Gena Rowlands. A atriz que mudou a história do cinema

Gena Rowlands. A atriz que mudou a história do cinema


1930-2024 Atriz


Tinha os olhos verdes e um rosto forte. Era alta e tinha os cabelos da cor do ouro. Não sorria muito, mas quando o fazia, uma covinha carregada surgia na bochecha direita. A sua versatilidade era inigualável. Viveu centenas de vidas e deixou um legado invejável no cinema independente dos EUA. Durante a sua carreira de sete décadas, foi vencedora de Emmys e Globos de Ouro, de prémios de interpretação em festivais internacionais. Apesar de nunca ter ganho um Óscar, foi nomeada duas vezes com os filmes: Uma mulher sob influência, de 1974, em que interpretava uma mulher e mãe que se debatia sob o peso da harmonia doméstica, e Gloria, de 1980, sobre uma mulher que ajuda um rapaz a fugir da máfia. Além disso, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood deu-lhe um prémio honorário em 2015. «Sabem o que é maravilhoso em ser atriz? Não se vive apenas uma vida», disse no palco. «Vive-se muitas vidas», acrescentou.

Mulher e musa do realizador John Cassavetes, com quem fez cerca de 10 filmes, Gena Rowlands, morreu no dia 14 de agosto, aos 94 anos, na sua casa de Indian Wells, na Califórnia. Em junho, o filho Nick Cassavetes (também ele realizador) informara os meios de comunicação da sua frágil condição de saúde – tal como a personagem que interpretou no filme O Diário da Nossa Paixão, filme de 2004 baseado no livro de Nicholas Sparks -, a artista sofria de Alzheimer. «Ela está em plena demência. E é insano: já vivemos isso na nossa família e ela já o interpretou», confidenciou ao Entertainment Weekly. A mãe da atriz morreu vítima da mesma doença. 

Os primeiros passos

Rowlands nasceu no Wisconsin em junho de 1930 e era filha de um banqueiro e político e de uma atriz. Segundo a NPR, sempre foi uma criança doente e muito exigente. Felizmente, tal como revelou numa entrevista ao podcast WHYY’s Fresh Air, foi abençoada com uma mãe brincalhona e muito criativa. «Eu não comia cenouras e lembro-me de uma vez a minha mãe ter cortado uma em formato de peixe e a ter colocado num aquário com água. Disse-me depois que estava com uma vontade incontrolável de o comer. Eu pedi-lhe que não o fizesse e ela disse-me que só não o faria se eu comesse cenouras. Ela era realmente muito criativa», revelou. A família mudou-se várias vezes tento em conta o trabalho do seu pais. Depois da faculdade – onde era muito conhecida pela sua beleza -, mudou-se para Nova Iorque, onde estudou na Academia Norte-Americana de Artes Dramáticas e foi lá que conheceu aquele que viria a ser o grande amor da sua vida John Cassavetes. «Sempre quis ser atriz; lia muito quando era pequena e isso revelou-me que havia outras coisas para fazer», disse ao The New York Times, em 2016.

Rowlands acabou por fazer teatro e televisão antes de estrear na Broadway em Middle of the Night, em 1956. Dois anos depois, conseguiu o seu primeiro papel no cinema em The High Cost of Loving. Em 1960, Cassavetes conseguiu usar os rendimentos da série televisiva Johnny Stacatto para financiar o seu primeiro filme, Sombras. De acordo com a Euronews, quase improvisado, filmado com luz natural em locais de Nova Iorque e com um orçamento de 40 mil dólares, este foi aplaudido pela crítica pelo seu realismo. «Não era como trabalhar para qualquer outra pessoa. A liberdade que o John dava aos seus atores era espantosa», disse ao crítico de cinema Roger Ebert, em 2016.

Uma equipa brilhante 

Fora do sistema de estúdio, o casal acabou por criar retratos indeléveis de lutadores da classe trabalhadora e pequenos habitantes em filmes como Rostos, em 68 – que foi filmado quase todo na sua casa –, e Uma Mulher sob Influência, em 74 – que foi, segundo os críticos, a obra-prima conjunta do casal. «Nos filmes de Cassavetes, Rowlands foi capaz de se dar de forma abrangente, ser ela mesma e permitir que os extremos mais selvagens de sentimentos a dominassem diante das câmaras. Isso não se deve somente ao vínculo pessoal do casal. É também porque Cassavetes, atrás das câmaras, se entregava completamente e tinha uma grande capacidade de resposta às pessoas que filmava e às situações que elas criam. Nos filmes, a atriz e o realizador quase que se encontram na superfície da imagem, produzindo uma sensação de risco partilhado, vulnerabilidade e igualdade», escreveu The New Yorker. Segundo a própria atriz, os filmes do seu marido, mostram o seu «particular interesse empático pelas mulheres e pelos seus problemas na sociedade, como elas eram tratadas e como elas os resolviam e ultrapassavam o que tinham a ultrapassar», disse em declarações de à AP, em 2015. Cassavetes morreu de cirrose hepática em 1989, mas Rowlands continuou a trabalhar para aliviar a dor. «Quero que toda a gente veja os filmes dele», disse no Festival de San Sebastián, em 1992. 

Apesar de se terem seguido inúmeros trabalhos, foi em 2004, que Gena voltou a emocionar mundo pelo sucesso do filme realizado pelo filho, O Diário da Nossa Paixão, no qual interpretou uma mulher vítima de Alzheimer que vive num lar com o seu marido que já não reconhece e que lhe lê o diário que esta escreveu durante a vida. Na fase final da carreira, Gena fez várias aparições em filmes e na televisão, incluindo em The Skeleton Key e na série policial Monk. O seu último trabalho foi em 2014, no papel de uma reformada que faz amizade com o seu instrutor de dança homossexual em Six Dance Lessons in Six Weeks.

Nas redes sociais, muitos artistas fizeram questão de a homenagear. Viola Davis, foi uma delas: «Perdemos uma das grandes. A icónica Gena Rowlands. A sua presença nas telas, a sua profundidade, complexidade, vulnerabilidade e absoluta bravura ficou gravada em cada ser humano que representaste. Conseguiste! Fizeste a mudança!», escreveu a atriz norte-americana. «Que atriz inspiradora e que beleza… Partir aos 94 anos continua a ser um privilégio quando vives uma vida tão extraordinária e um amor como o dela», escreveu a atriz francesa Gwendoline Hamon, afirmando que Gena foi uma das inspirações para que seguisse a profissão. Em Portugal, Maria João Bastos também homenageou a atriz: «Obrigada Gena Rowlands! Uma das minhas atrizes favoritas, uma das minhas grandes referências, uma das mais brilhantes atrizes de sempre, um ícone do cinema que felizmente deixa uma obra que irei revisitar sempre para matar saudades!», escreveu.