EUA. Se perder o Congresso, a vida de Biden fica muito complicada

EUA. Se perder o Congresso, a vida de Biden fica muito complicada


Se os republicanos tiverem uma vitória estrondosa “o sr. Putin pode pensar que só tem de esperar até 2024”, pelo regresso de Trump, aponta Azeredo Lopes ao i. Já Biden ficaria muito mais condicionado.


Os eleitores de uma mão cheia de estados decidirão o futuro da maior potência mundial. Dado que muitas corridas a senador ou congressista nestas eleições intercalares parecem decididos à partida, esta terça-feira todos os olhos se viram para os estados mais disputados – como a Pennsylvania, Georgia, Nevada e Arizona – para perceber se Joe Biden conseguirá manter alguma margem de manobra, antevendo-se que o seu partido perca controlo da Câmara dos Representantes e talvez do Senado. Até o Kremlin – acusado de utilizar fábricas de contas falsas nas redes sociais para apoiar Donald Trump em 2016 – observa atentamente.

O modelo da FiveThirtyEight antevêm uma probabilidade de 83% dos democratas perderem a Câmara dos Representantes, mas somente de 54% de ficarem sem a sua estreita maioria no Senado. “Faz uma diferença significativa os republicanos tomarem controlo só da câmara baixa ou do Congresso todo”, explica José Azeredo Lopes, à conversa com o i.

Este antigo ministro da Defesa Nacional, junto com outros analistas, comentará a noite eleitoral no Auditório Principal da Culturgest, esta terça-feira a partir das 20h15. Será em direto, numa conferência promovida pelo Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal (IDEFF) e pela Caixa Geral de Depósitos.

Afinal, sem o Congresso do seu lado, “a segunda parte do mandato de Joe Biden ficará muito mais condicionada”, salienta o ex-ministro socialista. E isso teria impacto nos aliados europeus de Washington, porque “haveria um regresso maior às questões internas por parte dos Estados Unidos”.

Até há receio que com o Congresso – quem tem nas mãos o poder para aprovar ou não medidas com impacto orçamental – nas mãos dos republicanos fique em risco a continuação do apoio militar e financeiro dos EUA à Ucrânia, medida crucial para enfrentar a invasão russa (ver página 10). Entre republicanos mais alinhados com o ex-Presidente sempre houve ferozes críticas aos mais de sessenta mil milhões de dólares mandados para Kiev. 

Ainda assim, Azeredo Lopes mostra-se confiante que as lideranças de topo republicanas não abandonariam os ucranianos. Recordando a recente visita conjunta de senadores republicanos e democratas – Rob Portman e Chris Coons, respetivamente – a Kiev, a semana passada, prometendo que há consenso entre ambas as bancadas.

“Isso leva-me a acreditar que a Administração Biden está a fazer bem o seu trabalho, a garantir que isto seja visto como um assunto nacional. Para que possam ir os anéis mas fiquem os dedos, como se costuma dizer”, aponta o antigo ministro português da Defesa Nacional.

No entanto, há riscos. “Os republicanos só terão na mira legislação de apoio à Ucrânia se os norte-americanos começarem a estabelecer uma relação direta entre esse apoio e as dificuldades económicas que têm”, avalia. “Mas o que acho mais provável é que aumente a pressão para os Estados Unidos apoiarem negociações”, naquilo que “já é com certeza um piscar de olho à posição republicana”. 

Talvez o Kremlin tenha isso em conta quando promete meter o dedo nas eleições intercalares. “Nós interferimos, nós estamos a interferir e vamos interferir”, garantiu o chefe dos mercenários da Wagner, Yevgeny Prigozhin, que é acusado de fazer o trabalho sujo de Vladimir Putin, incluindo gerir fábricas de bots nas redes sociais. E os seus agentes vão interferir nas eleições americanas “cuidadosamente, com precisão, cirurgicamente”, assegurou, em comunicado. 

É que “se as perdas forem relevantes para o partido democrata, junte a isso a declaração imediata que Donald Trump fará de candidatura”, pondera Azeredo Lopes. “Isso dá um ânimo grande a quem? Ao senhor Putin. Porque pode pensar que só tem de esperar até 2024. Imagine que é o Putin”, desafia. “Vê Biden com taxas de aprovação horríveis e um cenário económico nada agradável. E pensa que podem ganhar os republicanos. Eu pelo menos, se fosse Putin, era o que pensaria”. 

Folclore diverso Há corridas bem quentes em estados onde os eleitores há meses que são bombardeados por anúncios políticos. Na Georgia, que virou azul – a cor dos democratas – nas últimas presidenciais, não faltou polémica. Aqui, temos Raphael Warnock, um pastor democrata, a defender o seu posto de senador perante Herschel Walker, uma antiga estrela do futebol americano, que fez da oposição ao aborto a base da sua campanha, tendo pelo meio o Washington Post revelado que o republicano tinha pago por um aborto, 14 anos antes. 

Já no Nevada, a senadora democrata Catherine Cortez Masto defende-se contra o republicano Adam Laxalt, um antigo procurador estadual que até chegou a acusar o FBI de ser “demasiado político”, em declarações à NBC, após a rusga à residência de Trump em Mars-a-Lago.

No Wisconsin é o senador republicano Ron Johnson que enfrenta um pretendente ao seu lugar, o vice-governador Mandela Barnes. Contudo, as sondagens indicam que Johnson já resolveu o problema, graças a uma enchente de dinheiro dos republicanos que inundou este estado tão pouco populoso, gastando mais de 40 milhões de dólares, segundo os dados do Wisconsin Democracy Campaign, citados pela Associated Press. 

Contudo, não há nenhum estado que esteja a ser observado com tanta atenção com a Pennsylvania. Recebeu mais de 260 milhões de dólares em anúncios de campanha e visitas de dois antigos Presidentes, Barack Obama e Trump, no fim de semana.

Aqui digladiam-se Mehmet Oz – sim, exatamente, o famoso doutor Oz, que ficou conhecido por vender vitaminas ao lado de Oprah Winfrey, sendo depois acusado de posições negacionistas da covid-19 – e o vice-governador John Fetterman, um antigo sindicalista apontado como potencial teste a uma nova abordagem democrata. A ideia é de puxar candidatos com o perfil como Fetterman para apelar ao eleitorado branco, pobre e com baixos níveis de escolaridade que virou vermelho – cor dos republicanos – em 2016, com Trump. 

Na prática, isso implicou que Fetterman levasse a cabo uma campanha mais conservadora em alguns aspetos – mostrando-se contra a reforma da polícia ou recusando uma transição verde, num estado onde muitos vivem do fracking e viviam do carvão – e intransigentemente defensor de direitos laborais. Mas se Fetterman era suposto ser o teste para um novo tipo de candidato democrata, isso rapidamente mudou de tom, tendo sofrido um AVC. Algo que lhe deixou sequelas na audição e fala, algo com que o famoso dr. Oz troçou, fazendo com que boa parte da campanha girasse em torno deste tema.