Uma leitura necessária e esperançosa da manifestação gigante do 25 de Abril de 2024


Não foi, na verdade, por acaso que, este ano, a manifestação para comemorar o 25 de abril foi tão concorrida e, mais importante, tão jovem nos participantes que a ela ocorreram.


Desde o dia 25 de Abril de 1974, assisti a muitas manifestações. Umas aguerridas, outras apenas ressentidas, umas maiores, outras menos concorridas.

A descida da Avenida da Liberdade, em Lisboa, que ocorreu no dia 25 de abril de 2024 foi, talvez, a par do 1.º de maio de 1974 e da manifestação contra a política da Troica e do governo de Passos Coelho, uma das maiores ocorridas no nosso país.

No 1.º de maio de 1974, exprimiu-se, antes de tudo, um sentimento de felicidade e satisfação com a recém-conquistada liberdade: foi glorioso.

Na manifestação contra política imposta pela Troica e a complacência colaborante de Passos Coelho, exprimiram os manifestantes a sua sempre e inabalável vontade de continuar a viver num país independente e de não permitir imposições irrealistas capazes de mudar o sentido de solidariedade social que a Constituição da República indica: foi uma manifestação crispada e de preparação, se fosse o caso, para a luta.

A manifestação do passado dia 25 de abril foi, de alguma maneira, algo diferente das que antes referi e de muitas outras que comemoraram a mesma data.

Foi uma manifestação, como dissemos, poderosa, e procurando, desde logo, expressar, vivamente, a vontade e o apego populares pela liberdade em que vivemos desde o 25 de Abril de 1974.

Mas quis ser mais.

Quis ser, também, uma demonstração de identificação massiva do povo – velho e jovem – com o regime democrático, instaurado com o 25 de abril de 1974, e de repúdio evidente pelos acalentados avanços da extrema direita e o seu programa.

Não foi, pois, por acaso que, este ano, a manifestação para comemorar o 25 de abril foi tão concorrida e, mais importante, tão jovem nos participantes que a ela ocorreram.

O que esteve em causa foi a vontade popular de exprimir claramente o seu apego à democracia política, económica e social.

Mais, ela aconteceu, significativamente, na sequência da eleição de um expressivo número de deputados saudosistas do antigo regime e como forma eloquente de lhes dizer que, com eles e o seu programa retrógrado e antidemocrático, não pode haver qualquer tipo de colaboração.

Quis, por isso, esta manifestação esmagadora, recordar e não deixar margem para dúvidas de que o «não é não», anunciado pelo primeiro-ministro, deve ser mesmo para levar a sério, em todas e quaisquer circunstâncias.

Não por acaso, participaram nesta manifestação, com bandeiras e cartazes identificadores – e, desta vez, com alegria genuína – militantes juvenis de organizações de partidos da chamada direita democrática.

Quiseram, também, estes jovens militantes da direita democrática representar, para si próprios e para todo o povo português, que há limites, em democracia, que não podem ser ultrapassados.

Creio, pelo entusiasmo que demonstraram – e espero não estar enganado -, que estavam deveras felizes por se poderem demarcar publicamente da direita saudosista do antigamente. 

Fizeram bem em juntar-se ao povo dos partidos que, desde sempre, manteve tal propósito e que, coerentemente, ao longo de cinquenta anos, afirmou e cumpriu a sua resolução de não deixar desfalecer ou travestir o compromisso com a Democracia que o 25 de abril de 1974 instaurou e consagrou na Constituição de 76.

Num momento como este, em que todas as liberdades e direitos sociais são, quotidianamente, alvo de ataques corrosivos promovidos por meios mediáticos – formais uns, informais outros – a manifestação deste ano revelou que, não obstante o esforço e a potência daquelas máquinas de desinformação e propaganda que a extrema direita agora move, a vontade popular de impedir mais derivas antidemocráticas permanece firme.

A participação das juventudes dos partidos da direita democrática numa tal manifestação deve, por isso, ser saudada e – diria mesmo – acarinhada.

A fronteira, a rutura mais significativa e perigosa que hoje existe na sociedade portuguesa, não se situa – como pretendem os radicais de direita que subsistem organizados dentro e fora dos tradicionais partidos de direita que votaram a Constituição – entre direita e esquerda.

Esta última diferença também se verifica, e não deixa de ser muito significativa no exercício do poder em Democracia, na concretização do presente e projeção do futuro dos cidadãos.

Todavia, a rutura mais visível e, hoje, crucial em termos políticos, é a que existe entre as forças que se reveem na Constituição e no regime democrático e social que aquela conforma e assegura, e as que não escondem a sua aversão violenta contra a Democracia constitucional. 

Não, não foi o 25 de novembro de 75 que instaurou a Democracia, como cantam e encantam, agora, as sereias enganadoras da nova direita, para atrair os que, esquecidos ou mal informados, hesitam no caminho a seguir.

O 25 de novembro apenas configurou – e não foi pouco – um compromisso político entre as forças democráticas civis e militares com projetos de futuro diferentes: um compromisso que, sobretudo, se destinou, e conseguiu, assegurar a ordem democrática e evitar a guerra civil.

Tal compromisso, assumido e respeitado, desde então, por ambos os lados dos que defendiam a Democracia, impediu, na realidade, que se desse um afrontamento militar e popular violentos e de resultados provavelmente catastróficos para Portugal e o seu povo.

Foi essa confrontação – essa desforra violenta (então frustrada) – com as forças populares, que, depois, se mantiveram sempre fortes e organizadas na aprovação e na defesa da nova Constituição, que é, agora, uma vez mais, desejada e incentivada pelas franjas mais radicais da direita anticonstitucional.

O compromisso que então ocorreu evitou a guerra civil – aí a sua principal virtude – e, além disso, não impediu que as forças mais avançadas da Democracia lograssem continuar a lutar, mesmo que por meios e em palcos diferentes, pelo aperfeiçoamento das liberdades e o alargamento das conquistas de abril.

Não se pode, pois, ignorar que algumas de tais liberdades e direitos – aprovados antes e depois do 25 de novembro de 1975 -, resultaram da participação determinante e do empenho e proposta das forças políticas mais avançadas e comprometidas, desde início, com o processo democrático iniciado a 25 de Abril de 1974.

Não foram elas, de resto, que, afrontadas, votaram contra o texto constitucional aprovado pela Assembleia Constituinte em 2 de abril de 1976.

É devido a mais esta originalidade do processo político português que, agora, nos é a todos possível comemorar juntos o 25 de abril de 1974 e a liberdade e direitos que dele dimanaram.

O reencontro das forças democráticas – de esquerda e de direita – que se deu nesta última manifestação comemorativa do 25 de abril é a prova provada de que tal compromisso permanece eficaz e é respeitado pela grande maioria dos portugueses.

Mesmo que seriamente abalado em alguns momentos, tal compromisso de paz parece continuar vivo, e será muito difícil às franjas radicais de direita impor a sua vontade de aglutinar toda a direita – a antidemocrática e a democrática – para vencer, de vez, todos os que apoiaram e constitucionalizaram o 25 de abril.

A esmagadora manifestação popular comemorativa do 25 de abril de 1974 vivida entusiasticamente por todos os participantes neste ano de 2024 é, disso, uma prova muito real.

A rutura política mais visível, verdadeira e significativa que, hoje, acontece na sociedade portuguesa situa-se, exatamente, entre todos os que apoiaram ou estiveram na manifestação comemorativa dos 50 anos do 25 de abril de 1974 e os que dela fugiram como o diabo da cruz.

As outras diferenças – sempre relevantes e algumas mesmo decisivas – afirmam-se e superam-se, contudo, através do normal processo democrático, aconteça ele no plano institucional ou, ainda, com o apoio dos meios de luta e expressão de ideias e reivindicações previstos e garantidos na Constituição.  

Espero, pois, que todos os apoiantes da Democracia e, sobretudo, os que a ela sempre se opuseram, tenham compreendido bem a dimensão da força popular que, ainda hoje, sustém o regime democrático que o 25 de Abril instaurou.


Uma leitura necessária e esperançosa da manifestação gigante do 25 de Abril de 2024


Não foi, na verdade, por acaso que, este ano, a manifestação para comemorar o 25 de abril foi tão concorrida e, mais importante, tão jovem nos participantes que a ela ocorreram.


Desde o dia 25 de Abril de 1974, assisti a muitas manifestações. Umas aguerridas, outras apenas ressentidas, umas maiores, outras menos concorridas.

A descida da Avenida da Liberdade, em Lisboa, que ocorreu no dia 25 de abril de 2024 foi, talvez, a par do 1.º de maio de 1974 e da manifestação contra a política da Troica e do governo de Passos Coelho, uma das maiores ocorridas no nosso país.

No 1.º de maio de 1974, exprimiu-se, antes de tudo, um sentimento de felicidade e satisfação com a recém-conquistada liberdade: foi glorioso.

Na manifestação contra política imposta pela Troica e a complacência colaborante de Passos Coelho, exprimiram os manifestantes a sua sempre e inabalável vontade de continuar a viver num país independente e de não permitir imposições irrealistas capazes de mudar o sentido de solidariedade social que a Constituição da República indica: foi uma manifestação crispada e de preparação, se fosse o caso, para a luta.

A manifestação do passado dia 25 de abril foi, de alguma maneira, algo diferente das que antes referi e de muitas outras que comemoraram a mesma data.

Foi uma manifestação, como dissemos, poderosa, e procurando, desde logo, expressar, vivamente, a vontade e o apego populares pela liberdade em que vivemos desde o 25 de Abril de 1974.

Mas quis ser mais.

Quis ser, também, uma demonstração de identificação massiva do povo – velho e jovem – com o regime democrático, instaurado com o 25 de abril de 1974, e de repúdio evidente pelos acalentados avanços da extrema direita e o seu programa.

Não foi, pois, por acaso que, este ano, a manifestação para comemorar o 25 de abril foi tão concorrida e, mais importante, tão jovem nos participantes que a ela ocorreram.

O que esteve em causa foi a vontade popular de exprimir claramente o seu apego à democracia política, económica e social.

Mais, ela aconteceu, significativamente, na sequência da eleição de um expressivo número de deputados saudosistas do antigo regime e como forma eloquente de lhes dizer que, com eles e o seu programa retrógrado e antidemocrático, não pode haver qualquer tipo de colaboração.

Quis, por isso, esta manifestação esmagadora, recordar e não deixar margem para dúvidas de que o «não é não», anunciado pelo primeiro-ministro, deve ser mesmo para levar a sério, em todas e quaisquer circunstâncias.

Não por acaso, participaram nesta manifestação, com bandeiras e cartazes identificadores – e, desta vez, com alegria genuína – militantes juvenis de organizações de partidos da chamada direita democrática.

Quiseram, também, estes jovens militantes da direita democrática representar, para si próprios e para todo o povo português, que há limites, em democracia, que não podem ser ultrapassados.

Creio, pelo entusiasmo que demonstraram – e espero não estar enganado -, que estavam deveras felizes por se poderem demarcar publicamente da direita saudosista do antigamente. 

Fizeram bem em juntar-se ao povo dos partidos que, desde sempre, manteve tal propósito e que, coerentemente, ao longo de cinquenta anos, afirmou e cumpriu a sua resolução de não deixar desfalecer ou travestir o compromisso com a Democracia que o 25 de abril de 1974 instaurou e consagrou na Constituição de 76.

Num momento como este, em que todas as liberdades e direitos sociais são, quotidianamente, alvo de ataques corrosivos promovidos por meios mediáticos – formais uns, informais outros – a manifestação deste ano revelou que, não obstante o esforço e a potência daquelas máquinas de desinformação e propaganda que a extrema direita agora move, a vontade popular de impedir mais derivas antidemocráticas permanece firme.

A participação das juventudes dos partidos da direita democrática numa tal manifestação deve, por isso, ser saudada e – diria mesmo – acarinhada.

A fronteira, a rutura mais significativa e perigosa que hoje existe na sociedade portuguesa, não se situa – como pretendem os radicais de direita que subsistem organizados dentro e fora dos tradicionais partidos de direita que votaram a Constituição – entre direita e esquerda.

Esta última diferença também se verifica, e não deixa de ser muito significativa no exercício do poder em Democracia, na concretização do presente e projeção do futuro dos cidadãos.

Todavia, a rutura mais visível e, hoje, crucial em termos políticos, é a que existe entre as forças que se reveem na Constituição e no regime democrático e social que aquela conforma e assegura, e as que não escondem a sua aversão violenta contra a Democracia constitucional. 

Não, não foi o 25 de novembro de 75 que instaurou a Democracia, como cantam e encantam, agora, as sereias enganadoras da nova direita, para atrair os que, esquecidos ou mal informados, hesitam no caminho a seguir.

O 25 de novembro apenas configurou – e não foi pouco – um compromisso político entre as forças democráticas civis e militares com projetos de futuro diferentes: um compromisso que, sobretudo, se destinou, e conseguiu, assegurar a ordem democrática e evitar a guerra civil.

Tal compromisso, assumido e respeitado, desde então, por ambos os lados dos que defendiam a Democracia, impediu, na realidade, que se desse um afrontamento militar e popular violentos e de resultados provavelmente catastróficos para Portugal e o seu povo.

Foi essa confrontação – essa desforra violenta (então frustrada) – com as forças populares, que, depois, se mantiveram sempre fortes e organizadas na aprovação e na defesa da nova Constituição, que é, agora, uma vez mais, desejada e incentivada pelas franjas mais radicais da direita anticonstitucional.

O compromisso que então ocorreu evitou a guerra civil – aí a sua principal virtude – e, além disso, não impediu que as forças mais avançadas da Democracia lograssem continuar a lutar, mesmo que por meios e em palcos diferentes, pelo aperfeiçoamento das liberdades e o alargamento das conquistas de abril.

Não se pode, pois, ignorar que algumas de tais liberdades e direitos – aprovados antes e depois do 25 de novembro de 1975 -, resultaram da participação determinante e do empenho e proposta das forças políticas mais avançadas e comprometidas, desde início, com o processo democrático iniciado a 25 de Abril de 1974.

Não foram elas, de resto, que, afrontadas, votaram contra o texto constitucional aprovado pela Assembleia Constituinte em 2 de abril de 1976.

É devido a mais esta originalidade do processo político português que, agora, nos é a todos possível comemorar juntos o 25 de abril de 1974 e a liberdade e direitos que dele dimanaram.

O reencontro das forças democráticas – de esquerda e de direita – que se deu nesta última manifestação comemorativa do 25 de abril é a prova provada de que tal compromisso permanece eficaz e é respeitado pela grande maioria dos portugueses.

Mesmo que seriamente abalado em alguns momentos, tal compromisso de paz parece continuar vivo, e será muito difícil às franjas radicais de direita impor a sua vontade de aglutinar toda a direita – a antidemocrática e a democrática – para vencer, de vez, todos os que apoiaram e constitucionalizaram o 25 de abril.

A esmagadora manifestação popular comemorativa do 25 de abril de 1974 vivida entusiasticamente por todos os participantes neste ano de 2024 é, disso, uma prova muito real.

A rutura política mais visível, verdadeira e significativa que, hoje, acontece na sociedade portuguesa situa-se, exatamente, entre todos os que apoiaram ou estiveram na manifestação comemorativa dos 50 anos do 25 de abril de 1974 e os que dela fugiram como o diabo da cruz.

As outras diferenças – sempre relevantes e algumas mesmo decisivas – afirmam-se e superam-se, contudo, através do normal processo democrático, aconteça ele no plano institucional ou, ainda, com o apoio dos meios de luta e expressão de ideias e reivindicações previstos e garantidos na Constituição.  

Espero, pois, que todos os apoiantes da Democracia e, sobretudo, os que a ela sempre se opuseram, tenham compreendido bem a dimensão da força popular que, ainda hoje, sustém o regime democrático que o 25 de Abril instaurou.