Ex.ma Senhora Arlete Soeiro
3.a subsecretária da secretária-adjunta
Programa de Auxílio aos Povos Indolentes e Falidos
Gabinete do secretário-geral Ban Ky-moon
Sede da ONU – NY, EUA
Dr.a Arlete,
Hoje é o Dia Mundial dos Avós e o país apresenta-se fracturado de alto a baixo. Recomendo ao Dr. Ban Ky-moon a maior atenção quanto ao desenrolar do processo.
Paulo Portas fará esta noite o seu discurso da Fonte Luminosa, garantindo não haver família sem avós e que existe em defesa do valor das pensões de 2010 um risco vermelho do tamanho da Almirante Reis. Ao omitir o número de vezes que já foi atropelado naquela via, o seu tom será irrevogavelmente convincente.
Na mesma noite, nos Aliados, os ministros Mota e Macedo desfilam calados, carregando pesadas mochilas com exemplares dos três últimos orçamentos, debaixo de um imenso pano branco em que se pode ler em letras garrafais “Por que não te morres, hombre?!” A seu lado, os assessores garantem aos jornalistas que a frase não é machista, pois aquele “hombre” está lá por “humano” e, portanto, a invectiva dirige-se a velhos e velhas, sem qualquer discriminação de género. Com os ministros desfilam, de cartola na mão e solicitando o apoio monetário dos transeuntes, representantes dos fundos de pensões, das seguradoras, administradores dos hospitais PPP, gestores da José de Mello Saúde, da Espírito Santo Saúde. Enfim, a malta que nos trata da saúde! Na cauda da manifestação, vem, distraído, um casal de velhotes, ele utente do SNS, ela reformada do CNP. Ambos surdos.
Assim está o país dividido: uns querem despachar de vez os avós, outros querem os seus votos. Os avós que não estão distraídos arreganham o dente: nem dão o voto, nem morrem. Um embaraço dos diabos!
Enquanto o impasse não se resolve, é bom esclarecer que aquele senhor de cabelo branco que (creio) dá pelo nome de Carlos Costa e (parece-me) tem algo a ver com, dinheiros, finanças e (talvez) bancos e está sempre na televisão tem ar de avô, mas não é. É preciso dizer às criancinhas que o senhor tem muito pouco a ver com os avós. A única coisa que tem de comum com um avô é ele fartar-se de falar e a gente não ligar nada. As televisões mostram-no a falar continuamente, mas a voz que ouvimos é sempre a de um qualquer jornalista tentando fazer-nos perceber o que eventualmente ele terá querido dizer. Nisso é semelhante a muitos outros avós.
Mas as analogias acabam aí. Por exemplo, nenhum avô teria lata para ir dizer aos senhores deputados que “a nova auditoria independente ao BES revelará se este foi gerido de acordo com as boas regras” quando o próprio é, desde há anos, principescamente pago para assegurar tal desiderato em todo o sistema financeiro. Por outro lado, nenhum avô trataria de acalmar os netos garantindo-lhes que ainda tem mais 6,4 mil milhões para entregar a quem já fez desaparecer 4 mil milhões de euros. Nenhum pai da mãe viria dizer “ninguém gosta de reconhecer que esteve a trabalhar com informação errada” quando dispõe de milhões de euros, de uma tropa infindável e dos melhores consultores para recolher a informação certa. C”os diabos!
Os avós não são assim! Há três meses o senhor garantia que as pessoas com quem andava eram todas gente séria. Agora acha que afinal algumas delas são pouco idóneas. Vai chamar pai a outro! É preciso garantir às criancinhas do nosso país – quem encontrar alguma recebe como prémio um ano de assinatura do jornal i – que os avós não são assim, são pessoas de palavra, amigas do seu amigo e fazem o que é têm de fazer.
“Os avós não têm que fazer nada, só têm de estar lá” – terá dito a neta mais conhecida dos blogs portugueses. O tal Carlos Costa levou a coisa à letra. Mas a neta não se referia a assuntos de notas. Dava apenas nota daquilo que na atitude da sua avó para com ela achava mais notável (passe a redundância, mas de notas, neste conjuntura, todos precisamos muito, não é?).
Inclino-me e retiro-me,
Ricardo Barata de Leão
ricardobarataleao@gmail.com