O ferro, a natureza e paisagens distantes


Rui Chafes, Nadia Kaabi-Linke e João Tabarra, uma exposição no Centro de Arte Moderna.


Reportagem de 2 de Dezmebro de 2014

Respeitamos a ordem do politicamente correcto, até para provar que o cavalheirismo não é coisa do antigamente. Primeiro as senhoras. Nadia Kaabi-Linke é uma tunisina que reside em Berlim e é quase uma consequência natural a forma como a violência e o terrorismo, assumidamente não mediático, se tornam os seus expoentes máximos de manifestação.

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Rui Chafes já cá anda há muito tempo, mais precisamente há 25, motivo essencial de "O Peso do Paraíso", onde agrupa obras de todo esse trajecto díspar – e quatro novidades – em que o ferro se assume como tradutor natural deste escultor. Por fim, João Tabarra, também ele com direito a uma exposição antológica de registo, onde os dois andares dos corredores laterais do Centro de Arte Moderna (CAM) se transformam num "filme não editado", como o próprio artista afirma. Fotografias e instalações de humor aparente mas com intrínsecas conclusões por tirar. Um três–em-um profundo e diverso, a partir de hoje no CAM da Fundação Calouste Gulbenkian.

Parte 1

Um primeiro passo na música, sem som, servida apenas num prato de analogia que serve o título da primeira obra que vemos de Nadia Kaabi-Linke. "Smooth Criminal" é feito de uma armadilha para lagostas muito utilizada no golfo Pérsico. As redes que se intersectam são invisíveis para as lagostas ingénuas e esfomeadas que depressa se apercebem do imbróglio. Curiosamente, a sua forma é representativa de uma estrela hexagonal, como a de David, patente na bandeira israelita. Chegados aqui, temos a primeira abordagem que respeita o tema da violência, o conflito israelo-palestiniano como paisagem.

No centro da azáfama jornalística, com gravadores voadores e moleskines a serem rasurados a alta velocidade, encontramos ainda espaço para um "Sniper", outra das obras de "Preso por Fios", da artista tunisina. "Aqui está uma impressão de uma parede no centro de Berlim. Os buracos são marcas de balas e a faixa branca feita de papel e cera representa o desconhecimento da história recente da Tunísia, do meu país. Na Revolução de 2010 havia muitos snipers em cima de prédios a disparar sobre civis, mas os sucessivos governos negaram a sua existência. Todos os tunisinos devem lutar pelo direito de conhecer a sua história", remata a artista.

Parte 2

Passemos a Rui Chafes, o escultor que Isabel Carlos, curadora, quis que tivesse a sua primeira antologia neste lugar. "O CAM é um espaço muito peculiar, onde queremos que os artistas portugueses se sintam à vontade e façam uma revisita a toda a sua obra. Esta exposição nasce do paradoxo entre o grande e o pequeno, o suspenso e o agarrado ao chão, mostrando a diversidade destes 25 anos", clarifica.

Há ainda que acrescentar que Rui Chafes criou algumas obras propositadamente para esta exposição. Uma delas é "Sonho Lento", que começa no interior da nave do CAM e termina no jardim. Da parte de dentro, uma estrutura de ferro como um balão que fosse passível de ser soprado para um conjunto de muitos outros, do outro lado do vidro. "Não existia magia, se existisse esta bolha voava, ultrapassava o vidro e ia ao encontro daquela efervescência de outras bolhas. Como não existe, acontece tudo na imaginação, espero eu", afirma o artista.

Tudo isto com o ferro debaixo do braço, digamos assim, material duradouro como a sua carreira. "O ferro não é eterno, mas felizmente as obras têm-se mantido em bom estado. No meio artístico este material tem uma história curta, mas é bastante longínquo na história da humanidade. É esse arco do tempo que me interessa continuar a trabalhar", garante.

Parte 3

Por sua vez, João Tabarra atira-se para esta "Narrativa Interior" que foi construindo ao longo do tempo. A conotação política, o sentido mais crítico do português que transforma este conjunto de fotografias e vídeos numa obra cinematográfica. "Quando nasci não havia creche, fui criado no Cinema São Jorge e isso marcou-me. Não trabalho peça a peça, antes em projectos, chego a perder dois anos a perceber o tema a abordar, só depois passo para a materialização. É como entrar numa sala de montagem de cinema antiga e ver vários cortes de filmes espalhados pelo chão. Também o espalho pelas paredes", garante.

Um dos destaques desta mostra é "Inner Landscape", desconstrução de um bonsai feita pelo artista, com jogos de luzes e foco-desfoque, como destronando a posição comum em que olhamos a natureza e os seus elementos. "Devemos ver as árvores de cima para baixo. Temos de assumir a nossa pequenez perante o que somos. Foram três meses fechado numa cave com um bonsai. Hão-de experimentar", diz Tabarra. Nunca recusamos desafios.