“Todas as pessoas do mundo são agora programadores”. Chama-se programador a um profissional fluente numa linguagem de programação e que a usa para escrever programas compostos por sequências de instruções para um computador realizar as tarefas pretendidas. Com esta frase, o CEO da Nvidia, a empresa com maior valor de mercado do mundo por fabricar processadores para as aplicações de inteligência artificial, referia-se à capacidade dos recentes modelos de linguagem de grande escala, como o ChatGPT, aceitarem instruções na chamada linguagem natural usada para a comunicação entre humanos.
A linguagem foi sempre algo que me fascinou. É um sistema baseado em sinais, que podem ser sons, gestos ou símbolos, que usamos para representar a mensagem que pretendemos transmitir. A linguagem de programação partilha de algumas características da linguagem natural, como a necessidade de um vocabulário, sintaxe, gramática e semântica, mas com maior rigor formal pois o destinatário é um computador e a mensagem é um programa composto por um conjunto de instruções. Uma das principais diferenças é a pouca tolerância a erros da linguagem de programação: pequenos detalhes podem impedir a execução do programa ou produzir resultados catastróficos. A linguagem natural, pelo contrário, é extremamente flexível, expressiva e tolerante a erros. Podemos adaptar facilmente a mensagem ao destinatário e ao objetivo da comunicação.
Na escola aprendemos a escrever e a cumprir as regras formais de uma língua recorrendo, frequentemente, a exemplos de estilos literários usados por autores de relevo. No entanto, grande parte de nós vai aprendendo ao longo da sua vida que o rigor formal ou o estilo literário não são suficientes para uma escrita eficaz. O livro Writing for Busy Readers de Todd Rogers e Jessica Lasky-Fink da Harvard Kennedy School recorre a resultados da investigação em ciência comportamental e de estudos de comunicação para dar conselhos sobre a melhor forma de adaptar a mensagem ao destinatário. A teoria da carga cognitiva indica que os nossos recursos mentais são limitados, levando-nos a ignorar ou adiar mensagens complexas se acharmos que o esforço para as compreender não compensa. Uma escrita eficaz exige ao autor o trabalho adicional de elaborar uma mensagem curta, bem estruturada e de resposta fácil. Como escreveu Blaise Pascal: “Fiz esta carta mais longa do que o habitual porque me faltou o tempo para a fazer mais curta.”
A linguagem é, também, uma ferramenta para o pensamento. Habitualmente, desenvolvemos os processos cognitivos exclusivamente no nosso cérebro, mas existem vantagens em juntar a escrita a esse processo. “Escrever para pensar” é um conceito em que a escrita é utilizada como uma ferramenta para clarificar e desenvolver pensamentos. A contrário da escrita eficaz, esta tem de ser rápida, seguindo a velocidade do pensamento, registando as ideias que vão surgindo e a sua análise crítica. Podemos rever a sequência do raciocínio e retomar ideias que anteriormente não pareciam prometedoras e que teríamos esquecido se não as tivéssemos escrito. Como escreveu Paul Graham: “As ideias podem parecer completas, só quando tentamos pô-las em palavras é que descobrimos que não estão.”
Se não é um programador, pode confirmar a frase de Jensen Huang dando, por exemplo ao ChatGPT, a seguinte instrução “escreve um programa em Python que pede uma frase ao utilizador e gera a lista alfabética das palavras que contém”. Pode depois aceder ao endereço online-python.com, colocar o programa na janela superior e carregar no botão “Run”. Parabéns, acabou de executar o seu primeiro programa. Há de reparar que o programa não remove a pontuação e ordena mal as letras com acentos. Seria necessário indicar com mais detalhe o que pretende, dado que o seu interlocutor, o modelo de linguagem, vai dar uma resposta à sua instrução sem tentar adivinhar a utilidade do resultado.
Ao contrário da escrita literária, da escrita eficaz e da escrita para pensar, a escrita para interagir com modelos de linguagem exige uma descrição detalhada do que pretendemos. Além disso, sem as limitações humanas, os modelos de linguagem podem dar respostas criativas. Uma medida de criatividade é o chamado teste de usos alternativos de Guilford, onde se pedem usos alternativos para um objeto. Se pedir “indica usos diferentes e originais para uma lata” obterá respostas que provavelmente não se lembraria e que poderão ir desde um suporte de fita cola até um relógio solar. Para além de criativos, os modelos de linguagem têm a capacidade de ajustar o estilo da nossa escrita, tanto ao objetivo de comunicação como ao seu destinatário.
Será interessante reforçar o ensino da língua praticando a adaptação aos seus múltiplos usos. No entanto, a prática da escrita na escola é tradicionalmente baseada em trabalhos de casa que os modelos de linguagem tornaram ineficazes. Alunos da Turquia a quem foi dado acesso ao ChatGPT pensavam que aprenderam muito com o seu uso, mas tiveram 17% pior desempenho no exame final do que os colegas sem esse acesso. O ensino da língua é essencial, mas estas recentes mudanças exigem repensar a forma como o fazemos, por exemplo, aumentando a frequência da prática da escrita na aula. Um texto com as ideias iniciais dos alunos pode depois ser trabalhado, com ou sem apoio da inteligência artificial, para chegar a um texto final. Como disse Ernest Hemingway “A única forma de escrever é reescrever”.
Professor do Instituto Superior Técnico