Declaração Balfour. As raízes de um Estado judaico

Declaração Balfour. As raízes de um Estado judaico


Arthur Balfour, em 1917, foi o responsável por plantar as sementes de um Estado judeu na região da Palestina, à data sob o controlo do império Otomano. A declaração marca um ponto de viragem na história moderna do Médio Oriente.


A criação do Estado de Israel é associada, na maioria dos casos, ao fim da Segunda Guerra Mundial, e é vista como uma recompensa ao povo judeu após os horrores sofridos às mãos da Alemanha nazi. E se é certo que assim foi, também é verdade que devemos rebobinar ainda mais a fita da história até 1917, um ano que definiu e influenciou vários eventos posteriores na região. Há pouco mais de 107 anos, a 2 de novembro de 1917, ainda com a Primeira Guerra Mundial em curso, Arthur Balfour, então ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, redigiu uma declaração histórica que carrega o seu nome e que criou os alicerces do Estado israelita.

Durante a primeira grande guerra, o império Otomano, que se mantinha há cerca de 600 anos, lutou junto às potências centrais (Alemanha e império austro-húngaro). Com a vitória dos Aliados, ambos os impérios ruíram e os vencedores ficaram responsáveis pelas divisões territoriais. O conflito chegou ao fim em 1918, mas no ano anterior, quando a vitória parecia já não escapar aos Aliados, Arthur Balfour lança uma declaração apoiada por todos os beligerantes do seu lado, dirigindo-se a Lionel Walter Rothschild, o líder da comunidade anglo-judaica.

A declaração

“Caro Sr. Rothschild”, começa Balfour, “É com muito prazer que lhe transmito, em nome do Governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia pelas aspirações sionistas judaicas, que foi submetida e aprovada pelo Gabinete (Conselho de Ministros)”. “O Governo de Sua Majestade vê com bons olhos o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu e envidará os seus melhores esforços para facilitar a realização deste objetivo, ficando claramente entendido que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas existentes na Palestina, ou os direitos e estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país. Ficar-lhe-ia grato se levasse esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista”.

Uma declaração impactante, cujo objetivo seria a mobilização da opinião pública judaica a favor das tropas aliadas e também a criação de um Estado amigável numa região de importância substancial para o império britânico, dada a posição estratégica do Canal do Suez, que fazia a ligação com o resto do império, principalmente com a Índia. Mas outros acordos tinham sido realizados antes, como por exemplo o Sykes-Picot, que carrega os apelidos dos diplomatas responsáveis, realizado em segredo no ano de 1916, que dividia o Médio Oriente, da Arménia ao Catar, entre ingleses e franceses. A região da Palestina, por ser um assunto mais delicado, ficaria dependente de consulta com outras potências, principalmente com a Rússia.

Com o fim de uma das piores guerras da história da humanidade, o idealismo de Woodrow Wilson foi um dos principais catalisadores da que viria a ser, em 1922, a Liga das Nações. É certo que teve um curto período de vida, mas serviu de base à Organização das Nações Unidas no pós-Segunda Guerra Mundial. E é através do consenso no seio da Liga das Nações que é estabelecido um mandato britânico para a Palestina, do qual consta a declaração Balfour. “As principais potências aliadas acordaram igualmente”, pode ler-se no documento do mandato, disponível na biblioteca digital da ONU, “que o Mandatário deve ser responsável pela aplicação da declaração originalmente feita em 2 de novembro de 1917, pelo Governo de Sua Majestade Britânica, e adotada pelas referidas potências”. O mandato reconheceu ainda “a ligação histórica do povo judeu com a Palestina” e apresentou os “motivos para reconstituir o seu lar nacional nesse país”. Foi ainda prevista a “fixação dos judeus na terra, incluindo as terras do Estado e as terras não cultivadas não necessárias para fins públicos”.

Como se pode ver no mapa, toda a área que hoje representa o Estado de Israel e os territórios palestinianos foi entregue aos britânicos, bem como o território da atual Jordânia, o qual foi concedido à dinastia Hachemita.

O legado

Ainda que não tenha sido instaurado de imediato um Estado judaico, o número de judeus na região aumentou vertiginosamente e os povos árabes não conseguiram alcançar a soberania territorial e o estatuto de nação que certamente desejavam após a luta contra o império, e começaram as primeiras tensões e episódios de violência entre árabes e judeus.

O escalar do atrito entre os povos após a criação do Estado de Israel – algo que foi uma constante durante toda a segunda metade do século XX e continua até aos dias de hoje – tem alimentado a narrativa de que a grande culpa recai sobre o império britânico. Por isto, ainda na atualidade, há debates e controvérsia sobre a Declaração Balfour.

Por exemplo, em 2017, no centésimo aniversário da declaração, Boris Johnson, então ministro dos Negócios Estrangeiros, considerou que Balfour foi “indispensável para a criação de uma grande nação”, enquanto que Emily Thornberry, do Partido Trabalhista, atirou que não crê na celebração “da Declaração Balfour. Mas penso que temos de a assinalar porque foi um ponto de viragem na história da região e a forma mais importante de a assinalar é reconhecer o Estado da Palestina”. Ao escrever sobre o tema na revista britânica Spectator, também em 2017, o colunista Stephen Daisley, disse que “há algo de errado em tudo isto. Cem anos depois, a Grã-Bretanha ainda pensa em Israel como uma desilusão filial, o filho pródigo que nunca regressou a casa”. “Quer nos regozijemos com a Declaração Balfour, quer a condenemos”, continuava, “estamos igualmente fixados no nosso papel de criadores de Estados, esculpindo o mapa para o bem ou para o mal. Perdemos o império, mas ficámos com a culpa e, por isso, os pecados de Israel e a expropriação dos palestinianos recaem sobre nós”.

O mais recente conflito entre Israel e o Hamas voltou a despertar este sentimento de culpa em algumas franjas da sociedade e, em Inglaterra, um grupo de jovens vandalizou o retrato de Arthur Balfour que está presente numa das paredes da icónica Universidade de Cambridge.

Assim, é possível ver a importância da Declaração e como foi determinante para o futuro da região, ecoando até à atualidade.