Em junho, o Conselho de Administração (CA) da ULS de Viseu Dão-Lafões, liderada por Nuno Duarte, demitiu-se no seguimento das declarações da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, na Assembleia da República que acusou as lideranças hospitalares de serem fracas. E deu o exemplo desta ULS por ter encerrado as urgências pediátricas. «Não é aceitável ter em janeiro hospitais com profissionais já com o valor de horas extra anuais obrigatórias atingido». «Tem de haver escrutínio, tem de haver avaliação de desempenho para os gestores», sublinhou a governante. O CA da ULS de Viseu, escreveu à ministra a informar «já não reunir as condições para continuar a exercer o seu mandato».
Um mês depois, na passada semana, foi aprovada em reunião de Conselho de Ministros a nomeação do novo CA, que passa agora a ser presidido por António Sequeira. Com um percurso político ligado ao PS, tendo sido representante na Assembleia Municipal de Coimbra em 2014 e membro do Gabinete de Estudos da Federação de Coimbra do PS, António Sequeira, foi diretor-executivo do Agrupamento de Centros de Saúde do Pinhal (ACeS) Pinhal Interior Norte entre 2009 e 2012 e presidente do Conselho de Administração do Hospital do Arcebispo João Crisóstomo – Cantanhede entre 2016 e 2020. Ingressou na Administração Pública em 1994 e pertence ao quadro de pessoal da ARS Centro. Onde o Governo o foi buscar para liderar a ULS de Viseu.
Queixas por assédio moral e sexual
Sendo este o percurso profissional na área da Saúde do novo presidente, o historial académico e as polémicas que envolveram a sua carreira não são tão concisos e lineares. António Sequeira, além de apresentar nas notas curriculares vários cursos distintos, licenciaturas que afinal são cursos em estudos superiores especializados e diplomas que derivam de equivalências, conta ainda no seu historial com três queixas de assédio que ocorreram na altura em que desempenhava funções na ACeS do Pinhal Novo. Um processo que começou com uma acusação de assédio moral e desencadeou mais queixas por assédio sexual por parte de três funcionárias. Este decorreu no âmbito da ARS Centro que, depois da fase instrutória, encaminhou para a Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS). O relatório final propôs o encerramento, o qual foi ratificado pelo ministro da Saúde do Governo de Passos Coelho, Paulo Macedo. Ouvido pelo Nascer do Sol, António Sequeira confirma que «essas queixas existiram». «Fui notificado numa primeira fase pela ARS Centro para me pronunciar sobre um caso de assédio moral. Mais tarde as pessoas arrolaram outras testemunhas e do assédio moral houve duas ou três pessoas que me acusaram de assédio (sexual)». Mas garante que é inocente: «Tive mais de 30 pessoas, mulheres, muitas delas dispensadas pelo inspetor da IGAS, que garantiram que ficavam até altas horas da noite no centro de saúde e nunca tiveram problemas. Disseram mesmo que ‘o Dr. António Sequeira já nos deu boleia e nunca houve problema nenhuns’». «Fui interrogado várias vezes por causa de um indeferimento de um horário e coisas administrativas», conta. Com as testemunhas chegaram novas queixas de outro índole. Sobre estas acusações, António Sequeira garante: «Tive pessoas do meu lado que me defenderam e que garantiram que, relativamente a elas, nunca houve uma situação dessas».
António Sequeira acabou por não ser reconduzido como diretor-executivo do ACeS e só em 2016 é que volta para direção hospitalar como presidente do Hospital de Cantanhede, cargo que exerceu apenas num mandato. É neste período, entre 2012 e 2016, que se envolve na vida partidária concelhia do PS.
Currículo controverso
Quanto ao seu currículo académico (ver caixa), António Sequeira tem como formação base o Curso das Tecnologias das Indústrias Agro-Alimentares o qual, com o passar do anos e conforme as notas curriculares publicadas em Diário da República, passou a Licenciatura em Engenharia Alimentar. Tem ainda formação em Marketing e frequentou várias universidade privadas. Uma delas, a Universidade Internacional da Figueira da Foz, foi encerrada compulsivamente no ano do qual data o diploma a António Sequeira em Gestão. Entre licenciaturas que têm como base equivalências, um mestrado que começou em Marketing e acabou em Gestão e outras complexas formações, o presidente da ULS Viseu, tem apresentado diferentes notas biográficas nas várias nomeações.
António Sequeira tem explicação para cada uma delas. «O meu curso tem três designações: eu tenho o bacharelato em Tecnologia Agro-Alimentares, depois atribuíram-me o diploma por equiparação do curso ao processo de Bolonha e depois foi-me dado o diploma de Engenharia Alimentar». Segundo declarou ao Nascer do SOL, «mais tarde resolvi tirar um curso de Estudos Superiores Especializados e fui tirar o curso de Marketing ao Porto, não pelo Marketing, mas porque o curso era noturno e eu tinha de trabalhar». Mascomo na altura «os Politécnicos não podiam atribuir o grau de licenciatura, mas se eu tivesse um bacharelato em Marketing, era-me atribuído logo o grau de licenciado» Visto que o bacharelato não era de Marketing, «deram-me um diploma de ESE e eu, na minha interpretação, achei que a lei me conferia o grau de equiparado para efeitos de concurso para justificar a entrada na carreira técnica superior. Fiz uma exposição à direção-geral do Ensino Superior e informaram-me que eu era equiparado a licenciado para todos os efeitos. Usei essa prerrogativa, enviei para a escola – eles nem sabiam. Se na altura precisasse de ser opositor a um concurso, tinha ali um documento legal que esclarecia essa situação». E assim foi. Posteriormente, conta o próprio, «percebi que para progredir na carreira da administração pública e para não haver dúvidas, fui tirar a licenciatura em Gestão para a Universidade Internacional da Figueira da Foz. Peguei nas cadeiras, pedi equiparações, deram-me várias dos vários anos e, pronto, fiz a licenciatura, também porque era regime noturno», explica.
Quanto ao Mestrado em Marketing, «fiz a parte escolar mas nunca me entendi com a minha orientadora. O tempo foi passando, o dinheiro não abonava, a disponibilidade mental e física também não era a melhor e eu fiz a parte curricular. Mais tarde, tendo a parte curricular, peguei num tema e escolhi outro orientador. Quando fui fazer a inscrição na Universidade Portucalense, não havia o mestrado em Marketing mas em Gestão. Deram-me equivalência ao primeiro ano, matriculei-me na tese que demorou bastante tempo. Mas tenho o diploma de mestre em Gestão». A última formação data de há um ano. «Numa tentativa de criar currículo fui para a Lisboa, para a Escola Superior de Saúde Pública, e com muito sacrifício tirei o curso de Especialização e Administração Hospitalar». De resto, António Sequeira garante que no Hospital de Cantanhede fez «um excelente trabalho». «Ainda hoje tenho lá pessoas amigas que me ligam, pessoas que não têm nada a ver com a Saúde. Só para dizer que tive sempre um bom relacionamento no hospital».
O Nascer do SOL contactou o Ministério da Saúde e a DE-SNS para se pronunciarem sobre este caso, mas até ao fecho da edição não obteve resposta.
Percurso académico e CVs
Nota curricular publicada no Diário da República em 2007 para a nomeação como chefe de Divisão de Promoção, Avaliação e Acompanhamento de Projectos em Aveiro, (Ministério da Agricultura):
“Concluiu a parte escolar do Mestrado em Marketing;
Concluiu o curso de Gestão de Marketing;
Concluiu o Curso das Tecnologias das Indústrias Agro-Alimentares”.
Diplomas à data:
Abril de 1994 –Curso de Bacharelato em Tecnologias das Industrias Agro-Alimentares (11 valores) pela Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC).
Portaria de 1996 – Bacharelato passou a designar-se Engenharia das Indústrias Agro-Alimentares.
Março de 1997 – Curso de Estudos Superiores Especializados em Gestão de Marketing (CESE) (15 valores) pelo Instituo Português de Administração de Marketing (IPAM).
Outubro de 1999 – É dada a informação, a requerimento do próprio, pelo IPAM de que lhe foi conferido o diploma de ESE «pelo que não pode referenciar a posse do grau de licenciado». Mas, «no entender (do IPAM) para efeitos profissionais e académicos, o diploma de ESE, é equivalente ao grau licenciado».
Março de 2000 – Parte escolar do Mestrado em Marketing (14 valores) pela Universidade Portucalense.
Nota curricular publicada no DR em Abril 2009 da nomeação para diretor-executivo da ACES do Pinhal Interior Norte I
“Mestrado em Marketing (fase teórica), pela Universidade Portucalense;
Licenciatura em Gestão de Marketing, pelo IPAM;
Licenciatura em Engenharia Alimentar”.
Diplomas à data:
Julho de 2008 – Concluiu Licenciatura em Engenharia Alimentar (11 valores) na ESAC.
Nota curricular publicada do DR em Agosto 2016:
“Mestrado em Gestão pela Universidade Portucalense (2015);
Licenciatura em Gestão pela Universidade Internacional da Figueira da Foz (2009);
Pós-Graduação em Marketing pela Universidade Portucalense (2000);
Diploma de ESE em Gestão de Marketing IPAM (1997)”.
Diplomas à data:
Junho de 2009 – Concluiu o grau de licenciado em Gestão pela Universidade Internacional da Figueira da Foz (resposta ao requerimento pedido
pelo próprio em 2017). A universidade foi encerrada compulsivamente em maio de 2009.
Novembro de 2015 – Mestrado em Gestão (14 valores) pela Universidade Portucalense.
Nota curricular no despacho de nomeação para ULS de Viseu em agosto de 2024:
“Mestrado em Gestão pela Universidade Portucalense (2015);
Licenciatura em Gestão pela Universidade Internacional da Figueira da Foz (2009);
Diploma de ESE em Gestão de Marketing IPAM (1997).
Curso de Especialização em Administração Hospitalar (2021), ministrado pela Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa.
Diplomas à data:
Março de 2023 – Curso de Especialização em Administração Hospitalar (14 valores).
Docente no ensino superior:
1997 – Orientação de estágios no IPAM;
1999 – 2000 – lecionou a disciplina de Marketing Internacional no Instituto Superior de Línguas e Administração de Leiria (ISLA);
2002-2003 – Lecionou
a disciplina de Atelier de Marketing na Escola Superior de Educação de Coimbra.
