Os ventos de mudança sopram forte na Europa. O pós-Guerra Fria, momento em que Ordem Liberal Internacional se estabeleceu na sua plenitude e no qual a revolução tecnológica operou como força motriz da globalização, é um marco redefinidor da política internacional contemporânea. As democracias liberais venceram e chegou a acreditar-se que era o fim da história, argumento sustentado pelo cientista político Francis Fukuyama.
Acreditou-se que o aprofundamento do multilateralismo iria integrar todos os regimes do mundo e que atingiríamos, por fim, uma paz perpétua, em que o mundo não reviveria os efeitos devastadores das guerras. Este fenómeno tornaria o mundo numa “aldeia global”, onde poderia haver um convívio harmonioso entre todos e a ideia de construção de pontes ao invés de muros, seguindo a máxima de Isaac Newton, ganhou uma nova dimensão.
Para Jaime Nogueira Pinto, professor universitário e um dos pensadores da direita em Portugal, “o internacionalismo procurou convencer o mundo que as fronteiras já não interessavam, as nações já não interessavam e a independência dos povos já não interessava. Queria tudo obedecer a uma economia integrada, havia a ideia de que o mundo se poderia tornar numa espécie de grande mercado”. “Essa ilusão a nível europeu, representada pelo europeísmo e pelo federalismo, fez também com que os vários povos da Europa começassem a protestar”, acrescentou.
Uma morte manifestamente exagerada
Mas não foi mesmo o fim da história. Nos últimos anos a conjuntura internacional tem sofrido mutações profundas e tem-se assistido ao reaparecimento de movimentos nacionalistas, anti globalistas e até populistas, onde a construção de muros, como reação aos efeitos indesejados da globalização, volta a ganhar tração. A Europa é um exemplo evidente disso mesmo. A incapacidade do centro em dar resposta às preocupações da população e o excesso de impostos e burocracia vindos de Bruxelas são os principais motivos para a ascensão do populismo e da demagogia de ambos os quadrantes do espetro político. Ainda assim, é a direita que tem ganho mais espaço.
Ao dia de hoje, os partidos políticos da direita conservadora – ainda que diferentes entre si – representam uma luta comum, e os ventos que têm soprado empurraram esta fação para uma posição privilegiada de influência. As dinâmicas transatlânticas também não são, de todo, alheias ao que acontece na Europa. A reeleição de Donald Trump e a chegada ao poder de figuras como Javier Milei, na Argentina, e Nayib Bukele, em El Salvador, são fatores importantes na consolidação do movimento conservador que começa a ser cada vez menos regional. Jaime Nogueira Pinto argumenta que a eleição de Trump “vai ter uma repercussão enorme” na política europeia e acredita que existe “um certo ressentimento na análise partidária que está a ser feita em Portugal” em relação às escolhas de Trump para a sua administração.
Na Europa, a direita conservadora, ou extrema-direita, segundo os opositores, está no Governo em Itália, na Hungria, na Croácia, na Eslováquia, na República Checa e na Finlândia, sendo que na Suécia oferece apoio externo.
No eixo franco-alemão, o motor da União Europeia, a situação também sorri aos partidos mais à direita. Em França, o Rassemblement National venceu as eleições europeias deste ano e a primeira volta das legislativas, forçando a esquerda a forjar uma aliança contranatura para o derrotar na segunda volta e Marine Le Pen lidera as sondagens para as presidenciais de 2027. Em território germânico, o Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita, ficou em segundo lugar nas europeias e está em segundo nas sondagens para as próximas eleições antecipadas de fevereiro de 2025.
Na Polónia a direita conservadora continua a ser influente, mesmo após a vitória do centro direita liderado por Donald Tusk nas últimas legislativas, nos Países Baixos o Partido pela Liberdade de Geert Wilders ficou em primeiro nas eleições de 2023 e nas europeias deste ano, na Bélgica o Vlaams Belang venceu nas europeias e ficou em segundo nas legislativas e na Áustria o Partido da Liberdade venceu tanto as legislativas quanto as europeias.
A viragem à direita na União Europeia é clara.
Um novo Parlamento Europeu
As últimas eleições europeias confirmaram a tendência. O Partido Popular Europeu solidificou a sua maioria no Parlamento, com os grupos mais à direita a crescerem substancialmente, resultando até na criação de uma nova família política, os Patriotas pela Europa, que é agora o terceiro grupo mais representado em Bruxelas. Resultante de uma fusão entre alguns membros do extinto Identidade e Democracia e dos Conservadores e Reformistas (ECR), que continua a estar bem representado, com mais eurodeputados que os liberais do Renew, o Patriotas pela Europa junta as maiores figuras da direita conservadora europeia, de Viktor Órban a Santiago Abascal, passando por Matteo Salvini, Marine Le Pen, Geert Wilders e até André Ventura. Giorgia Meloni manteve-se no ECR.
Como consequência da marginalização dos alemães da AfD, o partido alemão de extrema-direita fundou um novo grupo europeu, o Europa de Nações Soberanas, onde agrega vários eurodeputados que até então eram não-alinhados, tornando-se assim o partido mais radical à direita do hemiciclo de Bruxelas.
A ascensão da direita conservadora e populista alterará também o processo de decisão no seio da União Europeia. Como argumentam as politólogas Liana Fix e Sophia Winograd num artigo para o Council on Foreign Relations, “As vitórias de partidos de extrema-direita ou populistas a nível nacional ou subnacional afetam o panorama político europeu – quer através de votos diretos no Conselho Europeu de líderes de extrema-direita no Governo, como na Hungria e em Itália, quer porque a instabilidade interna, como em França ou na Alemanha, deixa a UE paralisada e carente de liderança”. Como consequência, escrevem ainda, “muitos dos principais partidos do centro europeu começaram a adotar algumas das políticas de linha dura, especialmente em matéria de imigração, promovidas por partidos como a AfD e o FPO, porque veem que essas mensagens ressoam em grandes setores do eleitorado. Por sua vez, a EU também está a seguir uma curva para a direita em matéria de imigração”.
Meloni, o farol
Giorgia Meloni, primeira-ministra de Itália, é das principais referências da direita conservadora europeia. A líder do Fratelli d´Italia (Irmãos de Itália) assumiu o Executivo italiano em 2022, após o Governo de gestão para atacar a pandemia liderado por Mario Draghi, e assume as rédeas do movimento conservador da Europa e chegou a ser uma das personagens mais importantes no tabuleiro de forças europeus no verão passado.
Itália tem sido um dos países mais afetados com a imigração ilegal, e Meloni faz do tema a sua principal bandeira, estando a trabalhar de forma dedicada numa resolução e tem conquistado o respeito dos mais moderados, que chegaram a pelidá-la de fascista quando assumiu o poder em 2022. Até a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, a congratulou pelo plano que forjou com a Albânia, sugerindo que servisse de modelo para os restantes Estados-membros da União. Contudo, o projeto não foi aprovado pelo Tribunal de Roma e as expulsões de imigrantes ilegais para campos específicos em solo albanês, que já estavam em curso, foram revertidas.
Ainda assim, e mesmo que a sua governação não apresente taxas de aprovação que se possam considerar altas, o Fratelli D´Italia continua a liderar as sondagens com uma margem confortável e, ao que tudo indica, Meloni continuará ao leme dos destinos de Itália.
O enfant terrible
Viktor Órban é o líder da direita mais conservadora que está consolidado no poder há mais tempo, estando atualmente no seu quinto mandato, o quarto consecutivo. Um ativista contra o comunismo repressor que assolou a Hungria até ao final da Guerra Fria, é agora uma das caras da direita europeia que tem sido alvo de ataques por parte da União Europeia em virtude de uma alegada erosão do Estado de Direito húngaro.
Ainda assim, o Fidesz de Órban continua a liderar as sondagens de forma categórica, e não cessa em desafiar o aparelho comunitário, principalmente no que à política de imigração – que tem fortalecido e que os outros Estados-membros parecem agora seguir – e à Guerra na Ucrânia diz respeito, tendo sido conotado como pro-Putin.
A Hungria assume agora a presidência rotativa do Conselho sob o slogan “Make Europe Great Again”. O fenómeno Trump está bem patente no ADN da direita conservadora europeia, e na Polónia, o euro deputado do Lei e Justiça Dominik Tarczynski, anunciou que se vai candidatar à Presidência do país nas eleições de março do próximo ano, também sob o slogan “Make Poland Great Again”.
Áustria sem linhas vermelhas
Os austríacos foram às urnas em setembro deste ano, com o Partido da Liberdade (FPO) a sair vencedor com 29% dos votos, seguido pelos partidos tradicionais: o Partido Popular austríaco (26%) e o Partido Social Democrata (21%). Na Áustria, ao contrário do que acontece noutros países europeus, não foi criado um cordão sanitário, ou linhas vermelhas, ao Partido da Liberdade, tendo feito parte de governos de coligação já por três vezes no passado.
Mas o FPO é diferente da restante direita conservadora da Europa. Foi fundado em 1956 pelo ex-membro do partido Nazi e das SS Anton Reinthaller e ganha as eleições 68 anos depois. O partido nunca escondeu ao que vinha. Fortemente anti-imigração, anti-islâmico e eurocético, o FPO, a ser Governo, será uma clara rutura com os Executivos anteriores, mas é provável que seja criada uma coligação dos restantes partidos para impedir que tal suceda.
A cicatriz comunista
Vários países do Leste europeu estiveram submetidos ao jugo da União Soviética praticamente até ao seu colapso, em 1991. É o caso da Hungria, da Checoslováquia, da Polónia e da República Democrática da Alemanha, ou Alemanha de Leste. É assim interessante o facto de que todas estas regiões europeias sejam agora governadas pela direita populista. Na Alemanha, principalmente, o fenómeno é assinalável. Existe uma divisão quase perfeita nas intenções de voto entre a Alemanha Ocidental e a Alemanha Oriental, com a última a apresentar uma clara tendência de voto no AfD.
Na República Checa e na Eslováquia, que se separaram em 1992, a direita está também no poder, e na Polónia esteve até há pouco tempo, com o Presidente a ser membro do Lei e Justiça até ter tomado posse como chefe de Estado.
Assim, parece haver alguma correlação entre as feridas deixadas pela bota do comunismo durante a Guerra Fria, já que vários países que se encontravam na esfera de influência soviética votam agora tendencialmente à direita.
AfD à espreita
Em território alemão, o cenário político está longe de ser tranquilizador. O país que funciona como força motriz da economia europeia e que assumiu uma posição dentro do quadro de hegemonia superior americana, apresenta índices económicos preocupantes e a política interna atravessa um período tumultuoso. O Governo de coligação entre os sociais-democratas, os verdes e os liberais colapsou após o despedimento do ministro das Finanças por parte do chanceler, Olaf Scholz, e novas eleições foram marcadas para fevereiro de 2025.
A queda dos partidos que formam a coligação está mais que anunciada e a CDU, de centro-direita, deve emergir de novo ao poder. Mas há uma peculiaridade nesta eleição de extrema importância: o AfD está em segundo lugar nas sondagens, o que pode significar que o centro implodiu, à imagem do que também aconteceu em França.