A propósito dos 100 anos do seu nascimento, homenageamos nesta edição Mário Soares com um álbum de extraordinárias fotografias de Alfredo Cunha, Rui Ochoa e outros. Se o resultado é notável, isso deve-se muito não só à qualidade dos fotógrafos, mas também à riqueza da vida do protagonista.
Ateu filho de um antigo padre, Soares foi um político nato que se guiava pelo instinto, o oposto dos políticos de ‘aviário’ que hoje abundam. Tinha o dom da palavra, a que aliava um enorme gosto pela vida e pela liberdade. E esse foi um dos seus trunfos decisivos na subida ao poder.
Após 48 anos de ditadura, os portugueses não queriam certamente voltar a ser governados por um político sisudo e controlador, como era Álvaro Cunhal. Soares, pelo contrário, mostrava-se aberto e tolerante, como um pai afetuoso e compreensivo. Traços de personalidade que se refletiam também no rosto de cada um.
Simpático, informal e bonacheirão, Soares agradava a quase todos e entre todos se sentia à vontade – fosse no meio das peixeiras da Nazaré, fosse com os seus amigos dos círculos intelectuais ou com os grandes líderes estrangeiros.
Epicurista seria outro adjetivo adequado para o caracterizar. Mas, apesar de apreciar os pequenos e grandes prazeres da vida, não poderia de modo algum considerar-se um ‘comodista’. Quando foi necessário – como no primeiro 1.º de Maio após a Revolução, perante uma plateia hostil, ou no famoso debate com Cunhal, nas vésperas do 25 de Novembro – revelou uma singular coragem física e capacidade de ir à luta.
Numa altura em que o país ameaçava voltar a fechar-se, Soares permitiu-lhe respirar novamente. E consumou essa abertura com a adesão à CEE, que iniciou um novo capítulo do lugar de Portugal no mundo. Com a sua maneira de estar e de fazer política, deixou a sua marca no século XX_português: uma marca de tolerância, de pragmatismo, de boa disposição e de liberdade.