Nota prévia: Sábado passam cem anos sobre o nascimento de Mário Soares. Numa altura em que Portugal se radicaliza e que o mundo está cada vez mais perigoso, é essencial recordar o falecido Presidente, primeiro-ministro e líder do PS como combatente corajoso, perseguido do salazarismo, fundador da nossa Democracia, líder civil da mobilização contra a tentativa de implantar um estado comunista e grande artífice da nossa entrada na União Europeia. Saibam agradecer-lhe os democratas e até os totalitários de hoje, que se exprimem livremente. Sem Soares, Portugal voltaria a ser amordaçado. Foi heroico, visionário, otimista e fixe! Mais do que ouvir discursos, vale a pena ler a entrevista que no domingo, no Público, Ana Sá Lopes fez a António Campos, provavelmente o político e o amigo mais próximo que Soares teve na vida.
1. A pouco mais de um ano das presidenciais sucedem-se movimentações. Ao contrário das galinhas que põem mesmo ovos, os putativos candidatos mais óbvios limitam-se a ponderar dia e noite. Não sobre um projeto, mas sobre os riscos de perder. O certo é que para se poder ponderar uma candidatura com sentido de Estado é preciso ter uma obra pública ou política efetiva, mesmo que implique ter adversários ferozes. Até ao momento, só dois dos “ponderantes” podem apresentar currículo nacional político: Marques Mendes e António José Seguro, oriundos do PSD e do PS. À esquerda, os candidatos óbvios do PS, Guterres e Costa, desertaram e gozam as delícias e os dramas da política planetária. À direita, Passos não quer como garantem os seus próximos, designadamente o bem informado Miguel Morgado. Durão Barroso, o mais experiente na política, gostava, mas sabe que parte do país o detesta. Santana Lopes tem ganas de saltar para o combate, mas não pode voltar a afrontar o PSD, o que é diferente de ponderar no vácuo. É dos poucos que teria coragem de avançar à Soares, ou seja, com poucas hipóteses. Nos protocandidatos fortes há dois que dão que pensar. Um é Mário Centeno, uma criatura estranha, que foi ministro das Finanças, executante de uma austeridade tão pesada como soft e que saltou à campeão para governador do Banco de Portugal, posto que usa despudoradamente como trampolim. Com parco currículo político, sem pensamento estratégico conhecido, Centeno é forte em tabuada e oportunismo político. É socialista sem cartão, de esquerda moderada, não entra mal na direita burguesa, uma vez que terá jogado rugby, mesmo sem ser grande espingarda. Seja como for, tem potencial ganhador. Ainda mais ao jeito de homem enigma, temos, supostamente à direita, com um índice gigantesco de penetração em todo o eleitorado partidário e na população descamisada, Gouveia e Melo, cujo nome próprio passou a ser Almirante. Apesar de liderar as sondagens, sabe-se dele ainda menos do que de Centeno em termos políticos e de vida pessoal. Atribui-se-lhe, razoavelmente, o mérito do sucesso da campanha da vacinação anticovid, tal a bandalheira em que a coisa estava quando eram os políticos civis do PS que tomavam conta da operação. Também abusa do seu posto para propaganda pessoal. No fim de semana, fez-se fotografar a supervisionar uma operação de perseguição a uma lancha voadora que, afinal, não transportava droga, mas bidons de gasolina. Tendo em conta o preço dela já é qualquer coisa. Anda um almirante em chefe nisto! Francamente! Centeno e Melo poderão ser os grandes protagonistas da corrida presidencial. Para ganharem ainda mais espaço, veremos se também se sujeitam a cozinhar no programa da Cristina ou apresentar ao povo embevecido as promitentes candidatas a primeira-dama, figura essencial da qual Marcelo nos dispensou dez anos. Centeno e, sobretudo, Melo têm grandes hipóteses de chegar a uma segunda volta, enquanto homens providenciais com laivos populistas. Seria uma final entre imprevisíveis e, como tal, um filme de terror que remete para os do monstro de Frankenstein, com tudo o que dramático e patético continham, até porque o monstro matou o criador. Tirando Eanes no primeiro mandato, os nossos presidentes tinham uma vida escrutinada e provas políticas dadas ao chegar a Belém. Mesmo que a função presidencial esteja agora circunstancialmente esvaziada por um pendor governativo e parlamentar, é fundamental saber a quem se entrega a Presidência, tanto do ponto de vista das ideias como do caráter. Até porque que, na prática, falamos de dois mandatos, que o mesmo é dizer 2036. Há que pensar. Muito, mesmo.
2. Como previsto, temos um orçamento aprovado, o que prolonga a estabilidade. Independentemente do voto final, o documento agrada a todos, do Chega ao Bloco, visto que cada um meteu lá uma pitada. Os discursos foram conversas da treta. Marcelo sabia-o bem e por isso pouco falou do caso, preparando uma promulgação rápida. Claro que o governo não queria ficar condicionado por um aumento imperativo de pensões. Preferia guardar uns trocos para dar avulso e de uma vez antes das autárquicas. Paciência, é a vida! A coisa compõe-se de certeza, visto que muito do que está inscrito é tinta no papel e dele não vai sair. No limite, lá mais para diante tenta-se uma retificação do OE.
3. A comunicação de Luís Montenegro sobre Segurança foi um espetacular e inexplicável ato falhado na forma, mas fazia sentido. Chamar os audiovisuais à hora dos telejornais e quando o Benfica estava a jogar na Champions não lembra ao careca. Nem sequer houve a solenidade da comunicação institucional, dado que o primeiro-ministro estava rodeado de duas ministras e responsáveis fardados. Quem desembarcasse em Portugal àquela hora poderia pensar estar na Venezuela. Montenegro enganou-se ou foi enganado por quem o aconselha. Mesmo assim, reconheça-se, a razão substancial estava do seu lado. Portugal pode ser, e é, um país seguro estatisticamente, mas está instalada uma perceção contrária, como referiu há muitos meses Passos Coelho na campanha eleitoral de apoio a Montenegro. Quem vive nas periferias de Lisboa e Porto sabe-o bem e deve ter apreciado a intervenção de Montenegro, se é que a ouviu. Muitos crimes não são comunicados. As redes criminosas de imigração multiplicam-se. Depois das lojas de recordações, dos TVDE… estão a entrar pelas barbearias, nas barbas das autoridades (passe a ironia barata). Há famílias e bandos altamente violentos que o jornalismo e as polícias não citam por autocensura. Já nem é segredo que há cartéis de droga que precisam de calma para funcionar e por isso põem ordem nos jovens marginais suburbanos. Montenegro sabe tudo isso melhor do que ninguém. Mais do que fazer comunicações deve dar indicações às polícias para revelarem as identidades concretas e nacionalidades dos criminosos e das redes, a fim de não dar espaço ao aproveitamento mediático da direita radical. Na política a comunicação é essencial. Melhor ainda é fazer, falar pouco e deixar as revelações a quem está no terreno. Montenegro tinha seguido essa regra. Desta vez quebrou-a e espalhou-se. Acontece, mas convém não repetir.
4. A rábula “faixista” do Chega para protestar contra a reposição de salários foi útil. É hoje reconhecido que os políticos e alguns gestores do Estado ganham mal, o que pode gerar tentações. No caso do Chega dá-se o contrário. Confirmou que, salvo quatro honrosas exceções, os seus deputados são tão maus e tão básicos que deviam pagar para lá estar. Também é de apostar, dobrado contra singelo, que o partido de Ventura não conseguirá provar sistematicamente a recusa do aumento ou a doação coletiva do diferencial para instituições humanitárias. Vai competir aos jornalistas e aos outros partidos pedir a prova mensal do cumprimento a todos os cheganos que se sentam no Parlamento. O mesmo se diga dos deputados do Livre que alinharam com o Chega contra a reposição. Não usaram tarjas, optando por anunciar a criação de uma bolsa de estudos com a diferença. Vem dar ao mesmo.
5. O ministro da Educação, Fernando Alexandre, veio fazer o “mea culpa” por ter deixado divulgar dados estrondosamente errados sobre alunos que ainda não tinham tido aulas a pelo menos uma disciplina desde o início do ano letivo. Afinal não são cerca de 2.200, mas algo como 21 mil, o que não difere do desastre do PS. O ministro diz que se soubesse o que sabe hoje não os teria divulgado e vai auditar o serviço que divulgou a falsidade. Yes minister, bem visto! Mas será possível um ministro não ter uma ideia mínima sobre a realidade ou não ter um Sir Humphrey à mão? Será que Miranda Sarmento validava dados para publicação se lhe viessem dizer que a inflação tinha descido dez vezes? A perceção da realidade deve ser inerente a quem governa pastas que não são de política geral. Caso contrário podem ser erros de casting.