Maria Luís Gameiro. “Sou uma mulher que gosta de desafios”

Maria Luís Gameiro. “Sou uma mulher que gosta de desafios”


Maria Luís Gameiro mostra o lado feminino do todo-o-terreno. Tem obtido resultados relevantes no campeonato português e espanhol e, como é uma mulher de desafios, vai disputar o Dakar 2025 com o objetivo de terminar e fazer muitos quilómetros para ajudar uma instituição ligada à área oncológica.


Maria Luís Gameiro tem 46 anos, é administradora da empresa Motivo, que representa a marca JCB, e singrou com mérito num meio masculino como é o todo-o-terreno. Nota-se no seu rosto o orgulho e a felicidade pelos resultados obtidos desde que começou a correr por influência do seu marido, o ex-piloto José Gameiro. Começou a competir de uma forma mais séria em 2022 no campeonato português e espanhol, onde venceu a categoria destinada às senhoras. Obteve igualmente excelentes resultados à geral, com destaque para o terceiro lugar no campeonato de Espanha, só não foi vice-campeã porque faltou à última prova para participar no Rali de Marrocos como preparação para o Dakar do próximo ano. Considera-se uma mulher de desafios e bastante exigente consigo mesma, não hesitou nas respostas e fê-lo sempre com um sorriso aberto.

Começo por lhe perguntar se está mais à vontade a competir ou a dar entrevistas?
Sinto-me bem a dar entrevistas, mas acho que estou mais à vontade a conduzir (risos). No que diz respeito às redes sociais não me sinto tão à vontade, mas estou a tentar libertar-me, até porque tenho tido um feedback muito positivo dos meus seguidores.

Afinal, quem é a Maria Luís Gameiro?
Não é nada fácil responder, sentia menos dificuldades se estivesse ao volante (risos). Sou uma mulher que gosta de desafios tanto a nível profissional como no desporto automóvel. Só assim se justifica que tenha começado a fazer todo o terreno de uma forma mais séria há apenas três anos, quando a maioria dos pilotos começa muito jovem, tem um percurso evolutivo e alguém na família que gosta de desporto automóvel. Comigo não aconteceu nada disso.

Então, como é que aparece a fazer todo-o-terreno?
Comecei por acompanhar as provas do meu marido, o José Gameiro. Depois, falámos na possibilidade de ser navegadora, mas rapidamente percebi que não era capaz porque enjoava a ler o roadbook. No final de 2021, o meu marido perguntou-me se queria fazer o campeonato nacional com o Mini JCW T1 da X Raid, isso foi música para os meus ouvidos. Para compensar a minha falta de experiência acabei também por fazer o campeonato espanhol. O todo-o-terreno serve também como escape à vida profissional. Quando estou dentro de um carro a alta velocidade, numa estrada que não conheço e com desafios consecutivos não penso em trabalho.

Como é que as pessoas a veem?
Sinto que há um carinho especial tanto em Portugal como em Espanha. Já me reconhecem como piloto e não apenas como a gaja que faz todo-o-terreno. Há uma aproximação de um público diferente, com muitas mulheres e crianças, o que me deixa muito feliz. É curioso verificar que o cor-de-rosa do carro teve imenso impacto nas pessoas.

Qual a sensação que tem antes de começar uma prova?
Quando coloco o capacete e os instantes antes da partida são sempre de algum nervosismo.

Esse sentimento é o mesmo do início de carreira ou está mais controlado?
Já controlo um pouco melhor, mas ainda sinto alguma ânsia e também um certo medo de que as coisas não corram bem. É extremamente importante manter a concentração, pois vamos para o desconhecido. Ao contrário de outras disciplinas, no todo-o-terreno o percurso é secreto. Se, por algum momento, não estiver atenta a probabilidade de ter um acidente é grande, já que andamos a alta velocidade em estradões de terra, no meio de árvores e com precipícios ao lado. Mas quando começa a contagem decrescente ligo o modo “On” e esqueço tudo.

O que mais a atrai neste desporto?
Sem dúvida o fator surpresa. O roadbook tem algumas indicações com as zonas mais perigosas, mas nunca sabemos o que vem a seguir. É um grande desafio, sobretudo nas provas internacionais, onde só temos acesso ao roadbook poucos minutos antes da partida.

Mas nem tudo é perfeito em Portugal…
Por vezes há fugas de informação e partes do percurso chegam ao conhecimento de alguns pilotos que depois vão fazer o reconhecimento. Além de não ser justo, criam outro problema que é invadir terrenos privados, onde existem animais, e causam grandes estragos. Por essa razão alguns proprietários já não permitem que a prova atravesse os seus terrenos.

Qual é maior dificuldade que sente no todo-o-terreno?
Sou muito má nos prólogos. Demoro tempo a ganhar ritmo e, por isso, sou relativamente lenta nos primeiros quilómetros comparativamente aos outros pilotos. Como a ordem de partida é dada pela classificação no prólogo acabo sempre por largar de lugares secundários e fazer uma corrida de trás para a frente. Isso aumenta as dificuldades, pois os trilhos estão mais degradados, tenho de fazer ultrapassagens e nem todos os pilotos facilitam.

Qual a sensação de correr com o Mini JCW T1+ com quase 400 cv?
É um carro bastante potente e com muita tecnologia. A velocidade está limitada a 170 km/h, mas andar a essa velocidade no meio do mato é mais assustador do que andar a mais de  200 km/h em pista. A suspensão garante um bom equilíbrio e a travagem é fenomenal, mas quando se exagera o risco de correr mal é grande. Não é um carro fácil de conduzir e também exige muito fisicamente. Cada roda pesa 50 kg, só a mudança de pneus é uma tarefa difícil.

Vamos agora falar do próximo grande desafio que é o Dakar 2025, que se realiza na Arábia Saudita em janeiro. Como surgiu essa ideia?
Quando se faz todo-o-terreno o objetivo maior é fazer o Dakar, que é a prova rainha. Sempre tive esse desejo, mas nunca pensei que fosse possível. Não basta querer, é uma prova muito cara e é preciso ter condições para participar. No final de 2023 fui convidada por uma equipa espanhola para participar nessa prova, só que não conseguiam dar-me um carro 4×4. Depois, foi a própria equipa a pensar em dar esse passo em frente, até porque há 16 anos que Portugal não tem uma mulher a competir no Dakar. Este ano vai ser para ganhar experiência, vou para me superar e o melhor que posso trazer para Portugal é chegar ao fim.

Qual o objetivo a atingir?
Vai ser uma aventura com o objetivo de chegar ao fim. Para mim, seria uma grande vitória terminar a prova na primeira participação. São 14 dias de competição num ambiente que desconheço. Vai ser também um grande desafio físico. Uma coisa é fazer corridas de dois dias e ao terceiro descansamos, outra bem diferente é fazer 12 longas etapas, com grandes ligações em retas intermináveis e já com algum cansaço. A parte psicológica vai ser também muito importante.

Já se imaginou a fazer uma etapa de 48 horas, com 950 km, sem assistência, a dormir numa tenda e com uma ração de combate?
Só de ouvir a discrição é de tirar o fôlego. Para mim, vai ser uma novidade dormir numa tenda e, ao mesmo tempo, um grande desafio, mas vou conseguir superar as dificuldades. Nos outros dias vou dormir numa autocaravana, vou poder tomar um banho quente e temos catering.

E as esmagadoras dunas do Empty Quarter, uma das zonas mais inóspitas do planeta, assustam?
Vai ser o meu maior desafio. A minha primeira experiência em dunas foi em Marrocos. Gostei, correu bem e diverti-me, mas não era o mesmo do Empty Quarter. Percebi que gosto mais de andar nas dunas do que nas pistas com muita pedra, onde temos de gerir o andamento para evitar furos ou até mesmo partir o carro.

Qual o segredo para andar nas dunas?
Ainda estou a aprender, mas a minha experiência diz-me que tem de haver moderação na velocidade com que se aborda a duna, fazer uma leitura correta da mesma e perceber onde quebra. Vou com o meu navegador habitual, o José Marques, que tem experiência do Dakar e vai ser uma grande ajuda.

Para o Dakar 2025 vai trocar o Mini JCW por um pequeno “side by side” com motor Yamaha da X Raid, uma equipa que venceu esta mítica prova por seis vezes. Não é um risco correr com carro recente?
É um grande desafio para mim e para a equipa. Mas a X Raid é das melhores equipas do mundo e tenho total confiança neles. Por outro lado, reconheço que não tenho experiência suficiente para andar no deserto e nas dunas com o Mini, que é dos carros mais competitivos do todo-o-terreno a nível mundial.

Há grandes diferenças para o Mini?
Sem dúvida, em termos de condução o side by side é um brinquedo quando comparado com o T1. É muito fácil e divertido de conduzir, se ficar atolado na areia é mais fácil de retirar, e, em termos financeiros, é um projeto bastante mais acessível. A única desvantagem é ser menos confortável do que o Mini.

Em termos de condução, há aspetos a melhorar?
Sim, claro. Quando a estrada permite consigo andar a fundo, mas ainda posso melhorar na travagem, preciso de mais coragem para travar um pouco mais tarde.

Além da parte desportiva, este projeto tem outro objetivo. A equipa Motivo JCB vai promover uma ação solidária de doar 1 euro por cada quilómetro de setor seletivo percorrido a uma instituição ligada ao cancro da mama, até por isso é importante fazer a totalidade dos quilómetros.

Sentiu alguma vez discriminação por ser mulher?
Discriminação de uma forma óbvia não, mas já ouvi algumas observações jocosas, do tipo “a Maria conduz que nem um homem” ou “então ficaste atrás da Maria, como é que é possível?” Quando o meu carro passou a ser cor-de-rosa, os pilotos diziam que havia uma linha rosa que ninguém queria ficar atrás. Com os resultados obtidos, já me olham de outra forma. Por outro lado, nos bivouacs sempre fui tratada com muito respeito.