O presidente do Turismo do Porto e Norte anuncia que a «região está a conseguir consolidar mercados que são absolutamente estratégicos» com vista a aumentar as receitas e atrair mercados de alto rendimento. E estabelece como objetivo «ter turistas nos 365 dias do ano e em todo o território».
Luís Pedro Martins lamenta o discurso de que temos turistas a mais e lembra que «quando o turismo parou pararam dezenas de outros setores de atividades e quando o turismo começou a crescer cresceram dezenas de outros setores de atividades». Nota que este é um dos setores que continuam a apostar no interior e nos territórios de baixa densidade. «É o setor que teima em acreditar nesses territórios».
O responsável aponta ainda o dedo à falta de aposta por parte da TAP no aeroporto Sá Carneiro e à indecisão em torno do futuro aeroporto de Lisboa: «50 anos é muito tempo para adiarmos algo que sabíamos que mais cedo ou mais tarde nos iria prejudicar e que hoje já está a prejudicar».
Como está o turismo no Norte?
Faço um balanço extremamente positivo, com uma performance muito boa e com um bom desempenho em 2023. Pelos números que nos estão a chegar acreditamos que estamos novamente perante um ano que será um ano recorde na região Norte e com uma subida muito significativa no número de hóspedes. Temos hoje mais 22,4% de dormidas do que no período homólogo e estamos a falar de dados relativos ao primeiro semestre. É também de destacar as dormidas de residentes e o facto de a região ser o número um do ranking a nível nacional, com uma subida de cerca de 9% de dormidas de residentes comparando com 2022. Um dado que foi desvalorizado até ao período da pandemia, mas a partir daí todos perceberam que era um segmento importante. É também uma região que está a conseguir consolidar mercados que são absolutamente estratégicos para a prossecução dos nossos objetivos: aumentar receitas e atrair mercados de alto rendimento, turistas que venham durante o ano e não apenas concentrados no verão, ou seja, mercados que ajudem a combater a sazonalidade, que tenham vontade de percorrer o destino e não se fixem apenas nas grandes cidades.
E que mercados são esses?
É o caso do americano, que é hoje o terceiro mercado da região, apesar de ser de longa distância – surge logo a seguir a Espanha e a França. Depois, felizmente, nos últimos meses, o mercado brasileiro voltou a recuperar algum espaço que tinha perdido e ocupa a quarta posição na região, seguido pelo alemão. Mas é de destacar que no Top 5 da região temos dois mercados de longa distância que são importantes, o norte-americano – e aí temos os Estados Unidos e o Canadá – e o brasileiro. Isto tem acontecido porque temos produtos para oferecer a este tipo de turistas. Temos também uma grande qualidade ao nível das nossas infraestruturas, que têm conseguido conquistar este tipo de turistas. Obviamente, a economia da região, naquilo que depende do turismo, sai beneficiada. O aeroporto Francisco Sá Carneiro vai na mesma rota de ascensão e está a receber cerca de 50 mil turistas por dia. Ou seja, a continuar com este desempenho, está à porta de atingir um novo recorde e facilmente vai passar a fasquia dos 13 milhões. Tudo isto tem contribuído para estes números: mais rotas, mais destinos, mais ligações a destinos que não tínhamos, como por exemplo Telavive, uma ligação direta a Israel, Berlim, Viena de Áustria, Reiquiavique, Copenhaga e Oslo, isto é, mercados europeus muitíssimo bem cobertos. E depois, não estando no Top 5, assistimos ao crescimento de alguns mercados na região. É o caso do italiano e do irlandês, que já apresentam valores significativos.
Os dados divulgados esta semana pelo INE revelam um aumento das receitas e, a par de Lisboa, também o Porto bateu números recorde em termos de estadia…
Esse era um desafio de todo o território. O objetivo é muito claro, quer por parte do Turismo de Portugal, quer por parte das sete regiões – as cinco no continente, mais as duas das ilhas – que é ter turistas nos 365 dias do ano e em todo o território. Felizmente estamos a conseguir, julgo muito por causa dos turistas de longa duração, que são mercados que vêm por períodos mais longos. Os números só ainda não estão maiores porque ainda nos falta o mercado da Ásia-Pacífico, que é aquele que está a demorar mais a recuperar a sua operação. No caso da região Norte temos companhias importantes e estratégicas como, por exemplo, a Emirates, que nos trazia turistas vindos através do hub do Dubai, mas que vinham da China, de Taiwan e de Israel. Ainda não temos esse mercado, mas temos a promessa de que essa companhia regressa em 2024, o que será importante para fortalecer estes números. Além disso, na região Porto e Norte é de destacar um crescimento muito significativo de cidades como Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Braga que ainda há pouco tempo não entravam nesta lista com estes números tão significativos e já apresentam crescimentos na ordem dos 30%.
Acaba por haver uma diversificação por toda a região…
Sim, esse era outro desafio que também tínhamos, que era uma melhor distribuição de turistas por todo o território, por toda a região. Isso tem sido feito muito à custa do trabalho que fazemos de promoção externa, obviamente muito alavancado na promoção daquela que é a grande âncora da região, que é a cidade do Porto. A promoção externa passou a promover outros sub-destinos como o Douro, o Minho, Trás-os-Montes. Nos locais onde já existe uma maior oferta instalada, como no Douro e Minho, os resultados são evidentes, com uma taxa de ocupação muito boa. Mais difícil era Trás-os-Montes também por falta de alguma oferta, nomeadamente ao nível da hotelaria. Mas também aqui as notícias são boas, pois sabemos que há neste momento bons investimentos a serem feitos. Por outro lado, houve quem tivesse tido a coragem de fazer investimentos e falo de hotéis de quatro estrelas em territórios como Valpaços ou Freixo de Espada à Cinta, onde era impensável há dez anos imaginar um hotel de quatro estrelas com bom desempenho como está a ter a unidade hoteleira lá instalada, ou investimentos em Chaves ou um outro projeto que está em fase de obra de cerca de 80 quartos num resort entre Bragança e Macedo de Cavaleiros. Isso era aquilo que faltava em Trás-os-Montes para crescer em termos de número, porque a procura começava a existir, mas era preciso haver alguma oferta, nomeadamente de qualidade, porque os mercados que estamos a atrair são de alto rendimento. É verdade que esses turistas se distribuem melhor pela região e que vêm para mais dias, mas também são mercados mais exigentes e exigem uma oferta mais qualificada e com melhor serviço.
O que falta fazer?
É necessário a promoção destes destinos e ter voos para todo o lado: Estados Unidos, Brasil, Canadá, onde no ano passado fizemos alguns road-shows. No ano passado apostámos em Toronto, Montreal, a par de algumas cidades dos Estados Unidos, como Washington, Chicago, Boston. Agora vamos apostar a partir de Vancouver e imaginando que irá resultar tão bem como resultou no ano passado temos a expectativa de aumentar ainda mais este mercado. Depois queremos manter a aposta no Brasil, considerando que há muito mais além de São Paulo e Rio de Janeiro e, por isso, queremos apostar em cidades de grande dimensão e com grande poder de compra como, por exemplo, Curitiba, Porto Alegre, Santa Catarina. Não estamos a fazer isso sozinhos, contamos com outras regiões, nomeadamente com o trabalho de muita proximidade com a região do Alentejo, do Centro e, em alguns casos, com o Algarve, sempre debaixo do chapéu do Turismo de Portugal. Mas este trabalho de promoção externa nunca pode parar, porque os nossos concorrentes também não param e fazem-no com orçamentos bem mais robustos do que os nossos.
A promoção continua a ser o nosso calcanhar de Aquiles?
Um setor que vai liderando a recuperação da economia nacional e que gerou 21 mil milhões de euros no ano passado não pode continuar com orçamentos como tinha há mais de dez anos. E não falo só no reforço dos orçamentos das regiões, falo também no reforço do próprio orçamento do Turismo de Portugal. Quem tem contribuído tanto, quem tem feito um esforço tão grande e quem tem conseguido resultados tão grandes como este setor deve merecer uma atualização dos seus orçamentos, uma vez que tem provado que essas verbas são muitíssimo bem utilizadas. Conseguimos provar que todo o dinheiro investido no turismo e que depois é investido na promoção externa das regiões e do país tem trazido grandes resultados. Não podemos é continuar a trabalhar com orçamentos de há mais de dez anos. Está na hora de podermos ver atualizadas estas verbas.
A cidade do Porto está com os mesmos problemas de Lisboa, com os turistas em concentrarem-se muito em determinadas zonas…
A diferença ainda é muito grande. Sou dos que insiste em dizer que o Porto não vive uma situação de overtourism [turismo em excesso] digo sim que é importante olhar para estas questões com atenção para evitar problemas no futuro. Olhar longe é olhar cedo. Felizmente estamos a conseguir resolver essa questão distribuindo a capacidade hoteleira por outros concelhos que têm crescido e que têm ajudado a aliviar um pouco a pressão da cidade do Porto. É óbvio que essa pressão existirá sempre, uma vez que é lá que estão as principais portas de entrada na região, devido à proximidade do aeroporto e do terminal de cruzeiros. Já a relação com Lisboa, em termos institucionais, é excelente. O sucesso que existiu no setor do turismo nestes últimos anos e em anos de grandes dificuldades como foi durante a pandemia deveu-se a uma grande união no setor. Todas as regiões aprenderam a olhar para os problemas e a defendê-los a uma só voz e com muito diálogo. Somos demasiado pequenos enquanto país para entrarmos em competições desnecessárias e felizmente somos muito diversos para nos podermos complementar uns aos outros, e todos temos a consciência disso.
Sente que os turistas já olham para Portugal e nomeadamente para a região Norte de outra forma?
Sem dúvida, mas também é claro que há produtos com maior notoriedade do que outros. As grandes cidades – como Porto, Braga ou Guimarães – já têm uma notoriedade muito avançada. Há outras cidades que estão a crescer bastante. É o caso de Vila Nova de Gaia, muito conhecida através das caves de vinho do Porto, mas que conta com uma hotelaria muito qualificada. Matosinhos tem sido uma agradável surpresa, tem crescido bastante e também reforçou a sua oferta hoteleira, conseguindo atrair turistas. Depois há outros produtos com elevada notoriedade. É o caso do Parque Nacional da Peneda-Gerês e dos Caminhos de Santiago que a partir de Portugal estão numa ascensão meteórica. E quem o diz não somos nós, quem o diz são as autoridades da Galiza. Já era assim antes da pandemia, mas agora voltou a acentuar-se essa tendência. Depois, tudo aquilo que esteja relacionado com os vinhos tem claramente uma grande notoriedade. O Douro, como a região demarcada mais antiga do mundo, vai mantendo esse espaço. Também os vinhos verdes já são conhecidos internacionalmente. Agora, o que é preciso fazer é dar a conhecer outros ativos que temos.
Que tipo de ativos?
Falo, por exemplo, no termalismo, onde temos uma oferta muito interessante. Cerca de 47% de oferta de termalismo em Portugal está no Norte e é preciso divulgá-la mais. É também preciso divulgar mais um trabalho que fizemos muito recentemente com o Turismo de Portugal, que é o turismo industrial. Temos muitas empresas que aderiram, mas é preciso agora comunicar. A própria rota dos vinhos e da natureza também necessita de maior comunicação. O mesmo acontece em relação ao turismo literário, onde podemos ter uma vantagem competitiva, nomeadamente em mercados como o Brasil, onde os nossos grandes autores, como Eça de Queirós, Miguel Torga, Fernando Pessoa e José Saramago são sobejamente conhecidos. O que é que isto mostra? Temos ainda muito trabalho pela frente e com a vantagem de termos muitos ativos para promover. Isto é um trabalho que não está esgotado, longe disso, porque felizmente matéria não nos falta. Agora necessitamos de tornar esses produtos com a mesma notoriedade que outros já têm em Portugal como um todo. É o caso do golfe, do sol e praia e da gastronomia. Isso mostra que ainda temos muito para explorar e para poder crescer e, com uma vantagem: esses produtos, como os Caminhos de Santiago, o termalismo e o turismo industrial estão espalhados por todo o território e podem ser um catalisador para o interior, podendo ajudar a reforçar os números que pretendemos no interior. Acho que é consensual entre todos que é o turismo que mais tem tentado contrariar aquela narrativa da fatalidade. Olhamos para o interior como uma oportunidade e onde temos muito para trabalhar.
Diz que há ainda hipótese de crescer mais. Como vê os discursos daqueles que dizem que temos turistas a mais e que devíamos apostar noutros setores de atividade?
Os profissionais de turismo obviamente que têm de falar sobre o seu setor. Se me perguntasse se gostava de ver outros setores a crescer da mesma forma como o turismo cresce? Claramente que sim. Mas não é pelo facto de não estarem a crescer à mesma velocidade que concordo com a crítica feita ao turismo. É uma crítica que não percebo. Então não devemos arrecadar tanta receita para o país? Não percebo a lógica. Lembro-me dos anos da pandemia, em que o turismo desapareceu e com ele desapareceram as vendas dos vinhos, das loiças, dos têxteis, das lavandarias, dos transportes, etc. É sobejamente conhecido que somos assim, mas a nossa memória é bastante curta. Quando o turismo parou pararam dezenas de outros setores de atividades. Quando o turismo começou a crescer cresceram dezenas de outros setores de atividades. E em relação aos territórios de baixa densidade e em relação ao interior o turismo é sem dúvida o setor que não desiste. É o setor que teima em acreditar nesses territórios. É um setor que ainda consegue fixar jovens, que ainda consegue manter emprego e que consegue gerar economia. Não podemos, com a falta de investimento noutros setores ou com velocidades diferentes, criticar o que está a trabalhar bem. Temos sempre a mania de criticar quem está a ser bem-sucedido.
Sente que o turismo, nomeadamente em determinados setores, como no alojamento local, está a ser usado como bode expiatório para o problema da falta de habitação e para o aumento do preço das casas, principalmente nas grandes cidades?
Não sou nem naïf, nem ingénuo, e muito menos pouco transparente. Se me perguntarem se o turismo só traz coisas boas? Não, não é verdade. O turismo tem impactos muito positivos, mas também tem alguns impactos negativos. Mas na balança contam mais os impactos positivos e é por isso que vale a pena apostar no turismo. Claro que há questões como essa que acabou de focar que importa regulamentar e julgo que é isso que alguns municípios já estavam a fazer, nomeadamente o Porto e Lisboa. O único apelo que faço, e acho que há esse cuidado, é que o território não seja visto como um todo, porque se há pressão no alojamento local nas freguesias dos centros históricos das grandes cidades, essa pressão não existe, mesmo em cidades como Porto e Lisboa se nos afastarmos um pouco do centro, e muito menos existe quando nos afastamos das grandes cidades e vamos para o interior. Há muitos concelhos na região que se não fosse o alojamento local não tinham forma de reter os turistas. Ou seja, ainda há muitos concelhos no país onde não há hotelaria e é o alojamento local que vai conseguindo resolver esta questão. Isso revela que o alojamento local é uma peça importante. Já em relação ao impacto do turismo nas grandes cidades, temos de ver sempre o outro lado, que é o lado positivo que o turismo criou. O Porto, que é uma cidade que conheço bastante bem, antes do turismo chegar de forma mais significativa por volta de 2011/ 2012 tinha muitas artérias degradadas e que hoje estão requalificadas muito por força do turismo. O setor trouxe muita regeneração urbana que é preciso valorizar, não se deve olhar só para os aspetos negativos. Agora, não escondendo que obviamente há um impacto negativo por parte da atividade. Claro que sim e quem disser o contrário está a mentir.
E compreende as medidas que foram aprovadas pelo Parlamento no pacote Mais Habitação e que poderão levar ao fim do alojamento local?
Compreendo todas as medidas desse pacote, com exceção do que foi feito em relação ao alojamento local, que merecia um olhar mais cuidado e mais atento sobre a sua importância. Trouxe oferta onde não havia e também deu vida às próprias cidades, já que em muitos casos foi para artérias que eram pouco movimentadas. E além de gerarem vida geraram a abertura de novos negócios: mercearias, lavandarias, empresas de limpeza, etc. Foi todo um ecossistema novo que surgiu e é preciso ter cuidado sobre o que é que vai acontecer a essas pessoas.
Outro problema que o setor enfrenta diz respeito à falta de mão-de-obra…
Há pouco tempo falávamos que faltavam cerca de 50 mil profissionais no setor e chegámos à conclusão que não conseguiríamos compensar essa falta de profissionais sem recorrer à imigração. É um problema que está identificadíssimo por todos, só falta avançar e acelerar todos os processos que permitam captar profissionais do setor que se encontram em outras latitudes, alguns com grande proximidade a Portugal, como são os países de língua portuguesa, os PALOPs, onde encontramos gente já com alguma formação. E se não tiverem formação podemos dá-la em Portugal. Temos das melhores escolas de turismo que existem a nível europeu, agora temos é de acelerar, porque isso poderá ser um problema não de longo prazo, mas de curto prazo se defraudarmos aqueles turistas que vêm para Portugal e que vêm à procura da tal promessa de uma oferta qualificada. Os turistas que estamos a tentar atrair são também turistas mais exigentes e que não perdoam uma oferta menos qualificada. Este sim, poderá ser um fator crítico de sucesso para o país, mas esta questão tem de ser analisada em termos nacionais e não em termos regionais.
O Governo prometeu agilizar esses processos, nomeadamente com os países da CPLP…
O feedback que temos é que poderia ser ainda mais rápido do que aquilo que está a acontecer.
E para atrair mais trabalhadores é necessário mudar a mentalidade de alguns empresários, como mudar horários ou aumentar salários?
É uma questão transversal ao país e quem disser o contrário não está a falar verdade. Obviamente que temos no setor do turismo, como em outros setores, de aumentar salários. E por aquilo que vou conversando, nomeadamente com os responsáveis do setor privado, é algo que já está no seu consciente e sei que nos últimos tempos foram dados passos no sentido de aumentar as condições remuneratórias dos trabalhadores. Se não o que acontece? Não conseguimos reter talento e aqueles que vamos formando facilmente são aliciados pelo nosso país vizinho ou por outros países, porque as distâncias não existem para um jovem que frequenta uma escola de hotelaria ou um politécnico. Quem tem licenciaturas de turismo ir trabalhar para o Dubai é algo que é pacífico. Por isso também temos de ser competitivos e a competitividade passa pelas condições que são dadas aos trabalhadores.
O presidente da Câmara do Porto tem feito duras críticas em relação à atuação da TAP no aeroporto Sá Carneiro. Subscreve-as?
Em primeiro lugar é preciso recordar que essas reivindicações feitas desde há muito tempo pelo presidente da Câmara Municipal de Porto, Rui Moreira, mereceu sempre a máxima solidariedade por parte do Turismo do Porto e Norte e de outras instituições, como a AEP, a Associação Comercial do Porto. Temos vindo ano após ano, administração após administração, a manter a expectativa de que algum dia alguém cumprisse aquilo que vão prometendo para o Porto, porque no início dos mandatos as promessas são sempre muitas, mas depois têm sido sempre defraudadas. Temos um excelente aeroporto que tem dado provas disso, não só pela capacidade da sua operação, mas pelos prémios que vai conquistando internacionalmente. Tem em seu redor um universo de cerca de cinco milhões de pessoas, não serve só o Porto, serve também a região Centro e a região da Galiza. Aliás, é um dos aeroportos mais utilizados pelos galegos. Por isso, este aeroporto merecia mais atenção, ainda por cima porque sem ter de mudar de lugar pode ainda crescer mais. Em relação a esta nova administração da TAP, está ainda a beneficiar do benefício que damos sempre a quem começa a trabalhar. É certo que teve o cuidado de contactar as regiões, e poderá ser importante o facto de o novo CEO ter a experiência de ter estado numa companhia regional e saber melhor do que ninguém as dificuldades e a importância que tem a conectividade aérea para as regiões. As primeiras conversas que tivemos foram extremamente interessantes e positivas. Foi fácil explicar à nova administração a importância que a conectividade aérea tem para a região e não é só em matéria de turismo. Por feliz coincidência, os mercados que são importantes para o setor, nomeadamente os de longa distância, também são importantes para as empresas da região. É importante relembrar que mais de 40% das exportações saem da região do Porto e Norte, mas também são importantes para a diáspora. Se fizermos um cruzamento entre estas três realidades – diáspora, empresas e indústrias – temos mercados que são muito semelhantes para os três: Estados Unidos, Canadá, Brasil, Ásia. Esta administração foi sensível a esse argumento e está prometida para breve uma reunião no Porto com algumas destas instituições que mais têm levantado esta questão, mas é como diz São Tomé: ver para crer.
As críticas apontavam para o facto de a TAP estar praticamente de costas voltadas para o Porto e concentrar praticamente toda a operação em Lisboa…
Não é muito fácil de explicar, principalmente quando a TAPfoi a última companhia a recuperar a operação no pós-pandemia. Todas as outras recuperaram de forma surpreendente, ultrapassando até a operação que tinham em 2019, menos a TAP. Depois a TAP, nomeadamente nas ligações aos Estados Unidos e ao Brasil, deixou-se ultrapassar no aeroporto do Porto pela esmagadora maioria de outras companhias privadas. A TAP deixou de ser relevante no mercado europeu. Por outro lado, a prometida e famigerada ponte aérea foi muito maltratada, foram feitas promessas atrás de promessas, mas nunca foi feito um trabalho de qualidade em relação à ponte aérea. Tudo o que temos estado a conversar com a nova administração vai ser nesse sentido. Estão identificados os problemas e queremos acreditar que, se calhar pelo facto de, pela primeira vez, termos portugueses a liderar esta companhia, as coisas possam ser mais fáceis.
Este impasse prejudica não só a região de Lisboa como também acaba por afetar o turismo nacional?
Que prejudica o turismo nacional já é mais do que evidente. As contas estão feitas. Curiosamente, a Confederação do Turismo de Portugal até tem um painel que vai dando ao segundo o prejuízo que o país vai tendo por não ter um novo aeroporto. Mas a questão é muito mais grave do que isso. É um tema que nos envergonha a todos, e não é todos os desta geração, são de várias gerações. Não há partido que escape, não há responsável que escape porque 50 anos é muito tempo para adiarmos algo que sabíamos que mais cedo ou mais tarde nos iria prejudicar e que hoje já está a prejudicar.
E quanto às soluções que estão a ser estudadas? Seria preferível restringir, por exemplo, a três ou a quatro?
Claro que sim, mas quando se quer adiar um problema vamos criando novas comissões. Acho que está na altura, de uma vez por todas, de decidirmos. O que falta aqui é decidir e entregar o poder de decisão a quem neste momento está a liderar os processos. Não podemos estar a perder mais tempo. Já perdemos tempo demais.
Os responsáveis do setor já só pedem uma solução, independentemente da sua localização…
A frase pode parecer dura, mas é um tema que nos deve envergonhar a todos.
Em relação à ferrovia, o Turismo do Porto tem pedido um reforço da ligação ferroviária a Espanha…
Portugal cometeu um erro muito grave, nomeadamente nos anos 80, ao virar as costas à ferrovia. Hoje, passado todo este tempo, percebemos que a ferrovia não só é o presente em muitos dos países desenvolvidos, como é com toda a certeza absoluta o futuro, até pela sua capacidade de ser um transporte não poluente, numa altura em que estamos em alarme e em emergência climática. Na região Norte temos alguns projetos que defendemos porque podem ser transformadores para a realidade do território. Um deles é linha do Douro, pela ligação que permitia fazer entre o litoral e o interior, por conseguir rasgar o Douro até à região de Castela. É provavelmente a linha férrea mais bonita do mundo, até pelo respeito por todas aquelas gerações que construíram uma linha no local onde à partida se calhar seria mais fácil dizer ‘aqui é impossível’. Está no meio de uma encosta com um rio a tantos metros de profundidade e não é a profundidade que existe hoje, porque quando a linha foi feita não existiam barragens. Há um estudo de uma consultora alemã que foi entregue à Comissão Europeia e apontava duas linhas no mundo que deveriam ser reabilitadas: uma dessas linhas é precisamente a do Douro. As notícias recentes são boas e indicam que há vontade de avançar. Está-se a avançar já ao nível dos projetos de engenharia que envolvem toda aquela obra e espero que não vá agora para trás para que finalmente possa vir à luz do dia porque é de extrema importância para o desenvolvimento de toda a região. Mas posso dar outros dois bons exemplos. O sucesso que hoje têm cidades próximas do Porto, como Braga ou Aveiro – Aveiro não estando na nossa região, mas no Centro – acho que é muito pela força da facilidade que há de mobilidade pela via férrea a partir, por exemplo, das estações da Campanhã e de São Bento. É facílimo chegar a Braga ou a Aveiro e vemos aqueles comboios cheios de turistas. Isso poderia acontecer em outras localidades.
Em relação ao trabalho do Governo e às mudanças na pasta do turismo, como as avalia?
Avalio estes primeiros meses do novo secretário de Estado de forma positiva. Primeiro porque entrou com uma vontade muito grande de mudar o paradigma de territórios mais desfavorecidos, o dito interior. Embora em turismo cada vez gosto menos de falar em interior. Falamos internamente entre nós, mas quando estamos a fazer a promoção externa não podemos falar no interior, se não assustamos os turistas para quem o interior é andar sete ou oito horas de automóvel. O nosso interior é muito curto para os nossos mercados. Além disso, o secretário de Estado tem uma vantagem porque conhece bastante bem o turismo de Portugal, as regiões, as CCDR. É um homem de diálogo e há uma boa expectativa em relação àquilo que irá ser o mandato. O mesmo se aplica ao presidente do Turismo de Portugal, que conhece muito bem a máquina do turismo, conhece bem a região. E não só conhece as regiões, como julgo que é reconhecido por todos como um presidente que dá valor às entidades regionais, percebe a sua importância e sabe que são estratégicas para o sucesso do turismo. Agora temos outras questões em que estamos todos a trabalhar, se calhar nem todos concordarão com elas, mas penso que está no momento de rever a lei que tutela as entidades regionais, a famigerada Lei 33 que, em boa verdade, tinha como vontade dar autonomia administrativa e financeira às entidades regionais e acabou por não dar. Está na altura de dar um novo salto, até porque o turismo sempre esteve um bocadinho na vanguarda. Se reparar, hoje fala-se em descentralização e em regionalização, mas este trabalho tem sido feito no turismo há muitos anos. Agora está na altura de dar um novo salto. E esse salto, na minha ótica, passa por repensar essa lei e reforçar mais as verbas disponíveis para a promoção externa. Os nossos concorrentes têm orçamentos bem superiores. Por exemplo, os meus colegas da Galiza têm 16 milhões de euros só para a promoção externa, nós não chegamos a dois, mesmo com o sucesso que vamos tendo. Mas isso são questões que estamos a tratar de forma muito pacífica.
Começámos a entrevista a dizer que este semestre bateu recordes. O que se pode esperar até ao final do ano?
A expectativa é que irá ser um ano recorde em número de hóspedes e em número de dormidas. O que gostava muito que acontecesse é que, além de ser um ano recorde, fosse um ano onde essa distribuição de turistas fosse mais visível, ou seja, que o território crescesse como um todo e não só apenas na Área Metropolitana do Porto. E de ter turistas ao longo de todo o ano. Têm-me perguntado sobre os preços que estão a ser cobrados e o apelo que fazemos sempre é que sejam praticados preços justos – justos em relação à promessa que foi feita ao cliente, ou seja, à qualidade do serviço que lhe é oferecido. Se tenho um hotel com um preço elevado, mas se esse preço é justificado pelo serviço que lhe é oferecido, nada contra. Até porque temos que de uma vez por todas decidir qual é o discurso que queremos. Passámos uma série de anos a discutir que tínhamos de crescer em valor. Por exemplo, tínhamos vinhos de grande qualidade, mas que eram vendidos a preços muito baixos e achavam que deveriam ser vendidos mais caros, porque conseguiríamos fazer com que toda a cadeia de valor ganhasse mais com isso. No momento em que o começámos a conseguir fazer: ‘Aqui-d’el-rei, agora os vinhos estão demasiado caros’. Temos de nos entender em relação à discussão que queremos fazer. Se finalmente estamos a crescer em valor e se temos justificação para crescer em valor e essa justificação, no meu ponto de vista, passa pela qualidade do serviço que é oferecido, então sim, faz todo sentido crescer em valor. É a isso que todos aspiramos. E o marketing nisso é assassino para o bem e para o mal, porque se alguém vende uma promessa que depois não corresponde à realidade só vende uma vez, o cliente saberá fazer o resto do trabalho. E hoje é muito fácil destruir uma imagem de uma empresa que vendeu de forma exagerada, mas que depois não conseguiu corresponder à expectativa que foi dada.
Por último apostou recentemente na apresentação da imagem de Região Solidária. Em que é que consiste?
O objetivo é tornar mais visível uma marca que já existia, um ativo que já existia na região, mas que não lhe era dada esta visibilidade de ser solidária e que tem provas dadas. Tivemos durante a pandemia uma resposta muitíssimo boa por tudo o que foi a hotelaria, disponibilizando a sua capacidade instalada para servir de apoio a todos os que eram profissionais da área de saúde. Temos exemplos de monumentos – e não queria estar a destacar nenhum em particular – que dão quantias avultadas a projetos de solidariedade social. Temos exemplos de projetos que nasceram no Douro e muito relacionados com o turismo que apoiam crianças desfavorecidas, crianças de famílias desestruturadas. Ou seja, temos uma dinâmica muito grande em termos de solidariedade, mas depois nem sempre lhe damos expressão. E o que quisemos fazer foi dar-lhes essa visibilidade e ajudar a despertar esta questão noutros que hoje, porventura ainda não o fazem, a juntarem-se a nós e a ajudarem a criar também projetos solidários. O Norte tem hoje projetos muito interessantes a este nível e queremos agora ajudar a replicar.