Na Europa, as cidades concentram 75% da população, apesar de ocuparem 4% do território, sendo responsáveis por mais de 65% do consumo de energia e de 70% da emissão de gases de efeito estufa (GEE). Os GEE contribuem para o aumento da temperatura média da Terra e alteram os padrões climáticos, resultando em períodos de secas, inundações e perda de biodiversidade a que temos assistido com maior frequência. Reduzir essas emissões e atingir a neutralidade climática é um dos maiores desafios atuais, tendo a União Europeia assumido o compromisso de alcançar essa meta até 2050, com algumas cidades a definir prazos mais ambiciosos, já em 2030 ou 2040.
Lisboa, Porto e Guimarães são as cidades portuguesas que assumiram esse compromisso em 2030, mas outras cidades e regiões mobilizaram-se em iniciativas colaborativas, como por exemplo Cidades pelo Clima, para definir estratégias e planos de ação para atingir a neutralidade climática em 2030.
Os edifícios desempenham um papel crucial nessa transição. Em Portugal o parque edificado consome mais de 30% da energia final. No entanto, grande parte dos edifícios construídos antes de 1990 (cerca de 80%) não possui isolamento térmico, resultando em ineficiência energética. Isso leva muitas famílias a enfrentarem dificuldades em manter as suas habitações confortáveis a um custo acessível – uma condição conhecida como pobreza energética, que afeta pelo menos 50 milhões de europeus.
A utilização de ferramentas digitais como os Digital Twins pode alavancar a mitigação da pobreza energética no contexto urbano. Os Digital Twins são modelos virtuais que replicam o comportamento e as características de um sistema real e podem ser usados pelos decisores políticos para testar e prever resultados. Estas ferramentas permitem simular o desempenho térmico e energético de edifícios ou bairros com elevada resolução temporal e assim explorar e avaliar diferentes intervenções, facilitando a criação de políticas de renovação eficazes.
Os Digital Twins permitem avaliar a viabilidade energética e económica de comunidades de energia, nas quais os seus participantes podem produzir e partilhar eletricidade renovável a custos vantajosos e com menores emissões de GEE. As comunidades de energia, sobretudo se numa fase inicial forem apoiadas por municípios ou governo, podem também ajudar comunidades e bairros mais vulneráveis na mitigação dos efeitos da pobreza energética.
Além da pobreza energética relacionada com a má qualidade dos edifícios, outras formas de pobreza persistem no contexto urbano português. Em Lisboa, o Instituto Superior Técnico desenvolveu um Índice de Sustentabilidade na Mobilidade que considera, à escala do edifício, parâmetros como a acessibilidade a transportes públicos, a sua frequência e a proporção das despesas em mobilidade das famílias com o seu rendimento. A metodologia usada neste trabalho pretende ajudar decisores políticos, ao identificar áreas críticas e avaliar o impacte da melhoria do acesso ao transporte público aumentando a oferta, com mais produtos ou serviços de mobilidade, ou a frequência e sustentabilidade das alternativas existentes. Em bairros onde o índice aponta um elevado uso de carro privado e do seu elevado peso no rendimento familiar, embora possuam bons níveis de acessibilidade, esta metodologia pode alertar a população local para a boa infraestrutura de transporte público já disponível, o que permitiria uma redução nas despesas das famílias.
As ferramentas digitais permitem ainda efetuar análises urbanas intersectoriais. Podem ajudar na definição de estratégias de carregamentos de veículos elétricos com a eletricidade produzida por painéis fotovoltaicos, bem como apoiar a definição da localização de postos de carregamento considerando a tipologia e o consumo de energia dos edifícios em contexto urbano.
Finalmente, é importante que as análises detalhadas que resultam destas ferramentas, possam ser apresentadas aos cidadãos e outros interessados de uma forma apelativa e impactante. O Instituto Superior Técnico, em projetos como o BeNeutral, trabalha no desenvolvimento de modelos e plataformas de visualização intuitivas que providenciem as informações necessárias para atuar individual ou coletivamente ao nível urbano, tanto na mitigação da pobreza energética como na redução das emissões de GEE das nossas cidades.
Professores do Instituto Superior Técnico e Investigadores do Centro de Estudos em Inovação Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento (IN+)