Num mundo onde a resistência bacteriana continua a ser um dos maiores desafios para a saúde global, o desenvolvimento de estratégias inovadoras será decisivo na luta contra infeções hospitalares e na proteção da vida humana.
A resistência bacteriana aos antibióticos é uma das maiores ameaças à saúde pública na Europa e no mundo. Este fenómeno ocorre quando determinados antibióticos perdem a capacidade de eliminar ou inibir o crescimento das bactérias, tornando as infeções mais difíceis de tratar. De acordo com o Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC), mais de 35 mil mortes anuais na União Europeia estão associadas a infeções causadas por bactérias resistentes a antibióticos.
O problema agrava-se quando bactérias, habitualmente suscetíveis a antibióticos, desenvolvem resistência devido ao uso inadequado destes medicamentos, a mutações genéticas ou à transferência de genes de resistência entre microrganismos. Este processo dá origem às chamadas “superbactérias”, particularmente preocupantes em ambientes hospitalares, onde podem causar infeções graves e, em alguns casos, fatais, sobretudo em pacientes imunocomprometidos (com resposta imunitária menos eficiente).
Exemplos Preocupantes e a Resposta Europeia
Entre as superbactérias mais preocupantes encontram-se Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella pneumoniae e Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA). Estas bactérias estão frequentemente associadas a infeções do trato respiratório e da corrente sanguínea, podendo, nos casos mais graves, levar à falência de órgãos e à morte.
Dada a gravidade da situação, diversas medidas têm sido implementadas para mitigar o problema. O ECDC estabeleceu metas a atingir até 2030, incluindo uma redução de 9% no uso total de antibióticos em Portugal. Além disso, recomenda-se um aumento de 65% na utilização de antibióticos classificados como “Access” pela Organização Mundial de Saúde (OMS), considerados de baixo risco para o desenvolvimento de resistência.
Metalóforos: Porquê?
Quando a prevenção falha, o diagnóstico precoce das infeções torna-se essencial para uma intervenção rápida. No entanto, os métodos tradicionais, como culturas microbianas, análises de fluidos corporais ou biópsias, são frequentemente morosos e invasivos. A utilização de técnicas de imagem no diagnóstico de infeções representa uma abordagem promissora, mas os métodos atualmente disponíveis carecem de seletividade e especificidade nas sondas de imagem utilizadas, dificultando a identificação precisa tanto do agente patogénico como da localização do foco da infeção.
Um dos principais desafios para a utilização eficiente e rotineira de imagens no diagnóstico de infeções é a disponibilidade extremamente limitada — ou mesmo inexistente — de sondas seletivas. Estudos recentes sugerem que esta limitação pode ser superada através da exploração de um tipo de moléculas conhecidas como metalóforos.
Tal como a maioria dos organismos vivos, as bactérias necessitam de metais, como ferro e cobre, para sobreviver. Os iões metálicos são essenciais à vida, desempenhando um papel crucial na maioria dos processos metabólicos e sendo componentes fundamentais de diversos cofatores. Para obter estes metais, as bactérias desenvolveram mecanismos altamente específicos, um dos quais envolve a produção e excreção dos tais metalóforos. Após serem libertadas no meio extracelular, estas moléculas ligam-se ao metal de interesse (coordenam esse metal) e são posteriormente reabsorvidas pela bactéria, transportando o metal para o interior da célula.
Pela sua elevada seletividade e forte capacidade de ligação a iões metálicos, os metalóforos são candidatos ideais para aplicação não só em técnicas de imagem, mas também noutras áreas da química medicinal, onde a complexação seletiva e estável de metais pode ser explorada. A combinação de um metalóforo com um metal radioativo, como o isótopo de cobre-64 (64Cu), permitiria o desenvolvimento de uma sonda radioativa para utilização em técnicas avançadas de diagnóstico por imagem, nomeadamente tomografia por emissão de positrões (PET). Graças à capacidade do 64Cu de emitir radiação de positrões e beta, esta abordagem poderá ser utilizada tanto para diagnóstico como para radioterapia molecular. Como o sistema metalóforo/Cu é naturalmente reconhecido e absorvido pelas bactérias, torna-se possível visualizar com precisão os focos infecciosos.
“SuperOpTyMe”: Uma Nova Abordagem para Combater Infeções Hospitalares
Esta tecnologia está a ser desenvolvida no âmbito do projeto “SuperOpTyMe”, liderado por mim e desenvolvido no Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares do Instituto Superior Técnico, em Loures. O projeto tem como objetivo detetar, de forma rápida e não invasiva, infeções provocadas por bactérias multirresistentes, como Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa. Recorre à tomografia por emissão de positrões para identificar focos infecciosos com elevada precisão, permitindo intervenções clínicas mais eficazes.
Ao explorar o potencial da radioatividade para um diagnóstico mais rápido e preciso, projetos como o SuperOpTyMe abrem novas perspetivas no rastreio de infeções hospitalares, permitindo identificar, com elevada sensibilidade, focos de bactérias multirresistentes e orientando intervenções médicas mais eficazes.
Alumni e Investigadora do Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares do Instituto Superior Técnico