Qual é a relação entre crescimento económico e impacte ambiental?


As emissões de dióxido de carbono estão a diminuir na generalidade dos países desenvolvidos. No entanto, a atual velocidade de diminuição das emissões não é suficiente para cumprir o Acordo de Paris.


A relação entre crescimento económico e impacte ambiental é um debate fundamental dos nossos tempos. Será que o crescimento económico leva a um aumento do impacte ambiental ou, pelo contrário, pelo menos a partir de um certo ponto de desenvolvimento, o crescimento económico pode levar a redução de impacte?

No debate científico sobre este tema, é aqui que entra o que se designa como a “Curva de Kuznets Ambiental” (CKA). De acordo com esta hipótese, no início do seu desenvolvimento, os países aumentam o seu impacte ambiental, mas depois começam a diminuí-lo.

O debate sobre a CKA iniciou-se nos anos 90, com a publicação de um famoso artigo pelos economistas Gene Grossman e Alan Krueger, com o título “Economic Growth and the Environment”. Concluíram, para quatro indicadores ambientais (associados a poluição atmosférica urbana e poluição dos rios por esgotos e metais pesados), que de facto a CKA se verificava: até um nível de rendimento per capita de 8000 dólares, estes indicadores pioravam, e depois melhoravam.

Este artigo, extremamente influente, deu origem a uma gigantesca atividade de investigação sobre múltiplos indicadores ambientais, usando diversos indicadores estatísticos. Concluiu-se, em geral, que indicadores associados a problemas ambientais locais, nomeadamente geríveis dentro do espaço de um país, tendiam a seguir a CKA, mas tal não acontecia com problemas globais, como as emissões de dióxido de carbono, dada a necessidade de coordenação entre múltiplos países.

Em relação às emissões de dióxido de carbono, no final do século XX o debate era se sequer seria possível reduzir a intensidade do Produto Interno Bruto (PIB), isto é, as emissões por unidade de riqueza gerada (aquilo que se designa como “desligamento relativo”).

Na primeira década do século XXI, este debate estava esclarecido: esta intensidade, a partir de um certo ponto de desenvolvimento, de facto diminuía. O debate mudou então para uma questão diferente: mesmo atingindo desligamento relativo, se o PIB aumentasse mais depressa que a redução de intensidade de emissões, iríamos continuar a ter um aumento das emissões totais, isto é, não teríamos um “desligamento absoluto” entre crescimento económico e impacte ambiental.

Na passagem para a década de 2010, constatou-se que já havia países que tinham atingido o desligamento absoluto, isto é, o cumprimento da CKA. Foi então introduzida no debate uma nova questão: será que países como a Dinamarca ou o Reino Unido estavam a reduzir as suas emissões simplesmente porque se tinham desindustrializado e passado a importar os bens intensivos em emissões de carbono de outros países (como a China)? Esta pergunta corresponde a distinguir, em termos de emissões de carbono, as emissões “territoriais” (isto é, as geradas no interior das fronteiras do país) das emissões de “consumo” (isto é, as associadas à produção dos bens e serviços consumidos num país, quer essa produção se dê no próprio país, quer noutros países).

Agora, na década de 2020, podemos constatar que não só as emissões territoriais mas também as emissões de consumo estão a diminuir na generalidade dos países desenvolvidos. No entanto, a atual velocidade de diminuição das emissões não é suficiente para cumprir o Acordo de Paris.

E como estamos em Portugal em relação a estas questões?

O Instituto Superior Técnico, sob coordenação de Ricardo da Silva Vieira e minha, realizou um estudo para a Fundação Calouste Gulbenkian sobre os impactes ambientais da economia portuguesa ao longo das últimas décadas, considerando os temas ambientais de alterações climáticas, destruição da camada de ozono, pressão sobre os ecossistemas, poluição da água por azoto e fósforo, uso de recursos hídricos, poluição do ar e produção e deposição de resíduos sólidos.

Neste estudo, publicado em 2021, concluímos que o crescimento económico é a principal causa do aumento dos impactes ambientais na maioria destas categorias, com particular relevância para a produção e deposição de resíduos. A exceção clara a este padrão, onde o crescimento económico não está ligado ao aumento de impacte ambiental, refere-se às categorias ligadas à agricultura, como a poluição da água por azoto e fósforo e o uso de recursos hídricos.

Conseguimos também identificar os casos em que a implementação de políticas públicas eficazes permitiu reduzir a ligação entre crescimento económico e impacte ambiental, através da promoção da descarbonização da produção de eletricidade, da eficiência energética (para a indústria e os edifícios), de veículos e combustíveis mais limpos, da regulação da produção e consumo de substâncias que destroem a camada de ozono e da valorização dos resíduos.

Em síntese, não é inevitável que o crescimento económico leve a um maior impacte ambiental, mas, para muitas categorias ambientais, ainda não descobrimos como o fazer (ou não estamos a fazê-lo suficientemente depressa).

Professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico

Qual é a relação entre crescimento económico e impacte ambiental?


As emissões de dióxido de carbono estão a diminuir na generalidade dos países desenvolvidos. No entanto, a atual velocidade de diminuição das emissões não é suficiente para cumprir o Acordo de Paris.


A relação entre crescimento económico e impacte ambiental é um debate fundamental dos nossos tempos. Será que o crescimento económico leva a um aumento do impacte ambiental ou, pelo contrário, pelo menos a partir de um certo ponto de desenvolvimento, o crescimento económico pode levar a redução de impacte?

No debate científico sobre este tema, é aqui que entra o que se designa como a “Curva de Kuznets Ambiental” (CKA). De acordo com esta hipótese, no início do seu desenvolvimento, os países aumentam o seu impacte ambiental, mas depois começam a diminuí-lo.

O debate sobre a CKA iniciou-se nos anos 90, com a publicação de um famoso artigo pelos economistas Gene Grossman e Alan Krueger, com o título “Economic Growth and the Environment”. Concluíram, para quatro indicadores ambientais (associados a poluição atmosférica urbana e poluição dos rios por esgotos e metais pesados), que de facto a CKA se verificava: até um nível de rendimento per capita de 8000 dólares, estes indicadores pioravam, e depois melhoravam.

Este artigo, extremamente influente, deu origem a uma gigantesca atividade de investigação sobre múltiplos indicadores ambientais, usando diversos indicadores estatísticos. Concluiu-se, em geral, que indicadores associados a problemas ambientais locais, nomeadamente geríveis dentro do espaço de um país, tendiam a seguir a CKA, mas tal não acontecia com problemas globais, como as emissões de dióxido de carbono, dada a necessidade de coordenação entre múltiplos países.

Em relação às emissões de dióxido de carbono, no final do século XX o debate era se sequer seria possível reduzir a intensidade do Produto Interno Bruto (PIB), isto é, as emissões por unidade de riqueza gerada (aquilo que se designa como “desligamento relativo”).

Na primeira década do século XXI, este debate estava esclarecido: esta intensidade, a partir de um certo ponto de desenvolvimento, de facto diminuía. O debate mudou então para uma questão diferente: mesmo atingindo desligamento relativo, se o PIB aumentasse mais depressa que a redução de intensidade de emissões, iríamos continuar a ter um aumento das emissões totais, isto é, não teríamos um “desligamento absoluto” entre crescimento económico e impacte ambiental.

Na passagem para a década de 2010, constatou-se que já havia países que tinham atingido o desligamento absoluto, isto é, o cumprimento da CKA. Foi então introduzida no debate uma nova questão: será que países como a Dinamarca ou o Reino Unido estavam a reduzir as suas emissões simplesmente porque se tinham desindustrializado e passado a importar os bens intensivos em emissões de carbono de outros países (como a China)? Esta pergunta corresponde a distinguir, em termos de emissões de carbono, as emissões “territoriais” (isto é, as geradas no interior das fronteiras do país) das emissões de “consumo” (isto é, as associadas à produção dos bens e serviços consumidos num país, quer essa produção se dê no próprio país, quer noutros países).

Agora, na década de 2020, podemos constatar que não só as emissões territoriais mas também as emissões de consumo estão a diminuir na generalidade dos países desenvolvidos. No entanto, a atual velocidade de diminuição das emissões não é suficiente para cumprir o Acordo de Paris.

E como estamos em Portugal em relação a estas questões?

O Instituto Superior Técnico, sob coordenação de Ricardo da Silva Vieira e minha, realizou um estudo para a Fundação Calouste Gulbenkian sobre os impactes ambientais da economia portuguesa ao longo das últimas décadas, considerando os temas ambientais de alterações climáticas, destruição da camada de ozono, pressão sobre os ecossistemas, poluição da água por azoto e fósforo, uso de recursos hídricos, poluição do ar e produção e deposição de resíduos sólidos.

Neste estudo, publicado em 2021, concluímos que o crescimento económico é a principal causa do aumento dos impactes ambientais na maioria destas categorias, com particular relevância para a produção e deposição de resíduos. A exceção clara a este padrão, onde o crescimento económico não está ligado ao aumento de impacte ambiental, refere-se às categorias ligadas à agricultura, como a poluição da água por azoto e fósforo e o uso de recursos hídricos.

Conseguimos também identificar os casos em que a implementação de políticas públicas eficazes permitiu reduzir a ligação entre crescimento económico e impacte ambiental, através da promoção da descarbonização da produção de eletricidade, da eficiência energética (para a indústria e os edifícios), de veículos e combustíveis mais limpos, da regulação da produção e consumo de substâncias que destroem a camada de ozono e da valorização dos resíduos.

Em síntese, não é inevitável que o crescimento económico leve a um maior impacte ambiental, mas, para muitas categorias ambientais, ainda não descobrimos como o fazer (ou não estamos a fazê-lo suficientemente depressa).

Professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico