Pinga. O primeiro génio da Madeira


Madeira tem muitos encantos. E não, desta vez não estamos a falar da estátua de Cristiano Ronaldo. E não, desta vez também não estamos a falar de Cristiano Ronaldo em carne e osso. Sim senhor, o homem tem os seus méritos — a estátua idem idem. E será, ao que tudo indica (resultados, golos, assistências,…


Madeira tem muitos encantos. E não, desta vez não estamos a falar da estátua de Cristiano Ronaldo. E não, desta vez também não estamos a falar de Cristiano Ronaldo em carne e osso. Sim senhor, o homem tem os seus méritos — a estátua idem idem. E será, ao que tudo indica (resultados, golos, assistências, exibições e talento), eleito hoje o melhor jogador do mundo em 2014 na gala da FIFA. Antes de subir ao palco para recolher a terceira Bola de Ouro, temos obrigatoriamente de fazer uma vénia ao primeiro grande madeirense de sempre, de seu nome Artur de Sousa. Quem? Pinga, alcunha herdada do pai.

Nascido a 30 de Setembro de 1909, Pinga comete a proeza de não ser apenas o primeiro madeirense de categoria internacional como ainda o é à escala nacional. Confirmam-no os nove golos em 21 internacionalizações e a braçadeira de capitão em dois jogos. Um artista português, com certeza. Rectificação: um artista madeirense. Afinal, é em representação do Marítimo que se estreia na selecção, numa célebre derrota com a Espanha, no Porto (1-0), a 30 de Novembro de 1930, dia em que a AF Lisboa se recusa a ceder os jogadores sob sua jurisidição (Benfica, Sporting e Belenenses).

Formado pois no Marítimo, o homem franzino e habilidoso chega ao Continente por obra e graça de um treinador húngaro chamado Joseph Szabo. Quando este se muda do Funchal para o Porto, leva consigo o interior esquerdino. A transferência abana as estruturas do futebol português e azeda as relações entre os dois clubes. Tanto assim é que Pinga chega ao clube na véspera de Natal de 1930 e só se estreia 11 meses depois, a 8 de Novembro de 1931. Com um golo ao Boavista (10-2). Ele é assim mesmo, sem demoras.

Durante 15 anos, o FC Porto conquista cinco títulos nacionais (três campeonatos e duas Taças) mais 11 regionais (o campeonato da AF Porto). Nesse período, Pinga marca 314 golos em 331 jogos e deixa a sua marca indelével nas ainda hoje maiores goleadas do clube: seis golos nos 15-1 à Sanjoanense, em Maio de 1943, para a Taça de Portugal e oito nos 19-1 aos Coimbrões, em Janeiro de 1933, para o Regional do Porto. Curiosamente, é o único dos cinco avançados sem marcar nos 12-2 ao Académica do Porto, em Abril de 1939, para o Campeonato da 1.ª divisão. Isso é uma migalha no seu panettone. Os golos são a sua razão de viver. Vai daí, é o melhor marcador na segunda edição do campeonato nacional, em 1935-36, com 21 golos em 14 jogos. A lenda cresce, está bom de ver. É indiscutivelmente o maior ídolo dos adeptos portistas.

Quando passa os 30 anos, Pinga recua no campo. Primeiro médio, depois defesa. Em 1944, submete-se a uma revolucionária operação ao menisco. Está parado um ano e volta aos 36 anos de idade. Faz jogos e marca um golo antes de se retirar em definitivo. A 7 de Julho de 1946, o Estádio do Lima enche para assistir à despedida do maior craque portista, português e madeirense (por esta ordem). Um dos espectadores atentos a essa jornada é um tal José Maria Pedroto, que vê Pinga como ídolo e não se cansa de o repetir até aos seus últimos da sua vida.

Fim da história? Nada disso, Pinga abraça a carreira de treinador e também aí alcança um brilharete, ao comando do Tirsense, da 3.ª divisão, com a vitória sobre o Sporting dos Cinco Violinos (2-1), para a Taça de Portugal. Ainda hoje, essa vitória perdura como uma das mais gloriosas entre um David e um Golias. Em 1954, o FC Porto contrata Cândido de Oliveira como treinador para atacar o título que lhe foge desde 1940. Aceite o convite, só faz uma imposição:  Pinga como adjunto. É então que o génio dos anos 30 não sairia mais da estrutura do FCP. Partiria a 12 de Julho de 1963, aos 53 anos de idade, como treinador das camadas jovens. Está aqui feita a homenagem a Pinga, o primeiro génio madeirense. Hoje entra em acção o outro génio da ilha.