Não é desejável prosseguir com o estado de negação que nos conduziu a sobressaltos de comoção com a afirmação dos populismos no burgo, as vitórias esmagadoras de excêntricos sintonizados com a realidade como Trump e a danos relevantes no compromisso democrático. E bem podem os arautos dos valores, dos princípios e das ideologias verbalizar espasmos de compromisso com a teoria que, faltando o essencial, vai ficar pouco mais do que a pregar nos media, sem impactos nas realidades, cada vez mais alheados das pessoas e dos territórios. É que, por regra, quem se posiciona nesse patamar da teoria, é quem tendo podido ter optado por diferentes soluções, escolheu, por ação ou por omissão, o estado a que chegámos, com recorrentes sinais de egoísmo, de desagregação e de falta de respostas. Foi assim no partido como na sociedade, a opção muitos, os suficientes para serem maioria, foi por quem desenvolveu as opções e as políticas de circunstância que conduziram à emergência da extrema-direita populista, ao desencanto popular com a política e à erosão do Estado de Direito Democrático. Um misto de conformismo com uma forma de fazer política e de conforto com a circunstância do exercício do poder, com evidentes desvios de falta de sintonia com as realidades do país, além dos corredores de Lisboa, levaram à desvalorização dos sinais e dos avisos em relação aos impactos das opções políticas. Ignorar os sinais, não ter a capacidade de ver mais do que o quotidiano, não ter uma visão de futuro viável para o país como um todo é arriscar falhar na construção de respostas para as pessoas e os territórios.
Vivem em estado de negação!
Primeiro porque as soluções das ideologias como sempre foram entendidas, em boa parte, já não conseguem responder às necessidades das pessoas e das comunidades, às realidades das sociedades modernas e aos novos desafios, num desesperante desfasamento gerador de inúmeras oportunidades para os populismos, os extremismos e outras formas desestruturadas de posicionamento social, económico e político.
Segundo porque o resultado das opções políticas do exercício político de turno é inconsistente como o comprovam o estado dos serviços públicos, o estado do universo do Serviço Nacional de Saúde ou a incapacidade para antecipar os impactos de ações particulares como aconteceu recentemente com mais de uma dezena de mortes aquando das falhas da emergência médica, quando os decisores políticos tiveram conhecimento da greve com cerca de 20 dias de antecedência.
Terceiro porque esta epidemia da decisão política, sem justificação da opção, sem critério inteligível e sem sentido de sustentabilidade para futuro, leva a uma crescente sensação de injustiça, de abandono e de salve-se quem puder individual, minando mínimos de compromisso com as regras sociais, o bem comum e a legislação em vigor.
Entre os estados de negação em relação aos exercícios de poder passados e as negações vigentes, o problema central continua a persistir, a falta de respostas sensatas, ponderadas e sustentáveis para as pessoas e os territórios. Em parte, regressamos a um registo de negação da chamada da Troika e das suas consequências, com protagonistas similares, mas uma grande diferença, apesar da ausência de maioria parlamentar, a direita tem margem para fazer em parte o que a anterior governação do PS fez, arrecadar e distribuir o que existe para transformar e modelar os humores eleitorais dos que contam no voto e nos media. Em estado de negação, entre o acantonamento de coração do PS à esquerda e o desejo de, a partir de Bruxelas, continuar a fragilizar a liderança democrática do partido, era bom que se realizasse a catarse de avaliação séria do dano reputacional ao acervo patrimonial do Partido Socialista de exercícios que em nenhum momento se preocuparam com a defesa da honra perante o que estavam a fazer, em desvio e com inconsistência, apenas orientados para a resposta ao quotidiano e a sobrevivência política. Não o fazer, persistir no estado de negação, no fomento da divisão da farinha do mesmo saco da ação governativa passada, é votar o partido a um sobressalto negativo qualquer quando os sinais de inadequação estão todos aí. Só não vê quem dá prevalência ao fundamentalismo ideológico, à negação ou a um certo modus operandi político a partir de posições de poder, depois da Câmara Municipal de Lisboa, agora a partir de Bruxelas.
E, depois, por ausência de foco na concretização de respostas e soluções políticas para os problemas, as necessidades e os desafios das pessoas e dos territórios, ainda há quem se espante com vitórias como as de Trump, a afirmação da extrema-direita na Europa e as disfunções das nossas sociedades. Em negação, sem respostas e com uma mera aposta na diabolização verbal das emergências populistas, é o que cada vez mais nos espera. É preciso atacar as causas e as razões de descontentamento popular, em vez de exercícios inconsequentes de quem podia ter feito ou de quem julga saber como se faz, mesmo que ao lado da realidade. Acordai!
NOTAS FINAIS
CONTINUAR A BRINCAR COM A MORTE DA PROXIMIDADE. Tocados pela folha de Excel, por vezes alheios ao perfil da população envelhecida, as sociedades modernas continuam a hipotecar a proximidade dos serviços e das respostas. Está no digital! Telefone! A opção é parte da arrecadação de lucros dos bancos que vão sendo enunciados, mas, noutra dimensão, afastar as respostas da proximidade às pessoas e aos territórios será trágico quando é previsível a emergência de mais fenómenos meteorológicos extremos e outras expressões das alterações climáticas.
ALBUQUERQUE PERDEU O CHÃO. O Chega de André Ventura na Madeira foi parte da viabilização do governo PSD/CDS de Miguel Albuquerque. Ventura foi o garante de Albuquerque na aprovação do programa regional de governo. O PS fazia parte de uma alternativa de governo chumbada liminarmente. As comadres zangaram-se e, pela aritmética, o orçamento regional deve ser reprovado. Terá a palavra o pachorrento da República na Região, Marcelo por interposta pessoa.