O jornalismo enfrenta uma era de rápidas mudanças tecnológicas e comportamentais, que desafiam tanto a produção quanto o consumo de notícias. O Relatório Estado dos Media 2024, elaborado pela Cision com base num estudo que envolveu mais de 3.000 jornalistas de 19 países, destaca as principais tendências e dificuldades do setor, desde a adaptação às mudanças no comportamento do público até à adoção de ferramentas de inteligência artificial (IA).
Há 15 anos, quando o relatório foi lançado, apenas 56% dos jornalistas consideravam as redes sociais minimamente relevantes para o trabalho. Hoje, 97% utilizam essas plataformas em diversas atividades, desde a procura de fontes até à promoção de conteúdo. A transição ilustra o impacto das mudanças tecnológicas no jornalismo, mas também revela novos desafios.
Enquanto em 2009 os jornalistas procuravam principalmente acesso a fontes e informações direcionadas por profissionais de relações públicas (RP), hoje o foco recai sobre a relevância do conteúdo. Entender o público e oferecer materiais significativos tornou-se essencial para estabelecer parcerias eficazes.
O relatório identifica um cenário complexo, no qual a credibilidade continua a ser o maior desafio. Combater a desinformação e acusações de ‘fake news’ ocupa o primeiro lugar na lista de preocupações dos jornalistas. A isto somam-se a mudança no comportamento do público – a transição de plataformas tradicionais para novas formas de consumo, como redes sociais e canais digitais, está a forçar a reinvenção do setor; a concorrência com influenciadores digitais – os influenciadores e criadores de conteúdo estão a consolidar-se como fontes de informação para o público, atraindo atenção que antes era reservada aos órgãos de informação tradicionais.
Para além destas preocupações, estão outras, igualmente, em cima da mesa. Por exemplo, a redução de pessoal e receitas – os cortes financeiros e estruturais continuam a pressionar a indústria, resultando em equipas menores e maior carga de trabalho; a ascensão da inteligência artificial – com 26% dos jornalistas a classificarem a IA como um dos principais desafios, as opiniões sobre o seu impacto são divididas. Enquanto uns a utilizam para pesquisa e produção de ideias, outros temem a redução da precisão e a ameaça ao emprego.
Por outro lado, o estudo revela que, apesar da crescente complexidade do setor, os jornalistas continuam a depender de colaborações com profissionais de RP. Contudo, as expectativas mudaram. Atualmente, 73% dos jornalistas preferem receber comunicados de imprensa, mas exigem que estes sejam mais relevantes e personalizados.
Além disso, relatórios de pesquisa, entrevistas com especialistas e multimédia são apontados como materiais valiosos. Neste campo, importa referir que os dados estão a tornar-se cada vez mais essenciais para os jornalistas: 79% utilizam-nos para medir sucesso, como número de leitores, visualizações ou interações sociais e quase 40% afirmaram que os dados desempenham um papel ainda mais importante na definição de estratégias editoriais em 2024. No entanto, muitos expressaram preocupação com a pressão por ‘histórias virais’, lamentando que se dê prioridade a cliques e partilhas em detrimento da profundidade jornalística.
Já as práticas inadequadas, como envio de spam com propostas irrelevantes ou múltiplos follow-ups, são severamente criticadas. 77% dos jornalistas afirmaram que bloqueariam profissionais de RP que persistissem com abordagens invasivas.
Curiosamente, o relatório aponta diferenças significativas entre jornalistas independentes e aqueles que estão vinculados a grandes organizações. A Cision explica que os freelancers valorizam mais o conteúdo promovido ou partilhado por terceiros e demonstram maior interesse em eventos e produtos para teste. Já os jornalistas contratados dão prioridade a investigações originais e exclusivos para histórias, além de darem maior peso à ligação entre conteúdo e receitas diretas. Essa distinção pode influenciar as estratégias de abordagem de profissionais de RP.
O relatório também destaca que um contacto bem-sucedido deve ser conciso, direto e relevante, adaptado às necessidades do público e enviado por e-mail, o meio preferido de 87% dos profissionais consultados. Aqui também é importante mencionar que os jornalistas inquiridos detalharam o que esperam das equipas de relações-públicas: apenas 7% das propostas recebidas são consideradas úteis, o que ressalta a necessidade de personalizar o conteúdo; responder rapidamente, fornecer dados confiáveis e evitar erros de informação são fundamentais e as mensagens curtas e diretas têm maior probabilidade de captar a atenção.
As prioridades e desafios variam significativamente entre as regiões analisadas. Os jornalistas asiáticos demonstram maior abertura a elementos multimédia, como vídeos e gráficos interativos. Além disso, atribuem maior importância à investigação original e exclusivos para histórias. Na Europa e na América do Norte, os comunicados de imprensa continuam a ser os materiais mais requisitados. No entanto, as mudanças no comportamento do público e a concorrência com influenciadores são preocupações crescentes.
Globalmente, o Instagram destaca-se como a plataforma prioritária para jornalistas em 2024, seguido pelo YouTube e TikTok. Na China e noutros países asiáticos, plataformas locais como WeChat e Douyin desempenham um papel crucial.
A inteligência artificial surge como uma ferramenta controversa. Enquanto 53% dos jornalistas ainda não utilizam ferramentas generativas como o ChatGPT, outros estão a aventurar-se no seu uso em tarefas como brainstorming, criação de rascunhos e pesquisa de tendências. Embora a maioria reconheça o potencial da IA para agilizar processos, há um alerta sobre os seus riscos, incluindo a redução da precisão e a ameaça à qualidade das histórias. Para os profissionais de RP, entender essa transição é crucial, fornecendo conteúdos e recursos que complementem as novas práticas jornalísticas.
Além dos já mencionados, o relatório destacou outros desafios críticos. Por exemplo, as linhas ténues entre conteúdo editorial e publicidade: 23% dos jornalistas citaram preocupações com a mistura de jornalismo e marketing. Depois, temos os ataques à liberdade de imprensa: 15% mencionaram essa questão, principalmente em países onde a censura e repressão têm aumentado. E, por fim, a pressão por sustentabilidade financeira: a procura por equilíbrio entre jornalismo de qualidade e as receitas é um problema recorrente.
O Relatório Estado dos Media 2024 reforça que a colaboração entre jornalistas e profissionais de RP é mais importante do que nunca. Segundo a Cision, para conquistar espaço, as equipas de comunicação devem: compreender as necessidades dos jornalistas e oferecer conteúdo relevante, adaptado ao público e investir em multimédia que enriqueça a narrativa e se adeque às plataformas digitais e respeitar os limites dos contactos, evitando práticas invasivas que podem comprometer futuras parcerias.