Vai estranho este Verão, com as alternâncias meteorológicas em registo tropical, projetadas em relevantes impactos nas produções agroalimentares e nas dinâmicas dos humanos habituados a alguma previsibilidade nesta altura do ano. Apesar das modelações e das alterações políticas, há traços nacionais que nunca mudam, podendo sofrer ajustes de graduação que não transmutam a realidade.
Portugal é adverso à transparência, à organização e à previsibilidade, formatado que está nas condições naturais favoráveis, no tradicional desenrascanço e num certo conformismo com as realidades, mesmo que elas se traduzam em injustiças, desigualdades e perigosos deslaços de afirmação individual e coesão comunitária, que acolhe a dimensão social e territorial.
O trabalho não é adequadamente remunerado, por opção, circunstância ou efeito da carga fiscal imposta às empresas, gerando mecanismos compensatórios que mais não são do que formas de sublinhar o insuficiente reconhecimento das funções e das prestações do trabalho. Entre a criatividade dos subterfúgios para compensar o trabalhador pelo nível do trabalho e a solução legal que o Estado adotou para sublinhar esse reconhecimento, há margem para expressões diversas da economia paralela, também induzida pelo critério estadual. É assim, sobretudo tendo por referência o desempenho de determinadas funções públicas, com frágil solidez de critério antes de partir para a aplicação concreta das soluções, que surgem os suplementos remuneratórios. Não se reconhece e paga adequadamente o que se devia no desempenho de uma determinada missão ou função, compensa-se com um suplemento. Acaba por ser como o subsídio de refeição que ao longo dos anos acabou por ser assimilado pelo salário mensal, sendo algo distinto.
Portugal é o país dos suplementos, porque paga mal e tem uma elevada carga fiscal para o nível de salários que se pagam e para a qualidade dos serviços públicos que existem. Acresce que no quadro de iô-iô em que se têm vivido as últimas décadas, ora se tem, ora não se tem, excetuando o salário mínimo nacional, boa parte das remunerações do trabalho têm tido evoluções positivas tímidas e as progressões nas carreiras marinam na indiferença do anémico reconhecimento luso do mérito ou nos espartilhos de quotas para o seu reconhecimento com consequências para os estados de alma individuais e coletivos. Sem esquecer, na composição do quadro, uma degradação do exercício político, um acumular de perceções e realidades de sentimentos de injustiça relativa ou generalizada, a natureza humana enformada pelas invejas e afins, a mediana do posicionamento cívico, a qualidade dos media e o turbilhão de ligeireza das realidades digitais, transformadas em conversas globais de café ou de tasca.
É este o quadro de emergência, do anúncio pelo Governo de uma multitude de suplementos remuneratórios para a PSP e GNR, os Guardas Prisionais, os Funcionários judiciais, as Forças Armadas e, por agora, os médicos em serviço nas urgências. Entre compromissos eleitorais e respostas a reivindicações, onde se integram a contabilização do tempo de serviço dos professores, o governo procura aplainar a herança do governo anterior, que, do nada resolveu, atualizar um suplemento remuneratório à Polícia Judiciária, gerando a natural indignação com tudo o que é feito sem critério uniforme, à socapa e com a esperança de algum sentido positivo a partir de uma visão parcial da sociedade.
Não está em causa se esta consagração de Portugal como país dos suplementos é justa ou não. Ela está a ser feita a toque das reivindicações e de insatisfações acumuladas, sem uma visão integrada e sem critérios que sejam inteligíveis nas opções e nos limites em função dos recursos. Tem um sentido político de afirmação do governo e de acalmia de setores da sociedade, mas, por falta de clareza dos critérios, vai gerar renovadas reivindicações, até por mesquinhas comparações entre os contemplados.
O Verão dos suplementos destinados a pôr fim a alguns invernos remuneratórios e de reconhecimento social de determinadas funções, nunca poderá escamotear a incontornável realidade de que sem outro modelo de organização social e económica, com menos burocracia, menos carga fiscal, melhor reconhecimento do mérito, melhores salários e maior produtividade, muito pouco tenderá a ser estrutural, além das circunstâncias do governo de turno.
O Verão segue estranho, remetendo para a generalidade dos portugueses, alguns em modo de férias, uma incontornável solução em matéria de suplementos: precisamos de um suplemento de paciência para a visão, as opções e o sentido prático do exercício político do poder e das oposições em Portugal. Alguns dirão que, apesar de tudo, a reincidente paciência sempre é melhor que os contactos que muitos tiveram no passado com o suplemento alimentar de óleo de fígado de bacalhau. Como sempre, não se indo ao essencial, a remuneração do trabalho, pode ser sempre uma questão de perspetiva. Haja paciência!
NOTAS FINAIS
SUBLIME ESPETÁCULO OLÍMPICO. O arrojo e ousadia logística do espetáculo de abertura dos jogos olímpicos de Paris, finalizados com uma sublime interpretação de superação de Céline Dion, têm de ser reconhecidos, mesmo com excessos sem relevo para a afirmação da trilogia revolucionária da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
PARIS 24, À ESPERA DE PORTUGUESES EXCECIONAIS. Enquanto boa parte das nações espera a colheita das sementeiras de investimento na atividade física e no desporto, em Portugal, equiparamo-nos a eles como se pudéssemos ir muito além do que à expressão de portugueses excecionais que, pelo esforço individual e em condições sofríveis, conseguem resultados superlativos. Sem sementeira, a colheita será sempre uma exceção.
TRÁGICA SINA A DA VENEZUELA. Uma autocracia não pode ser mitigada por ter uma matriz de esquerda ou de direita, é o que é. Depois das distorções e torções do processo eleitoral expurgado da sua dimensão democrática, não se esperava outra coisa que a debilidade da proclamação de uma vitória eleitoral por 51% de quem está. Na confusão, pós-eleitoral, perpetua-se a triste sina de um povo e de uma nação, na qual fazem vida muitos portugueses.