“Expectativas bem claras” levam a que tudo corra bem

“Expectativas bem claras” levam a que tudo corra bem


João Rocha e Rui Pereira trabalham no ramo da hotelaria, enquanto Filipa Zarro e Joana Neves são consultoras de viagens. Falam ao i sobre os pontos positivos e negativos do turismo.


Há 15 anos ligado à hotelaria, João Rocha, hoje perto dos 30, trabalha no InterContinental Lisboa enquanto guest service experience manager. Com uma experiência “maioritariamente positiva” na área, estudou Gestão Hoteleira e passou por seis estágios. Na bagagem conta com passagens por países como Espanha e Reino Unido, tendo trabalhado em hotéis de cinco estrelas na maior parte do seu percurso.

“Apesar de ninguém na minha família estar ligado à hotelaria, toda a gente me apoiou. Desde cedo percebi que toda a gente quer os Natais e os verões para estar com aqueles de que mais gosta e as coisas não funcionam assim no turismo. Quando temos as expectativas bem claras, as coisas correm bem”, diz o jovem, confessando, no entanto, que “estamos numa fase muito complicada por causa da covid-19”.

“Muitas pessoas experimentaram outras áreas. Compreenderam que têm o mesmo trabalho e metade da dor de cabeça, sendo que recebem o mesmo. Existe uma carência de recursos e há dificuldade em angariar gente jovem. Isto porque existe a expectativa de acabar a universidade e ser-se diretor-geral. Os mais novos carecem de paciência”, sublinha. Na sua óptica, não faz sentido separar os “rececionistas de supervisores e de subchefes”, como continua a acontecer em Portugal.

“Lá fora as pessoas evoluem com mais facilidade. Em Tenerife estava como night manager e acabei por ter vontade de regressar durante um período e os espaços que cá estavam ofereciam-me trabalho como rececionista de segunda. Teria de passar por várias fases até chegar eventualmente à posição que estava a desempenhar”, conta, frisando que “a hotelaria em Portugal precisa de crescer neste aspecto”, o que não prevê que aconteça nos próximos tempos.

“Isso só vai acontecer quando as pessoas da minha geração voltarem com outra mentalidade do estrangeiro. Não é uma área fácil de se entrar nem com que simples estudo se chegue lá. É preciso trabalho diário. Faz falta a internacionalização das equipas. A grande maioria dos hotéis gosta de ter pessoas nacionais. Temos qualidade nesse aspecto, mas aqueles que têm a sorte de ter pessoas de todo o mundo ganham muito mais a meu ver. Acolhemos muitos portugueses, mas estrangeiros acima de tudo”, continua, evidenciando que “entender a cultura deles é fulcral”.

“Por outro lado, o nosso paradigma salarial não atrai tanta gente. Aquilo que eu acredito que seria importante é essa abertura de procurar internacionalmente funcionários. Daí advém o acréscimo salarial que deviam oferecer à partida. Torna-se difícil encontrar pessoas de confiança com ordenados mínimos ou pouco acima do mínimo. O nosso serviço e as nossas infraestruturas são acima da média, temos de apostar nisto”, conclui.

Rui Pereira, de 28 anos, trabalha no Hotel Boavista Vintage House em Termas de Monfortinho. Tem o curso de Restaurante e Bar e uma pós-graduação em Gestão de Turismo Rural, sendo estudante de Gestão Hoteleira.

“É a profissão que escolhi e que amo. É claro que tem os seus altos e baixos como tudo”, começa por dizer o também dirigente da AHRESP de Castelo Branco, que já trabalhou em França. Quanto à possibilidade de desistir, é assertivo: “Se me fizessem esta pergunta há uns anos, diria que não. No entanto, cada vez é mais difícil aguentar a pressão diária que quem está no ramo sente constantemente. O atendimento ao público está muito diferente e é difícil gerir equipas. Só este ano pensei várias vezes em mudar a minha vida. Contudo, iria fazer um trabalho de que não gostaria”, admite.

“A falta de mão-de-obra e a quantidade de pessoas que mudaram de profissão nestes últimos anos obrigou a hotelaria a mudar a forma de cativar e manter os trabalhadores. Com a atualização de ordenados e a revisão de horários, por exemplo. Eram esses os fatores que mais desmotivavam os trabalhadores juntamente com os horários repartidos. Admito que ainda possa haver situações dessas, mas o mercado de trabalho acaba por filtrá-las”, adianta, acrescentando que “ainda nos deparamos com hotéis de cinco estrelas a pagar ordenados mínimos, o que não faz nenhum sentido”.

Consultora de viagens, Filipa Zarro, de 29 anos, tem por missão “ajudar as pessoas a encontrar as viagens que pretendem fazer, desde pacotes de viagem, cruzeiros, circuitos, viagens à medida”, oferecendo um “serviço de consultoria 24h”, cabendo-lhe ainda apoiar quem a procura “em qualquer situação desde cancelamento de voos, acidentes no destino, etc.”. Descreve a sua experiência profissional de três anos como ”bastante gratificante”.

“É maravilhoso poder ter pessoas a agradecerem pelos meus serviços. Não só pelo acompanhamento dado, mas pelo detalhe com que trato cada viagem. Porque todos os clientes são diferentes e trato-os sempre da melhor maneira possível!”. No seu entender, o panorama atual do turismo português é “muito promissor”. “Cada vez mais as pessoas percebem que viajar é um investimento e não um gasto. Aliás, os jovens acabam por juntar dinheiro mais rapidamente para viajar do que propriamente para ir jantar fora, por exemplo. Seja para ficarem por aqui ou irem para outro país”.

“Quanto a Portugal: é um país altamente turístico, desde as cidades como Lisboa e Porto, passando pelas incríveis praias do Algarve ou até às maravilhas da natureza no Gerês. Há uma vasta oferta para os mais variados gostos dos turistas”, observa. “O setor do turismo está em constante mudança e investimento, daí os valores aumentarem também todos os anos. Então, uma das maiores dificuldades, por vezes, é cumprirmos com os orçamentos baixos que nos apresentam. Isto porque algumas pessoas pedem, por exemplo, 1 semana para 2 adultos com tudo incluído por 1000 euros ou menos. Temos de reajustar expectativas e baixar as condições para, pelo menos, conseguirem viajar”.

Assim, alinha-se com Joana Neves, de 31 anos, que exerce a mesma profissão, mas desde janeiro deste ano, classificando-a como “uma experiência que traz um conhecimento enorme e uma satisfação total”. “O turismo em Portugal está muito caro e as pessoas optam pelo estrangeiro, estando este mais acessível. Sinceramente, não acredito que algo mude cá. Os preços exagerados vão continuar a existir, pois a ‘fome’ de férias vai manter-se e as pessoas optam por fazer mais um esforço e adquiri-las cada vez mais caras”.