A dificuldade em fazer, concretizar e sustentar alguma ideia, projeto ou iniciativa reside na enorme conjugação de fatores que são precisos quando se tem à mão, no domínio das possibilidades, o recurso ao simbólico e ao inconsequente, mesmo que impactante. O Ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, qual galifão reivindicativo das pretensões e compromissos históricos, resolveu reclamar Olivença das garras da monarquia espanhola, como se pouco mais do que um legítimo rodapé simbólico devesse ter relevância para as preocupações, as palavras e as ações de um ministro da República Portuguesa em 2024. Já se sabe que, na desculpa com o passado, no anúncio de medidas dependentes de aprovação parlamentar e no simbólico, o executivo tem procurado afirmar a mestria das circunstâncias para sustentar o esforço de sobrevivência, de agrado popular e de aforro para qualquer emergência eleitoral superveniente, mas, no que é relevante e atual, mesmo estratégico, Nuno Melo nem pia e o governo amocha aos interesses alheios e às chantagens territoriais. E fá-lo pela calada da indiferença geral, preocupada com relevâncias maiores do que a gestão dos recursos naturais vitais para a vida humana e as atividades económicas como acontece com a água.
O atual governo cedeu à chantagem de Espanha, vai ceder água do Alqueva a Espanha, no quadro do acordo sobre os caudais do Tejo e do Guadiana, desbloqueando em contrapartida a construção da ponte entre Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana, compromissada em 2022, na 33ª Cimeira Ibérica, para ser construída até 2025. A verdade é que do lado português o projeto de execução da dita ponte terá sido entregue no verão de 2023 para ser integrado nos projetos financiados pelo PRR e desde outubro de 2023 que o concurso público internacional está pronto para ser lançado, mas esbarrou na “chantagem” não verbalizada de Espanha: ou há água do Alqueva ou não há ponte!
É certo que são precisos dois para se dançar o tango e uma ponte internacional ainda reforça fisicamente essa realidade, mas como é possível que quase pela calada o governo dê assentimento a uma chantagem, sem explicar, sem se justificar e com manifesto prejuízo para a gestão de um recurso hídrico fundamental para o sul do país, exaurido de fontes de abastecimento para consumo e para o desenvolvimento de atividades que permitiram superar o recorrente abandono e falta de atenção dos decisores políticos centrais.
Os espanhóis vão levar a água do Alqueva e a ponte talvez se faça, já não no prazo definido inicialmente ou nos prazos vigentes de execução do PRR, até final de 2026. Já se sabia que a afirmação estratégica do país, tem dias, entre a defesa de um bom cargo comunitário e a necessidade imperiosa de superar mais um dia no governo, respondendo ao quotidiano, mas é esta falta de defesa do interesse nacional que gera erosão no compromisso democrático e dá albergue aos extremismos que vão surgindo, sem as respostas adequadas.
Sem salvaguarda do essencial e de pontos estratégicos para o país, andaremos sempre a reboque de interesses e chantagens alheias, sem capacidade de ir mais além do que a resposta ao imediato, ao efémero e às circunstâncias. É preciso relembrar que somos um país que privatizou quase tudo antes de definir quais eram e como se preservavam os ativos estratégicos em setores fundamentais para o interesse nacional, em observância do direito nacional e do direito da União Europeia (UE). Algo que só ganhou relevância de preocupação dos decisores, dos media e da população por ocasião da privatização dos CTT.
De mão beijada lá foi a água do Alqueva no líquido do banho do processo de construção da ponte sobre o Guadiana, sem que o galifão de Olivença ou outro zeloso governativo se indignasse com a dimensão da cedência a Espanha, num momento em que é cada vez mais evidente o dinamismo e defesa dos interesses estratégicos do país no plano global, com posições ativas em questões de geopolítica e pragmatismo no namoro a ativos económicos relevantes, da China ao Brasil, passando por África ou pelo Médio Oriente. É também por isso, por essa falta de visão estratégica dos equilíbrios e das iniciativas de defesa do interesse nacional, que ficamos à mercê de terceiros, dos seus humores e interesses. É que depois do governo anterior ter sido mais “bruxelista” que Bruxelas na cibersegurança, em rota de candidatura de António Costa à Presidência do Conselho Europeu, e de Luís Montenegro reafirmado o compromisso transatlântico nos Estados Unidos da América, com Estados Membros da União Europeia a posicionarem-se de forma diferenciada das orientações comunitárias para defenderem os interesses nacionais, Portugal vai perdendo competitividade no mercado ibérico e no contexto internacional, enquanto ficamos à mercê dos humores de quem ocupe a Casa Branca a partir de janeiro de 2025, esperando que seja Kamala Harris. Algo não partilhado pelo líder parlamentar do mesmo PSD, apesar de alapados à conveniência do transatlantismo.
Como dizia Luís de Camões, “O fraco rei faz fraca a forte gente.”
NOTAS FINAIS
UMA DÉCADA DEPOIS. Perfez por estes dias, uma década de assalto ao poder interno no PS, com projeção de um tsunami externo sobre uma liderança legítima, democrática e com um perfil diferenciado que permitiu preservar o partido dos impactos da chamada da “troika”, pós-governo do PS de José Sócrates. A história acabará por fazer justiça ao exercício de António José Seguro apeado pela ambição desenfreada de um vale tudo para ganhar uma eleição legislativa que não foi ganha. Uma década depois, nem o partido nem o país estão melhores, mas o protagonista está. É, afinal, o que só interessa.
VISÃO ESTRATÉGICA DE JOSÉ CONTENTE. FOGUETÕES DE SANTA MARIA LANÇADOS. Os primeiros lançamentos de foguetões do porto espacial nos Açores estão feitos e a Atlantic Spaceport Consortium, criada em 2000, diz que abrem possibilidades para a criação de um espaçoporto comercialmente aberto em Portugal. Nos Açores, em 2008, estabeleceu-se a única Estação Espacial de Portugal da Agência Europeia Espacial (ESA). A partir de 2011, várias equipas açorianas de ensino de nível secundário (regular e profissional) participaram e ganharam algumas competições, nacionais e europeias, inseridas em projetos escolares da ESA, como o CanSat (literalmente “satélite numa lata”). Para colher é preciso semear, com visão e determinação. Quando se vê a pequenez da governação regional atual nos Açores, valoriza-se ainda mais o exercício político de José Contente e do governo de que fez parte.