Os venezuelanos acorreram às urnas no passado domingo e aconteceu o que já se vaticinava. O Conselho Nacional de Eleições (CNE), um órgão integrante do polvo autocrático do regime chavista, atribuiu a vitória a Nicolás Maduro, contrariando todas as sondagens, principalmente as realizadas à boca da urna, que anunciavam uma vitória esmagadora da oposição liderada por María Corina Machado.
A percentagem anunciada do PSUV de Maduro foi de exatamente 51,2%, enquanto Edmundo González – que assumiu a candidatura após a proibição de Corina Machado – conseguiu apenas, e também de forma exata, 44,2%.
Se a demora na publicação dos resultados e a não divulgação das actas remetia fortemente para uma fraude eleitoral, a exatidão das percentagens deixa esta hipótese ainda mais evidente.
Acrescendo a tudo isto, é certo, a mobilização popular de proporções históricas que pede o fim do regime implantado por Hugo Chávez e seguido, nos últimos onze anos, por Nicolás Maduro.
‘Até tu, Lula?’
Naturalmente, a comunidade internacional manifestou reservas e preocupações imediatas quanto aos resultados apresentados pelo CNE. Uma reação que reuniu governos e fações da esquerda à direita. É a democracia, e principalmente a vida de milhões de venezuelanos, que está em jogo.
A aparente concordância com algumas regras do jogo democrático para mascarar um regime autocrático não é novidade. Existem vários países cujos Governos se comportam de tal forma. É o caso da Rússia, da China, de Cuba, de Nicarágua, de Honduras e até do Irão, se bem que com certas diferenças. Por coincidência, foi este o leque de países que reconheceu e felicitou a vitória eleitoral de Maduro.
Nem Lula da Silva, Presidente do Brasil, um dos políticos da América do Sul que maior empatia demonstra ao regime venezuelano, o fez nestes termos e espera pela divulgação das actas eleitorais.
Ainda assim, o Presidente brasileiro parece não estar muito empenhado no processo nem menciona a possível fraude eleitoral, talvez por uma questão diplomática, não se afastando na totalidade dos seus parceiros do BRICS.
A rejeição do resultado parece consensual na esquerda moderada, com o Presidente chileno, o socialista Gabriel Boric, a afirmar que «o regime de Maduro deve entender que os resultados que publicou são difíceis de acreditar».
O fraticídio
Até o Partido Comunista da Venezuela, em contraste com o português, levantou questões sobre a ilegalidade das eleições, chegando até a existir um atrito entre as irmandades marxistas.
«Conhecem a Venezuela melhor que nós?», pode ler-se no comunicado do PCV endereçado ao PCP, que defendeu a «importante vitória» das «forças progressistas, democráticas e patriotas da Venezuela» frente a um «projeto reacionário, antidemocrático e de abdicação nacional».
Os comunistas deste lado do Atlântico, talvez por desconhecimento da realidade venezuelana, talvez por se darem conta que a América do Sul representa a última esperança da implementação do seu ideal utópico, decidiram apoiar um déspota responsável por conduzir a Venezuela – outrora com uma economia estável e com abundância em recursos naturais – a níveis de pobreza avassaladores.
Também José Luis Rodríguez Zapatero, ex-presidente do Governo de Espanha, expressou a sua indignação quanto às acusações de fraude por parte da comunidade internacional.
O ex-líder do Executivo espanhol já demonstrou simpatia pelo regime de Maduro em várias ocasiões e é também, por sinal, o único líder do Partido Socialista espanhol que apoia o atual presidente do Governo, Pedro Sánchez. Felipe González, um dos rostos da transição democrática, tem demonstrado insatisfação com a conduta do governante.
Zapatero, que como noticiou o El Mundo, é um «grande aliado de Maduro na Europa e um dos seus principais lobistas em Espanha», também não assinou a petição do Grupo de Puebla – um fórum de esquerda que reúne nomes proeminentes da academia e da política – para que se publiquem as actas das eleições presidenciais venezuelanas.
A iniciativa foi tomada por Leonel Fernández, ex-Presidente da República Dominicana e um dos membros da delegação do grupo que foi enviada para a Venezuela. A petição sugere que «o Conselho Nacional de Eleições, tal como sugeriram o secretário-geral da ONU e o Centro Carter, garanta a transparência do processo eleitoral publicando a totalidade das actas de escrutínio, desagregadas por centros e mesas de votação».
É uma recomendação normal de uma esquerda democrática que não quer ficar manchada com este episódio de Maduro.
Porém, apenas Ernesto Samper, ex-Presidente da Colômbia, aderiu à iniciativa.
O fim anunciado do chavismo
María Corina Machado declarou que teve acesso às atas de cerca de 82% das mesas e anunciou a vitória esmagadora de Edmundo González frente a Nicolás Maduro, tal como previsto pelas sondagens. Segundo os números publicados no site ‘resultadosconvzla’, González obteve 67% dos votos.
Mais 37% que Maduro.
Na quarta-feira, a Organização dos Estados Americanos (OEA) convocou uma sessão extraordinária do Conselho Permanente onde foi apresentado um requerimento de publicação dos resultados detalhados das eleições, bem como permitir a «presença de organizações de observação independentes para garantir a transparência, credibilidade e legitimidade dos resultados eleitorais».
A resolução acabou por não ser aprovada, contando com dezassete votos a favor, onze contra e cinco ausências.
Porém, há algo importante a retirar deste encontro. Se bem que o apoio de dezassete países do continente é claramente relevante, a posição dos Estados Unidos é a que assume maior preponderância.
O subsecretário dos Assuntos do Hemisfério Ocidental dos EUA, Brian Nichols, deixou clara a posição americana, dando a conhecer que acredita na irrefutabilidade da vitória de Edmundo González.
A tensão continua a aumentar nas ruas venezuelanas, com Corina Machado a anunciar já dezasseis mortos nas manifestações fruto daquilo que a opositora – que tem já um mandado de detenção – caracteriza como «escalada cruel e repressiva do regime».
Os manifestantes já derrubaram também uma estátua de Hugo Chávez, um ato carregado de simbolismo e que marca, como ensina a história, o início do fim dos regimes autoritários.
Seja como for, e mesmo que Maduro se agarre ao poder de todas as formas por enquanto, o chavismo tem o seu fim anunciado, com a esmagadora maioria do povo venezuelano a desejar melhores condições de vida, desenvolvimento e, acima de tudo, liberdade.