“O impacto interno sobre os países em guerra está a ser muito grave, sobretudo no Sudão, Gaza e Israel. Na Ucrânia e Rússia, sendo economias maiores, o efeito é relativamente menor”. A afirmação é feita por João César das Neves ao i, referindo que “o impacto externo dos conflitos está a ser muito menor do que se temia”, uma vez que entende que os mercados ajustaram rapidamente.
Ainda assim, o economista lembra que o facto de a Rússia e da Ucrânia serem grandes exportadores de energia e alimentos fez subir os preços nos primeiros meses da guerra, mas depois desceram. “Também o impacto das sanções sobre a Rússia, as mais pesadas de sempre, foi muito menor, e a economia está a crescer bem”, salienta.
Também o porta-voz da XTB reconhece ao i que a guerra da Rússia contra a Ucrânia, assim como o ataque terrorista do Hamas a Israel e a resposta militar de Israel em Gaza, têm repercussões significativas e difíceis para ambos os países e para o panorama económico mundial. “Os acontecimentos mundiais, nomeadamente as tensões geopolíticas, desempenham um papel fundamental nos mercados financeiros. As recentes tensões entre Israel e Gaza, que vêm na sequência da crise Rússia-Ucrânia, recordam aos investidores a intrincada teia de interdependências globais”, salienta, referindo que os dois conflitos em vigor atualmente têm impacto a nível económico global, mas também nas relações comerciais entre a Índia e Israel, em particular, e nos mercados financeiros.
Um desses casos diz respeito aos preços do petróleo. A explicação é simples: o Médio do Oriente é responsável por quase um terço do abastecimento mundial de petróleo. “Qualquer instabilidade na região, como o conflito entre Israel e Gaza, pode levar a aumentos especulativos de preços devido a potenciais interrupções no fornecimento. Se o conflito se estender a outras nações produtoras de petróleo na região, especialmente o Irão, a economia global poderá enfrentar graves repercussões”, diz o analista.
Por outro lado, lembra que o aumento dos preços do petróleo bruto pode conduzir a uma inflação elevada e persistente a nível mundial, o que pode afetar os custos de produção em todas as indústrias e aumentar os custos de energia para as empresas e as famílias. Um cenário que se repete nas taxas de juro, uma vez que “os bancos centrais podem ter dificuldade em controlar a inflação, levando a períodos de taxas de juro elevadas e prolongadas. Esta situação pode prejudicar o crescimento económico mundial”, antevê.
E as consequências não ficam por aqui. Nuno Mello diz também que o conflito em Gaza pode prejudicar as trocas comerciais entre a Índia e Israel, nomeadamente as exportações da Índia para Israel, principalmente produtos petrolíferos, e as importações da Índia de maquinaria, pérolas, diamantes e outras pedras preciosas e semipreciosas de Israel. “Qualquer perturbação poderia afetar estas importações”, acrescentando que o mesmo acontece nos mercados financeiros. “O conflito tornou os investidores cautelosos, levando a uma mudança para ativos de refúgio. Os preços do ouro, do dólar americano e do iene subiram e o mercado acionista sofreu algumas correções”, salientou ao nosso jornal.
Também Paulo Monteiro Rosa refere que “o mundo é hoje mais perigoso”, admitindo que “os economistas têm consciência de que os conflitos são sempre globalmente nefastos, dificultando, ou impossibilitando mesmo, o salutar comércio internacional, uma das principais variáveis deflacionistas e um dos importantes motores do crescimento económico global e do aumento do bem-estar e da qualidade de vida das populações”. E refere que os conflitos causam problemas graves nas cadeias de abastecimento, penalizando igualmente as relações entre as nações. “O comércio internacional é tão importante como os avanços tecnológicos, a liberdade económica e um país formado por populações jovens saudáveis, trabalhadoras, engenhosas, letradas (literacia financeira, conhecimentos de vanguarda, literacia tecnológica…), variáveis igualmente deflacionistas e que impulsionam o crescimento económico. Historicamente, expansões económicas estão associadas a crescimento da globalização, mas em períodos de recessão o comércio entre as nações tende a diminuir”, diz ao i.
Ainda assim, admite que as dificuldades das guerras podem, por vezes, proporcionar impulsos tecnológicos inesperados, retirando do papel estudos científicos, intensificando o investimento em estudos académicos, em conhecimentos teóricos, colocando-os em prática, no intuito de ganharem vantagens sobre os países inimigos. E não hesita: “Eventualmente, uma guerra pode aumentar pontualmente o PIB, ou seja, incrementar a produção de bens e serviços, sobretudo impulsionados pela indústria militar, do armamento, e pelo avanço dos conhecimentos tecnológicos, mas os estragos causados pelos conflitos são avassaladores, destruindo capital acumulado, casas, infraestruturas (estradas, pontes, escolas e hospitais)”.
BCE cauteloso
Em relação ao trabalho que tem sido levado a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE), César das Neves dá nota positiva à entidade liderada por Christine Lagarde. “Tem reagido bem à inflação que, até agora, é a principal consequência monetária da guerra”, considera. “Se não tivesse feito o que fez, podia ter gerado uma crise muito séria”.
Já Nuno Melo lembra que na última reunião do dia 12 de setembro, o BCE mostrou-se confortável em moderar ainda mais a restritividade da sua política monetária. No entanto, espera que a inflação aumente na última parte do ano, fator que levou o organismo a agir com alguma cautela.
Por outro lado, o porta-voz da XTB chama a atenção para o abrandamento do crescimento dos salários no último trimestre, que, no seu entender, “acalmou as preocupações dos decisores políticos quanto ao aumento dos custos laborais, reforçado por uma queda acentuada da inflação da Zona Euro para um mínimo de três anos de 2,2% em agosto”. E continua: “As novas projeções económicas do BCE são de que a inflação cairá para 2% ao longo de 2025, o que reforça os argumentos a favor de cortes mais rápidos das taxas daqui em diante”.
Menos optimista com o trabalho feito está Paulo Rosa Monteiro, que acredita que o organismo poderia ter sido mais arrojado no corte das taxas de juro. “A economia alemã está cada vez mais frágil, persistindo em contração, numa altura em que a inflação germânica já é inferior a 2%, mas o BCE teima em premiar os detentores de poupança e esperar pelos cortes dos juros da Reserva Federal dos EUA, apesar da valorização do euro nos últimos meses, ainda que ligeira”.
Terceira guerra mundial?
Para já, César das Neves afasta o risco de estar perante uma terceira guerra mundial. E justifica: “Isto que estamos a ter não é de todo um conflito desses”, aponta, acrescentando que “o impacto económico de uma guerra mundial é devastador, sendo a pior de todos as quebras económicas, com efeitos a vários níveis”.
Paulo Monteiro Rosa chama a atenção para o facto de as perdas humanas terem sido uma realidade nos últimos anos, sobretudo nos conflitos Ucrânia/Rússia e Israel/Hamas, mas lembra que “temos assistido nos últimos anos a uma guerra tecnológica, uma guerra entre máquinas, entre drones cada vez mais sofisticados pela inteligência artificial, mas uma verdadeira terceira guerra mundial entre humanos munidos por armas nucleares”, recordando a frase célebre atribuída a Albert Einstein quando o questionado sobre as armas que seriam utilizadas numa guerra mundial III: “Não sei com que armas a terceira guerra mundial será travada, mas a quarta guerra mundial será travada com paus e pedras”, salienta o economista.
Eleições dos EUA representam um risco?
Se há assunto que distingue republicanos e democratas nos EUA é a guerra na Ucrânia. Por um lado, Joe Biden fez da expansão da influência da NATO e da defesa irrestrita da Ucrânia um ponto-chave da sua política externa nos últimos anos. Já o discurso nacionalista de Donald Trump várias vezes se colocou de forma contrária ao investimento tão robusto numa aliança militar no estrangeiro.
Para César das Neves, “os dois candidatos têm propostas boas e más, mais más que boas por razões eleitorais”. Apesar disso, o economista é da opinião que “a abordagem isolacionista de Trump, com tarifas e bloqueios às alianças tradicionais é, de longe, a pior, seja em termos produtivos na economia interna, seja em termos diplomáticos na economia externa”, acrescentando que “as descidas de impostos podem ter um efeito positivo temporário na conjuntura, como em 2016, mas criam graves distorções estruturais a seguir”.
Já Nuno Mello refere que as eleições presidenciais, “como é habitual, podem revelar-se cruciais para Wall Street”, explicando que “as agendas económicas dos candidatos diferem, com os candidatos democratas e republicanos a prometerem aumentar o apoio a diferentes setores da economia”.
O analista da XTB defende existir uma grande diferença entre as políticas fiscais de Trump e Harris. “Nesta perspetiva, as políticas de Trump parecem ser mais benéficas para a economia e para os mercados bolsistas”. Por outro lado, “as políticas fiscais de Kamala Harris seriam provavelmente implementadas apenas no caso da sua vitória e de uma tomada de controlo democrata do Congresso”. Mas ressalva que “este não é um cenário de base, uma vez que se prevê que o poder continue dividido e, mesmo assim, os seus anúncios de um aumento significativo da taxa do imposto sobre as sociedades seriam confrontados com as expectativas dos seus atuais financiadores”. Por outro lado, acrescenta Nuno Mello, “o Presidente tem muito mais liberdade para implementar a política comercial e, neste caso, se Trump ganhar, o espetro de uma guerra comercial intensificada poderá pairar sobre os mercados”.
Por sua vez, Paulo Rosa nota que o défice orçamental dos EUA, à volta de 6%, “continua a agravar-se e a dívida pública de 35 biliões de dólares é superior a 120% do PIB nominal”. E acrescenta: “Qualquer governo saído das eleições de 5 de novembro terá muitas dificuldades em impulsionar a economia perante contas públicas tão frágeis”.
E recorda que, em 2016, Trump encontrou “uma economia com uma dívida pública de 80%, tendo tido alguma margem para descer os impostos, apesar de ter culminado num agravamento das contas públicas”. Mas Kamala Harris “também terá dificuldades em impulsionar a economia via despesa”.
Paulo Rosa acrescenta que, no mês passado, “11.º mês do ano fiscal de 2024, o défice orçamental foi de 380 mil milhões de dólares, impulsionando o saldo negativo das contas públicas em 2024 para 1,9 biliões, faltando apenas o mês de setembro para fechar o ano fiscal de 2024”.