Na atual fase de transição energética, caracterizada por uma grande procura de metais, Portugal tem obrigação de olhar para os seus recursos e reservas minerais como um bem inalienável, na perspetiva da sua gestão e exploração sustentável. Para isso, deve contar com o conhecimento adquirido ao longo dos últimos cinquenta anos pelos melhores centros de investigação internacionais nas áreas das geociências, da engenharia de minas e do ambiente.
Os anos setenta do século XX marcaram uma viragem clara na indústria mineira, com a revolução dos meios informáticos e o aumento exponencial do poder de computação. Como consequência, os métodos quantitativos e as matemáticas aplicadas tornam-se instrumentos básicos para a solução de problemas até ali “inatingíveis”, como por exemplo, a quantificação dos recursos minerais, o maior e o mais importante na área das geociências. Conceber um modelo numérico destes recursos – teores, metais, forma e localização dos mesmos – significava poder-se planear a apropriação do recurso, prever a curto e médio termo a sua exploração.
É neste contexto que os modelos geoestatísticos de avaliação de recursos minerais se transformam nos instrumentos mais eficazes e robustos para a quantificação do conhecimento dos recursos minerais. O Instituto Superior Técnico foi pioneiro na introdução desses métodos no ensino, contribuindo, deste modo, para o nascimento da moderna engenharia de Minas em Portugal. Mas nos anos 80 aparece um novo “player” que condiciona a prática de toda a atividade industrial: o ambiente. Na Europa, os impactes ambientais deixam de ser uma externalidade das atividades industriais e transformam-se, por regulamentação, em custos que têm de ser incorporados nos próprios projetos. O conceito de sustentabilidade de um projeto, que coloca o ambiente em paridade com os aspetos sociais e económicos, começa a ganhar forma a partir dessa altura.
O Técnico, que já tinha construído um centro de excelência internacional em métodos quantitativos na área das geociências, em particular os métodos geoestatísticos, começa a dirigir esses instrumentos para caracterização do conhecimento dos recursos naturais e ambientais. Daqui resultou um grande número de projetos de sucesso de caracterização da qualidade do ar, água, aquíferos, solos e recursos naturais para além da formação pós-graduada de técnicos das entidades públicas e privadas, nas áreas das florestas, ambiente, meteorologia, parceiras daqueles projetos. A larga maioria destas aplicações assenta num conjunto de modelos geoestatísticos que reproduzem ambientes complexos e heterogéneos no espaço e no tempo – minerais, ambiente e recursos naturais. Mas o conhecimento que se tem desses ambientes é suficiente para que esses modelos sejam considerados fiáveis, robustos e constituam uma boa base da gestão daqueles recursos.
Mas no final dos anos 80 aparece um ator com um desafio até então nunca colocado ao nível do conhecimento dos recursos minerais: a indústria do petróleo e gás, que tinha como alvo reservatórios geológicos, muito complexos e muito heterogéneos a grandes profundidades. O elevado custo de furação tinha como consequência a ausência de amostras, i.e., ausência de conhecimento. As predições dos modelos mais prováveis das características de tais ambientes geológicos não tinham grande utilidade, porque não havia conhecimento. A ignorância e a incerteza sobrepunham-se claramente ao conhecimento que se tinha daqueles recursos.
Neste contexto, em vez de se caracterizar o conhecimento como até ali os modelos existentes faziam, surge a ideia de se quantificar a incerteza através de modelos de simulação estocástica espacial. Estes modelos, que permitiam quantificar o risco daqueles ambientes complexos, foram adotados de imediato pela indústria o que mudou o rumo daquela área científica. Por força dos grandes recursos financeiros existentes para se investir em Investigação e Desenvolvimento (I&D), a área dos petróleos transformou-se no “ninho” das novas ideias e modelos geoestatísticos.
Nos anos 90, o Técnico cria o CMRP (Centro de Modelização de Reservatórios Petrolíferos) que, em conjunto com parceiros industriais, desenvolve projetos, modelos e novas ideias, em Abu-Dhabi, Bahrein, Arábia, Koweit, Angola, Brasil e México. É um centro de investigação totalmente suportado pela indústria privada e que financia, por sua vez, a migração daqueles modelos para a área do ambiente e os recursos naturais. É deste modo que surgem novas metodologias de avaliação de risco na contaminação de solos, aquíferos, fenómenos meteorológicos extremos, desertificação e riscos epidemiológicos. Já neste século, o CMRP dá origem ao CERENA (Centro de Recursos Naturais e Ambiente), um centro de excelência, que desenvolve metodologias de “Spatial Data Sciences”, para caracterizar o risco em ambientes geológicos do subsolo para armazenamento de Dióxido de Carbono (CO2), reservatórios geotérmicos profundos e técnicas de “real time mining” da indústria mineira.
Quando se fala em modelos quantitativos nas geociências, é indissociável referir-se o Técnico e o seu centro de investigação CERENA, particularmente o seu papel na transformação do ensino e das boas práticas da indústria mineral e dos recursos energéticos e da caracterização do risco nos recursos naturais e ambientais.
Por todo este histórico de aprendizagem e sucesso desta área científica, Portugal tem todas as condições para gerir e explorar os seus recursos e reservas minerais de acordo com as melhores práticas no quadro do desenvolvimento sustentável.
* Texto adaptado a partir do discurso na sua aula de Jubilação (a 30 de setembro)
Professor do Instituto Superior Técnico e investigador no CERENA