte das crianças que desaparecem acabam por voltar passados uns dias, que se escondem por causa das aulas e coisas do género. Mas, no nosso caso, isso não aconteceu.

Um dos inspectores dessa altura disse em tribunal que a investigação foi prejudicada porque o senhor e a sua mulher omitiram informação.

Que informação é que omitimos?

Só terão contado que o Pedro era epiléptico muito mais tarde e a sua mulher sempre disse que tinha sido a última pessoa a vê-lo.

Nisso é que ele falha! Veja uma coisa: o primeiro apelo que nós fizemos, na televisão e na rádio, era para que quem encontrasse o meu filho lhe desse a medicação, o Diplexil, porque era epiléptico e precisava do medicamento. Então o inspector não viu esse apelo? Não estava com atenção? Foi logo nos primeiros dias! E é lógico a minha mulher dizer que foi a última pessoa a vê-lo… ela não sabia que o Pedro ia estar com o Afonso.

Como é que conheceu a sua mulher?

Somos os dois do concelho de Lousada: eu morava em Boim, ela em Nespereira. Ela era mais nova do que eu, tinha uns 18 anos e eu devia ter uns 21. Ela ainda andava a estudar e eu já tinha deixado. Saí da escola no 9.o ano porque queria trabalhar e seguir a profissão do meu pai neste ramo. Ele tinha só um talho e eu montei outros seis. Casámos em 1985 e ela ficou a trabalhar com o pai nas escolas de condução. Em Janeiro de 1987 nasceu o Pedro e, dois anos depois, a Carina.

O que aconteceu não era o que tinham sonhado para o vosso casamento.

Não. Aconteceu-nos uma coisa muito ruim. Mas… há casais que também passam por coisas más. Não há balanças para pesar o sofrimento, é impossível dizer quem sofre mais. Até porque, perante um mesmo acontecimento, duas pessoas não sofrem de maneira igual. Tenho um empregado – é o único que tenho actualmente e foi o primeiro que contratei, há 30 anos – que perdeu o filho há uns três anos. Tinha 21 e morreu num acidente de mota. Ele tem mostrado uma coragem impressionante, uma maneira de trabalhar, uma luta… 
E eu nunca lhe perguntei, nem ele a mim, qual é a melhor posição para se estar, se a minha, se a dele.

De certa forma, a morte de um filho é mais fácil de ultrapassar porque se pode fazer o luto. Num caso de um desaparecimento nunca há certezas. Fez o luto do seu filho?

Não fiz nem vou fazer até saber o que lhe aconteceu. Há uns tempos, vi uma notícia de um senhor que encontrou o filho passados 30 anos. E como é que eu vou fazer o luto do meu filho? O luto é uma coisa para fazer aos mortos. Há a probabilidade de ele estar morto, mas não há certezas.

O quarto do Pedro ainda está intacto?

Sim, mas não é por não querermos mexer. Até porque se o Pedro chegar, amanhã ou depois, não vai querer os bonecos que lá estão. E, por acaso, a Carina está a trabalhar no Porto e tem casa lá perto mas, se quisesse ou precisasse de vir para cá, tinha de haver mudanças na casa. O apartamento é grande e tem três quartos, mas tinha de ser adaptado, e aí teríamos de tomar uma atitude com o quarto do Pedro. E se amanhã ou depois adoptássemos um menino teríamos de…

Chegaram a pensar nisso?

Não me importava, mas a minha mulher não tem saúde e adopção é uma coisa muito séria. Não se adopta uma criança por desporto. A Mena gosta muito de meninos. Há pouco tempo, duas primas nossas tiveram dois meninos no mesmo dia e ela gosta muito de estar com eles. Mas estar… porque se tiver de ter aquela preocupação de olhar por eles… já não tem saúde.

Nunca se foi tão abaixo como a sua mulher. O sofrimento de uma mãe é diferente do sofrimento de um pai?

Há maneiras diferentes de encarar as coisas. Como lhe disse, o meu empregado continua a trabalhar e a lutar pela vida, mas tenho colegas que perderam os filhos e desistiram da vida.

No seu caso, como se equilibrou?

Com os negócios. E tenho os meus pais vivos e seis irmãos que me deram muito apoio. E a Carina. Tentei aguentar-me na Carina. Além disso, como andava por fora, por causa dos negócios, não me deixei ir tão abaixo como a Mena. Ela ficou muito por casa e talvez isso a tenha moído mais. Há quem diga que a dor de mãe é mais forte do que a de pai, mas eu não acredito. Que seja diferente, posso aceitar. Mas não mais forte.

Também se foi abaixo algumas vezes?

Sim. Agora não tanto, mas houve fases em que só me apetecia dar com a cabeça na parede. Embora agora também seja complicado. O passar dos anos e sentir que continuamos sem saber de nada… é difícil.

O tempo não traz conformismo?

É lógico que o impacto vai sendo menor, é como na morte. A dada altura, as pessoas vão-se conformando. Mas nunca esquecem. Nunca se esquece.

Qual foi a sua primeira intuição há 18 anos?

Sempre achei que devia ter acontecido um acidente com o Afonso. A Mena andava mais virada para outras possibilidades, porque ele tinha muitos conhecimentos na Bélgica e na Holanda, por causa do Automóvel Clube, e nunca tinha dinheiro para nada. A cisma da Filomena é que poderia ter havido uma troca ou um negócio. Até porque foi um piloto holandês que pagou a carta de condução ao Afonso.

A seguir ao desaparecimento, ele não falou com vocês?

Não. A PJ mandou-o para casa, deixou-o levar o carro, não fez recolha de vestígios ou qualquer peritagem. Lembro-me de ir à PJ e ver lá roupa dele, mas os inspectores disseram que não havia hipótese de extrair nada. Uma coisa de que me lembro é que o Afonso não gostava de tomar banho. E, nesse dia do desaparecimento, ele tomou banho duas vezes. Quando apareci em casa dele, por volta das oito da noite, para saber do Pedro, estava com o cabelo molhado. E ele contou, no processo, que tinha tomado banho à tarde.

Nunca tentou falar com ele depois disso?

Não, nunca o procurei. A minha mulher ainda falou com ele…

Mas nunca o procurou porquê?

Porque… (silêncio) se um dia tiver de acontecer, não sei como vai ser.

Como foi a conversa com a sua mulher?

Acho que discutiram e ele disse-lhe coisas a rir-se. Nós sempre sentimos que ninguém, nem ele, nem a família dele ou o advogado quiseram ajudar a saber o que aconteceu ao Pedro. O próprio advogado, como homem – e ele diz que tem filhos –, não pode ser boa pessoa. O nosso advogado nunca usou truques no tribunal. Nós só queríamos saber onde estava o Pedro, fomos transparentes em tudo. Se eu fosse advogado e tivesse de defender um homem acusado de rapto, nunca lhe dizia para não falar e não o defenderia se ele se recusasse a falar.

Interpretam esse silêncio como uma coisa mais grave?

Claro, como é lógico. E a postura foi sempre essa, a de não falar.

Este tempo na cadeia pode trazer o rebate de consciência que tanto têm pedido?

Mais uma vez, o sistema não funcionou e permitiu que ele escolhesse a cadeia. Claro que ele procurou, com o advogado, o melhor hotel possível. Escolheram uma cadeia pequena, com menos movimento, sem reclusos perigosos e onde a pressão é menor. A cadeia de Guimarães é uma casa familiar e ele vai estar lá um ano ou um ano e meio e não vai acontecer nada. Se ele fosse para uma cadeia grande, com indivíduos mais perigosos, a vida do Afonso não seria fácil e teria de enfrentar muitos pais de crianças que não lhe perdoariam. Talvez essa pressão o fizesse falar.

Já pensou que ele pode não ter mesmo nada a ver com o desaparecimento do seu filho?

Isso queria eu porque, se ele não estiver metido nisto, o Pedro está vivo.

Como pode ter essa certeza?

Porque o que aconteceu aconteceu naquela tarde.

Podem ter acontecido muitas coisas.

Podem, mas na presença do Afonso. Eu também não digo que o Afonso cometeu um crime ou que fez de propósito. O que eu digo é que ele ocultou, escondeu o que aconteceu, talvez por medo e por estar sozinho. E é isso que eu condeno, porque um azar pode acontecer a qualquer pessoa. Um amigo meu levou o filho de uma irmã ao rio, o miúdo afogou-se e ele enfrentou a situação e contou a verdade. O Afonso não foi capaz de fazer isso e o que falta é ele dizer o que aconteceu naquele dia. Se ele tivesse dito a verdade, eu nunca iria gostar dele, mas teria de acabar por aceitar e não ficava tanto contra ele. Porque foi um acidente e os acidentes acontecem. Mas ele saber, durante 18 anos, que pode falar e aliviar a nossa dor… e não o fazer… isso, eu não posso compreender.

O Rui Pedro terá agora 28 anos. Estando vivo, por que razão não apareceria?

Às vezes, acontece. Se o Afonso o tiver mandado para uma rede de pedofilia, o Pedro poderá ter-se tornado um pedófilo como eles e agora não pode dar a cara. Mas eu já não vou por aí. O que eu acho é que, naquele dia, quando eles foram às prostitutas, o Pedro se enervou, teve um ataque epiléptico e o Afonso não soube lidar com aquilo e fê-lo desaparecer. É essa a ideia que eu tenho, hoje, e que a PJ tem.

O caso do seu filho ficou marcado pelo grande número de pistas falsas. Como lidaram com isso?

Foi fustigante, principalmente até começarmos a ter algum traquejo para destrinçar as coisas que nos diziam. Telefonavam–nos para casa, escreviam-nos. Videntes, pessoas que tinham problemas em casa e só queriam conversar…

O que diziam as videntes?

Disparates, a minha sorte foi não acreditar nessas coisas. Uma das videntes tinha-lhe morrido um filho e ficou maluca. Dizia coisas macabras, que o Pedro estava no rio.

Foram à procura do corpo?

Sim. Só fui uma vez. Mas tive familiares que gastaram muito dinheiro a ir aqui e ali.

Que tipo de sítios?

Todo o tipo. Bragança, França, Espanha, serra da Estrela. Foi-se a todo o lado e mais algum. Eu comecei a não acreditar.

Eram as videntes que entravam em contacto com vocês?

Também nos contactavam, mas a maioria eram pessoas conhecidas que nos indicavam. E também houve quem tentasse extorquir dinheiro. Diziam que no prazo de um mês traziam o Pedro, mas que precisavam de dinheiro adiantado. Nunca alinhei muito nisso, mas o meu sogro e outros familiares gastaram muito dinheiro. Na maioria das vezes, já faziam as coisas nas minhas costas porque sabiam que eu era contra. O meu sogro chegou a marcar um encontro com um indivíduo, entre a França e a Bélgica, mas o homem não apareceu. Levava-lhe dez mil contos. E não devia ter ido, estava sujeito a levar um tiro na cabeça.

Gastaram muito dinheiro?

Muito, mesmo. Principalmente o meu sogro. A minha mulher e o meu sogro iam a tudo o que lhes diziam sobre o Pedro. Uma vez, apareceu um detective privado que prometia trazer o Pedro dentro de um mês. Pedia mil contos adiantados e outros mil quando o trouxesse. Então eu disse a um cunhado meu para ir com ele ao advogado e para assinarem um documento: eu pagava-lhe dez mil contos, e não mil, de uma só vez, quando trouxesse o Pedro. Mas o detective recusou e não apareceu mais.

Os burlões traziam a historia toda montada?

Sim. Diziam onde estava o Pedro e alguns até punham crianças ao telefone a chorar. Chegámos a receber telefonemas em que se ouviam miúdos, em fundo, a berrar. Como que para dar a impressão de que poderia ser o Pedro. Foram tantos burlões! Um ainda chegou a ser apanhado pela PJ em Freamunde e outro foi detido em flagrante numa cabina telefónica a chantagear a minha mulher. Telefonava a dizer que entregava o Pedro se ela mostrasse o corpo e coisas do género. Fomos-lhe dando corda e conseguimos que a PJ o interceptasse.

O facto de embarcarem tão cegamente nestas histórias mostra não só desespero, mas também alguma desesperança em relação ao trabalho da polícia.

Sim. Tenho uma prima juíza que, uma vez, participou num colóquio em que estavam a ser apresentados casos de sucesso e insucesso. Ninguém sabia que ela era da família e o exemplo que foi dado de um mau trabalho da PJ foi o caso do meu filho.

Não é estranho que tenha sido deduzida uma acusação 13 anos depois, sem nada de novo e contra o principal suspeito desde o início?

Não. Essa péssima equipa da PJ saiu e vieram outras pessoas. A nova equipa começou logo a trabalhar e nós percebemos que íamos chegar a algum lado. Mas o nosso advogado, o dr. Ricardo Sá Fernandes, nunca deu descanso à PJ e tivemos a sorte de pessoas como o dr. Vítor Magalhães e a dra. Cândida Almeida se terem interessado.

Como conseguiram chegar à fala com eles?

A dada altura, como as coisas não avançavam, decidimos que tínhamos de ir a Lisboa procurar ajuda. Uma senhora do Porto passou-nos o contacto do prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Telefonámos, metemo- 
-nos no carro e fomos ter com ele à universidade. Ele ouviu-nos, no final disse que o caso não era para ele e ligou ao dr. Sá Fernandes. Passado um mês já estávamos a reunir com ele e foi a partir daí que as coisas começaram a mexer. E depois chegou a nova equipa da PJ.

Voltaram a falar com o prof. Marcelo?

Por telefone, uma ou duas vezes. Mas a minha mulher ainda se escreveu com ele algumas vezes.

O que aconteceu ao Pedro abalou a vossa relação enquanto casal?

Claro que o que nos aconteceu trouxe problemas e discordâncias. Eu posso pensar de uma maneira e minha mulher de outra, e isso aconteceu algumas vezes. Mas também nos fortaleceu, porque o filho é dos dois e aprendemos a desculpar-nos um ao outro. Chegámos a discutir muitas vezes. Sobretudo no início, quando eu ainda acreditava na Judiciária e a Mena não. Mas se nessa altura tivéssemos ido cada um para seu lado… o que teria sido da Carina?

Equacionaram separar-se?

Acho que não, mas houve discussões acesas porque as cabeças estavam cheias. Nunca ao ponto de ponderar o divórcio. Porque o casamento e o divórcio são coisas muito sérias e quem paga são os filhos.

A dada altura também deve ter percebido que a sua mulher precisava de apoio.

Sim. Costumo dizer que, em caso de separação, eu era o que ficava melhor. Tinha os meus irmãos, os meus pais e os negócios. Só que depois perdia o controlo de onde estava a Carina. Ser-se pai de um rapaz e de uma rapariga é diferente. E, naquela altura, preocupava-me com a minha filha. Mesmo antes de o Pedro desaparecer… quando eles andavam com o Afonso… a minha preocupação era a Carina, e não o Pedro. Uma vez, quando ela tinha seis anos, o Afonso passou aqui à porta com ela às cavalitas e eu zanguei-me com a minha mulher, disse-lhe que não queria que aquilo voltasse a acontecer. Nunca conseguiria divorciar-me tendo a minha filha 11, 12 ou 13 anos.

Tornaram-se protectores em relação à Carina por causa do que aconteceu ao Pedro?

Não, porque tivemos muita sorte. A Carina nunca deu trabalho nenhum. Com o que aconteceu com o Pedro, ficou mais alerta e muito madura. Focou-se nos estudos e foi sempre querida por toda a gente na escola e em Lousada. Estou convencido de que certas brincadeiras de namoricos que raparigas com 13, 14 anos passam, às vezes até com rapazes um bocado mais velhos, não aconteceram com a minha filha, porque ela era mais vigiada.

Isso pode não ter sido saudável.

Nada disso. Ela teve uma infância normal. Na altura de sair à noite, saiu…

Mas não deve ser fácil explicar a uma miúda de oito anos que não se sabe se o irmão, que ela nunca mais viu, vai voltar.

Não é. Logo aos oito anos, ela começou a perceber. Um dia estávamos em casa, a discutir e a falar sobre o que tinha acontecido, e ela estava no quarto. Escreveu-nos um papel, que ainda está afixado na cozinha, a dizer assim: “Calem-se que o Pedro vai aparecer.” Ela foi estudando, foi-se construindo e ganhando defesas. Foi sempre muito inteligente e, no meio desta turbulência toda, conseguiu ser médica.

O Pedro também tinha boas notas?

Também, mas era mais malandro.

A sua mulher chegou a estar internada na Suíça. O que aconteceu?

Foi descoberta uma rede de pedofilia e havia umas imagens que podiam ser do Pedro. Ela foi lá confirmar e viu imagens que não aguentou e foi para o hospital. Eu próprio não sei se aguentaria.

A sua mulher nunca pensou em desistir de viver ?

Não. Ela gosta muito da Carina e continua a lutar pelo Pedro. Nunca faria isso e eu também não. Sou contra. Embora… há dez ou 15 anos não aceitava, de todo, que um ser humano se matasse. Agora, com o tempo, começo a perceber que é possível alguém não ter forças e cometer esse erro.

Quando o Afonso foi preso, vocês disseram que, de certa forma, foi uma vitória. Mas continuam sem saber onde está o Pedro.

Não é uma vitória. Trouxe-nos uma certeza: o Afonso está metido na história. E o que precisamos de saber é onde está o Pedro e se está vivo. A prisão dele poderia ajudar-nos a chegar lá. Talvez ele ganhasse consciência, fosse pressionado a falar. Mas a partir do momento em que pôde escolher a cadeia e tem uma vida facilitada…

Não mudou nada desde a condenação.

Não. Estamos à espera que ele fale. Continuamos à espera.

Já pensou em ir à cadeia conversar com ele?

Não, não. Não.

Porquê?

Porque não. Um dia, talvez, e se proporcionar, se as coisas continuarem como estão… não sei. Não sei se falarei com ele.

Parece-me que já não acredita que o Rui Pedro esteja vivo.

É a ideia que tenho, que ele já não está vivo. Mas ainda temos hipóteses e vamos continuar a trabalhar. Até porque tem de se procurar a verdade. Mesmo que o meu filho já não esteja vivo, falta saber o que aconteceu.

E a sua mulher, também já não acredita?

A Mena tem dias em que continua a acreditar que o Pedro está vivo e tem dias em que cai.