Menos de meio ano da aprovação do Novo Pacto para as Migrações, que prevê regras coletivas para gerir a receção e relocalização de requerentes de asilo, o tema volta a estar em cima da mesa, com vários países europeus a apertarem o controlo sobre as fronteiras.
A chegada de um grande número de pessoas às fronteiras externas da UE na última década colocou o espaço sem fronteiras da UE – Espaço Schengen –, sob pressão. Até ao final do ano, Alemanha, França, Países Baixos e Itália implementarão controlos fronteiriços e novas restrições aos pedidos de asilo, para combater a migração ilegal e a criminalidade transfronteiriça. Estas alterações têm sido precedidas de um crescente coro de críticas por poderem pôr em causa a “livre circulação de pessoas”, um dos princípios basilares da União_Europeia, e o próprio Acordo de Schengen.
Paulo Sande, professor universitário e especialista em assuntos europeus, clarifica que, apesar dos receios e críticas, não há nenhum incumprimento. “Os países que estão a introduzir estas novas regras fazem-no ao abrigo da lei europeia, neste caso, do Código das Fronteiras Schengen, que permite a introdução de controlos temporários nas fronteiras durante seis meses. Estas medidas temporárias são justificadas com circunstâncias excecionais, com ameaças sérias à segurança interna desses Estados”, explica.
O Código das Fronteiras Schengen revisto clarifica o quadro existente para a reintrodução e o prolongamento dos controlos nas fronteiras internas, que é possível em caso de ameaça grave para a ordem pública ou a segurança interna.
“Isto já acontece em vários países europeus, incluindo a Alemanha, desde 2015. É verdade que tem sido criticado, mas não está em causa a livre circulação interna, porque isto cabe dentro das regras e da lei europeia. Não quer dizer que não possa vir a ser uma ameaça e que não possa ser um símbolo de alguma tensão, mas não me parece a ideia da livre circulação esteja em causa, para já”, acrescenta.
Quanto à possibilidade de a União Europeia estar a perder a capacidade de ter uma política migratória comum, Paulo_Sande não nega, mas sublinha que, “neste momento, esta é uma das matérias mais delicadas e difíceis de definir”.
As taxas de migração para a Europa têm vindo a aumentar constantemente há vários anos, tendo o número total de nacionais de países terceiros que entram na UE atingido os 5,1 milhões em 2022. Em 2023, e nomeadamente nos primeiros onze meses do ano, registaram-se mais de 380.000 travessias irregulares, o que representa o número mais elevado desde 2016.
Só este ano registaram-se 86.810 chegadas de migrantes irregulares em território europeu, sendo a maioria proveniente da Síria (10.990 pela rota oriental), Bangladesh (6.951 pela rota central) e Argélia (3.201 pela rota ocidental), de acordo com dados do Conselho Europeu.
Após quatro anos de discussões, o Parlamento Europeu deu finalmente luz verde ao Pacto para as Migrações e Asilo da UE que, entre outras regras, prevê um sistema de “solidariedade obrigatória” para garantir que todos os países, independentemente da sua dimensão e localização, contribuam para aliviar a pressão sobre o sul da Europa, já que a maioria das pessoas chegam por mar à Itália, Grécia e Espanha.
“Sabemos que este pacto foi criticado à direita, por não ser rigoroso o suficiente, e à esquerda, por ser demasiado rigoroso. Ainda há muita coisa para perceber e só a partir de agora é que vai começar a ser testado”, afirma o especialista em assuntos europeus.
Uma Europa a várias velocidades? A partir de 9 de Dezembro, os Países Baixos, além dos controlos extraordinários de fronteiras, vão também introduzir fronteiras terrestres com a Bélgica e o Luxemburgo. O anúncio foi feito pela ministra do Asilo e da Imigração, Marjolein Faber, parte da ala do Governo ligada ao Partido para a Liberdade (PVV), partido da direita radical neerlandesa.
“Estamos perante uma situação de alerta generalizado na Europa com esta questão do fluxo de refugiados e imigrantes. O caso dos Países Baixos ainda é mais complexo porque o país tem um acordo com a Bélgica e o Luxemburgo, o chamado Benelux, que também implica existência de fronteiras. Mas, mais uma vez, esta introdução de fronteiras terrestres enquadra-se no Código de Schengen. Enquanto se enquadrar, não diria que estamos a caminhar para essa ideia de uma Europa a várias velocidades”, argumenta Paulo Sande.”Claro que se se começarem a ser violados os critérios e os limites, vamos chegar a um momento em que a liberdade de circulação na Europa estará comprometida e aí estará comprometido um dos pilares da própria construção europeia”.
“A Europa tem de unir-se mais” Ao contrário dos Estados Unidos da América, que estão a lidar com a crise migratória com um controlo mais repressivo e até a construção de muros – recorde-se o famoso lema “Built The Wall” (Construam o Muro”, preconizado por Donald Trump, a propósito da construção de um muro na fronteira com o México (ver Págs. 10-11) –, na Europa, há muitas rotas de entrada e “não basta construir um muro”. Embora as tendências nacionalistas e protecionistas estejam a crescer um pouco por toda a Europa, Paulo_Sande alerta que, enquanto os EUA, um país tradicionalmente protecionista, “tem condições de o ser, porque é uma potência com um mercado interno rico e autossuficiente por definição”, na Europa as coisas são diferentes.
“A Europa é um pequeno continente, com países muito fraturados. Até mesmo a Alemanha não tem uma capacidade concorrencial com outras economias que seja de facto consistente e sustentável”, refere. “A ideia de que a Europa pode voltar a uma lógica de protecionismo e nacionalismo e de cada país por si, não faz sentido”.
Para o especialista em assuntos europeus, o caminho só pode ser um: a Europa deve continuar unida e tem até que se unir mais. “Paradoxalmente, a Europa até se tem unido mais. Ao mesmo tempo que há estas tensões com o controlo de fronteiras, muitas dimensões da integração europeia têm-se fortalecido muitíssimo nos últimos anos. Agora, isto pode mudar, justamente por causa destas tendências partidário-ideológicas de protecionismo, que, na realidade, não têm grande racional”, critica.
“Por outro lado, vamos ter uma nova Comissão Europeia, que tem programa bastante amplo sobre estas questões e que fala de defender a Europa. Vamos ver o que é que Von der Leyen vai fazer nesta materia”.