Rodrigues dos Santos reage no i à polémica que o envolve. “Muitos políticos não gostam que se fale de corrupção na televisão”


No centro da polémica estão várias intervenções do jornalista da RTP José Rodrigues dos Santos ao longo da campanha e no dia das eleições que levaram o partido da esquerda radical Syriza ao poder. Em especial, uma reportagem em que relaciona a generalidade dos gregos com a corrupção e que fez correr muita tinta nas…


No centro da polémica estão várias intervenções do jornalista da RTP José Rodrigues dos Santos ao longo da campanha e no dia das eleições que levaram o partido da esquerda radical Syriza ao poder. Em especial, uma reportagem em que relaciona a generalidade dos gregos com a corrupção e que fez correr muita tinta nas redes sociais e originar muitas críticas.

Foi alvo de críticas por parte de vários políticos e académicos pelas reportagens que fez na Grécia.  José Manuel Pureza afirmou que “houve uma cobertura que passou por momentos de grande infelicidade” e não estava a ser cumprida a “missão de serviço público”.

Estive este tempo todo na Grécia e não vi críticas nenhumas. Apenas um jornal me mandou por escrito as palavras do José Manuel Pureza e são apenas essas que eu estou em condições de comentar. Fui aí acusado de ter dito que todos os gregos eram paralíticos. Acontece que, vendo a reportagem, se constata que disse “muitos”. Por artes mágicas, “muitos” passou a ser “todos”. Isto é, se numa reportagem se disser que há na Grécia “muitos” sem–abrigo, julgo que ninguém presumirá que se está a dizer que todos os gregos são sem-abrigo. Mas se se disser que há “muitos” gregos que subornaram médicos para obterem atestados fraudulentos que dão acesso a subsídios indevidos, isso já permite generalizar para que se atribua a afirmação de que que todos os gregos são corruptos. Não, não são todos corruptos. Mas a corrupção, grande e pequena, é endémica. A crise grega, tal como a portuguesa e a de qualquer outro país, tem causas externas e internas. Acontece que no caso grego temos apenas falado ao longo do tempo nas causas externas, em particular o colapso do Lehman Brothers e as falhas na arquitectura do euro, e raramente abordamos as causas internas porque não temos correspondente na Grécia.

E isso justifica as suas intervenções durante a reportagem na Grécia?

Isso significa que ficou criado um desequilíbrio informativo. As reportagens na Grécia constituíram uma oportunidade para restabelecer o equilíbrio. Falando com a secção grega da Transparência Internacional (TI), uma ONG contra a corrupção, a RTP obteve muita informação sobre essas causas internas. Kostas Bakouris, presidente da secção grega da TI, enumerou três problemas fundamentais: a grande corrupção, a pequena corrupção e a fuga aos impostos. Para explicar tudo isto em linguagem de televisão, as técnicas do jornalismo televisivo requerem que se apresentem exemplos. Assim, a peça começa com um exemplo de grande corrupção, um exemplo de pequena corrupção e um exemplo de fuga aos impostos. Claro que os políticos só gostam de falar no que lhes convém, e quando se chega às causas da crise todos eles são selectivos nas explicações.

Está a querer dizer que os seus comentários criaram polémica por abordarem temas incómodos aos políticos?

A corrupção é um tema que muitos políticos não gostam de ver abordado na televisão. Quando é abordado, uns preferem que só se fale na grande corrupção, outros que só se fale na fuga aos impostos e outros que só se fale na pequena corrupção. Mas não cabe aos jornalistas deixar de falar da grande ou da pequena corrupção porque este ou aquele político não gosta. Portanto, qual é a polémica exactamente? Os jornalistas estão proibidos de abordar todas as causas da crise? Só podem falar de algumas? E a acusação de que, ao dizer estas verdades, se “ofende os gregos” é absolutamente risível. Os jornalistas só têm de se preocupar com dizer a verdade, independentemente de a verdade ofender alguém. Se os jornalistas forem forçados a calar as notícias sobre a pequena corrupção, amanhã serão forçados a calar as notícias sobre a grande corrupção. Isso nenhum jornalista pode tolerar, seja qual for a pressão dos políticos para que se cale.

Qual a posição da RTP relativamente a esta polémica?

Não me cabe a mim expressar o pensamento da direcção ou de qualquer outra pessoa.

“O Rodrigues dos Santos a destilar preconceito na Grécia não é serviço público”, afirmou o jornalista Filipe Santos Costa. Como encara as críticas dos colegas de profissão?

Presumo que ele estenda essa crítica ao presidente da secção grega da Transparência Internacional, Kostas Bakouris, ao líder do Syriza, Alexis Tsipras, e aos gregos em geral. É que nenhum deles hesita em apontar a pequena corrupção do “envelopezinho” como um dos mais graves problemas do país. Deve ser porque destilam preconceito…

Já não é a primeira vez que é notícia. Recentemente esteve envolvido noutra polémica durante o comentário político que José Sócrates assinava na RTP, em que reagiu a uma opinião de José Sócrates apelidando-a de “insulto”.

Penso haver um equívoco. José Sócrates não era comentador, era um político. Entrevistei-o enquanto tal, como é meu dever profissional.

Há uma diferença entre jornalismo e opinião. Não é a primeira vez que o acusam de recorrer à opinião. Qual é o limite?

O que está aqui em questão não é a opinião, que está presente em tudo, mesmo que inconscientemente, mas a explicação. Dizer que a pequena corrupção é endémica na Grécia não é uma opinião minha, é algo assumido pelos gregos e pelo sistema político grego, incluindo o Syriza e a Nova Democracia. O problema não é, pois, a RTP ter-se atrevido a falar na corrupção na Grécia, grande e pequena. O verdadeiro problema é a existência dessa corrupção. E disso, pelos vistos, já não convém falar. Por este caminho, qualquer dia os jornalistas são pressionados para não falar de corrupção em Portugal. Para não “ofender” ninguém.