EUA. Uma nova era da política

EUA. Uma nova era da política


Donald Trump já tem boa parte da sua administração definida. Do papel de Musk à política de imigração, é com esta equipa que o republicano se propõe a atacar o próximo mandato.


Uma semana e meia após a eleição da qual Donald Trump emergiu como grande vencedor, a administração que tomará posse no dia 20 de janeiro de 2025 começa a ganhar forma. Grande parte das pastas de maior relevo já estão entregues, algumas nomeações são históricas, outras controversas, mas uma há algo que se torna cada vez mais evidente: a política entrou, definitivamente, numa nova era.

Ao contrário do que aconteceu em 2016 e em 2020, a transição de poder decorre com normalidade, e Donald Trump visitou o ainda Presidente Joe Biden, a convite do mesmo, na Casa Branca na passada quarta-feira. A cordialidade e a serenidade, mesmo após uma campanha eleitoral altamente divisiva, parecem estar de volta a Washington.

No seu discurso de vitória, Trump anunciou que os próximos quatro anos ficarão marcados na história americana como uma «era dourada», apressando-se a definir a composição da administração que estará ao leme do país que lidera o mundo livre no próximo mandato.

Entretanto, a administração sofreu já uma derrota ao nível do Senado, com Rick Scott, o candidato apoiado pelo movimento Make America Great Again (MAGA), a perder a liderança da maioria para John Thune.
Mas o que podemos esperar das escolhas já confirmadas?

O “DOGE”
Como é sabido, Elon Musk foi um dos nomes mais importantes da campanha republicana. O papel que o multimilionário, CEO da Tesla, da SpaceX e do X (anteriormente Twitter), representaria na eventualidade de uma vitória de Donald Trump já era relativamente conhecido. Seria algo relacionado com a redução da burocracia e com a maximização da eficiência do aparato governativo. A confirmação chegou na terça-feira.

Donald Trump anunciou, num comunicado, que deixará precisamente este assunto a cargo de Musk e de outro nome sob o qual recaía alguma especulação, Vivek Ramaswamy – candidato presidencial que se juntou à campanha de Trump. «Tenho o prazer de anunciar que o Grande Elon Musk, trabalhando em conjunto com o patriota americano Vivek Ramaswamy, irá liderar o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, em inglês). Em conjunto, estes dois maravilhosos americanos abrirão caminho para que a minha Administração desmantele a burocracia governamental, reduza o excesso de regulamentação, corte nas despesas supérfluas e reestruture as agências federais», informou o agora Presidente-eleito. Musk garantiu que «isto provocará uma onda de choque em todo o sistema e em todas as pessoas envolvidas no desperdício do Governo, que são muitas!».

Esta nomeação, que cria um novo braço administrativo, não é, de todo, surpreendente. Ainda assim, marca a entrada numa nova era da política. Um magnata conseguiu criar uma criptomoeda – a DOGE – a partir de um meme, conseguindo penetrar no Governo americano – numa área de incontornável importância – através de um Departamento com o mesmo nome. Outro sinal de que se entrou numa dimensão política diferente é o facto de que o próprio Musk, na sua conta pessoal do X, prometeu que «todas as ações do DOGE serão colocadas online de modo a maximizar a transparência. Sempre que o público entender que estamos a cortar algo importante ou que não estamos a cortar algum desperdício, basta dizer-nos! Teremos também uma tabela classificativa para os gastos mais insanamente estúpidos dos vossos impostos. Isto será, ao mesmo tempo, extremamente trágico e extremamente divertido».

Trata-se de algo nunca antes visto na política de alto nível e, por isso, testemunha-se, em tempo real, a mudança do sistema.
Susie Wiles, uma republicana de 67, foi a escolhida de Donald Trump para chefiar o seu gabinete. Uma das vértebras principais na espinha dorsal da campanha de Trump será, assim, a primeira mulher a ocupar o cargo.

Tentando corrigir um erro do seu primeiro mandato – onde teve quatro chefes de gabinete -, o Presidente-eleito recorre a uma das personagens principais a quem se tem atribuído o dom de conter os impulsos mais radicais de Trump. Resta esperar pelo resultado.

Política Externa e defesa
Quanto à pasta da política externa, uma das mais importantes do Governo americano, principalmente num momento como o atual, Donald Trump tomou uma decisão que está a gerar controvérsia no próprio seio republicano. Marco Rubio foi nomeado como próximo secretário de Estado, o equivalente a ministro dos Negócios Estrangeiros, pelo recém-eleito Presidente, deixando o atrito entre ambos no passado.

Donald Trump acusou Rubio, em 2015, de ser um «peso leve» que «não contrataria para dirigir» uma das suas mais pequenas empresas. «É um político altamente sobrevalorizado», concluiu o então candidato presidencial. Rubio, num comício da sua campanha para a nomeação republicana em 2016, disse o seguinte: «Vou fazer-vos esta promessa hoje: Farei o que for preciso, farei campanha o tempo que for preciso, manter-me-ei nesta corrida o tempo que for preciso… Donald Trump, um vigarista, nunca assumirá o controlo deste partido».

Parece que as feridas de batalhas anteriores estão saradas, e Rubio será um dos membros mais importantes desta administração, o que também poderá ser entendido como uma demonstração de boa vontade e de conciliação de Trump com a ala tradicional do Partido Republicano.

A escolha de Marco Rubio representou também um alívio para quem temia um abandono da Ucrânia, bem como a nomeação de Mike Waltz, membro da Câmara dos Representantes, para Conselheiro de Segurança Nacional. Waltz, em 2022, criticou a posição da administração Biden-Harris em relação aos ucranianos, afirmando que exigiu à administração, aquando de uma visita a Kiev, «a ajuda fundamental que têm pedido há meses. Deviam tê-la dado antes da Rússia ter invadido. Não depois». Contudo, o representante republicano também se mostrou alinhado com Trump, quando em setembro de 2023 afirmou que «a Europa tem de fazer mais pela Ucrânia. A América tem de proteger a sua fronteira».

Quanto ao Médio Oriente, Rubio é um fervoroso apoiante do Estado de Israel, culpando o Hamas por todas as mortes de civis que provêm do ataque retaliatório israelita após o massacre de 7 de outubro. Trump escolheu ainda Mike Huckabee, ex-governador do Arkansas e com fortes ligações a Israel, como embaixador dos Estados Unidos em Jerusalém. Fica assim claro que Netanyahu terá agora carta branca para executar na totalidade o seu plano para a região, após tensões com Joe Biden.

Na ONU, os Estados Unidos serão representados por Elise Stefanik, que tem sido uma voz forte contra a ameaça chinesa, e Tulsi Gabbard será a chefe da Intelligence.

A partir de janeiro, o líder do Pentágono será Pete Hegseth, um veterano do exército americano e apresentador do canal televisivo FOX News. Hegseth tem-se mostrado vocal no combate ao wokeísmo nas Forças Armadas e chegou a afirmar que não deveria haver mulheres em combate. «Tudo o que tem a ver com o facto de homens e mulheres servirem juntos torna a situação mais complicada, e a complicação em combate significa que as baixas são piores», disse num podcast, concluindo que «não devemos ter mulheres em funções de combate – isso não nos tornou mais eficazes, não nos tornou mais letais, tornou a luta mais complicada».

Foi ainda confirmado o nome do próximo procurador-geral: Matt Gaetz.

Punho de ferro na imigração
A escolha de Tom Homan, ex-diretor da Agência para a Imigração e Controlo Aduaneiro, para ser o ‘Czar da fronteira’ e de Stephen Miller, arquiteto de políticas de imigração durante o primeiro mandato de Trump, para chefe de gabinete adjunto, não esconde o objetivo de Donald Trump num dos temas que assume uma relevância primordial para os americanos.

Homan já afirmou que será responsável pela «maior força de deportação que este país já viu» e, quando confrontado com críticas sobre o custo que desta política advém para os cofres do Estado, o novo responsável pela fronteira com o México disse: «Quando as pessoas mataram e assassinaram, quando os chefes da droga destruíram países, e agora voltarão para esses países porque não vão ficar aqui, não há preço».

A administração está a ganhar forma, com os cargos de maior importância já preenchidos, e será com esta equipa que Trump se propõe a enfrentar o segundo mandato numa época especialmente complexa, tanto a nível interno como externo, para os Estados Unidos da América.