Os passeios de whale watching são um dos negócios turísticos florescentes nos Açores. Mas será que se vêem mesmo baleias? Clara Silva foi fazer o teste na empresa mais popular de São Miguel no TripAdvisor, a familiar Moby Dick Tours. Rui Soares fotografou
“Susana resolve que é parvo os seus medos irracionais impedirem–na de aproveitar os sítios fixes onde vai. Resolve por isso que vai ver os golfinhos no alto mar açoriano. Susana tem medinho logo à partida, mas caramba, estas viagens são feitas todos os dias sem problemas. Susana embarca num barquito de borracha cheio de espanhóis. Susana vê golfinhos e acha que até valeram a pena os miniataques cardíacos de cada vez que é confrontada com as ondas e com a fobia do mar. Susana sente o barco a perder velocidade. O barco pára. O barco avaria no meio do nada. Susana fica duas horas à deriva no Atlântico, à espera de socorro, intercalando os ataques de pânico e choro com o auxílio ao meio mundo que está a vomitar. Susana já está em terra. Susana não volta a aproximar-se da sua némesis de água salgada até 2018.”
Quando se fala em ver golfinhos e baleias nos Açores, o depoimento da lua-de-mel de Susana Romana, em Abril deste ano, vem sempre à tona. Pessoas a vomitar e um barco de borracha parado em alto mar durante duas horas. Mesmo o que precisávamos depois de dois dias consecutivos de aborrecimento dentro de um anoraque, com a chuva a arruinar as férias de quem está em Agosto em São Miguel.
Pelo menos o barco das Moby Dick Tours, de madeira e talvez o mais robusto das Portas do Mar, tem um ar consistente, pensamos antes de embarcar. Esse pode ser um bom critério antes de alguém se aventurar num dos muitos passeios de whale watching, um negócio florescente nas ilhas do arquipélago, a robustez do barco.
A premissa nos Açores é simples: dantes caçavam-se cachalotes para sobreviver; quando a proibição à caça foi levantada, os barcos de pescadores e outros pequenos botes começaram a ver uma mina de ouro nos passeios com turistas. E que bonita é a Natureza…
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Baleias. Será que vão aparecer ou é mito? A dúvida começa a pairar… Ninguém nos garante que elas estejam com vontade de dar um ar da sua graça para as perto de 30 pessoas que se acotovelam no barco, a menos que alguém contratado para o efeito erga uma cauda de cetáceo dentro de água. Há que ter fé.
José Fernando da Costa, o capitão e dono do barco das Moby Dick Tours, garante-nos que vai fazer os possíveis para vermos baleias nestas quatro horas de viagem. Há algum truque? “Nenhum truque. Temos um vigia em terra que nos costuma dizer onde elas estão e vamos atrás”, explica-nos. “Mas elas nunca estão num sítio certo. Chegam a mergulhar até 1000 metros de profundidade para comer lulas gigantes. Quando não vemos baleias, fazemos um passeio pela costa para compensar as pessoas.”
O passeio pela costa costuma ser o último recurso. No dia anterior, José Fernando conta-nos que fez cinco horas e meia de passeio até as baleias aparecerem. “Fazemos sempre um passeio a pensar na boa qualidade do serviço. Até porque a nossa publicidade é o passa a palavra. Como sou eu o dono do barco não tenho pressa de voltar para trás. Quero estar mais tempo com os animais, até porque eles fazem muitas vezes coisas que a gente não espera. Dão saltos para fora de água, põem a cabeça de fora…”
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Azeitonas para não enjoar. No nosso passeio, o mar está “chão”, quer isto dizer que está tão calmo que em princípio não haverá enjoos. “Nem me lembro de ver ninguém a enjoar”, diz o capitão. “Até senhoras que estavam grávidas de sete meses e tudo não tiveram problemas.”
Ainda assim, nos bancos de madeira da cabine do barco estão várias filas intimidantes de sacos iguais aos que encontramos nos aviões. O melhor é ouvir os conselhos de quem andou toda a vida no mar: “Não comer muito e evitar comer coisas doces. Laranjas, chocolates e ice-creams é evitar. As coisas salgadas são o melhor para o mar. E azeitonas.”
Por enquanto ninguém enjoa, nem quando o barco dá voltas para atrair golfinhos para as suas ondas. E lá vêm eles. Ao redor juntam-se outros barcos, mais pequenos, de borracha, semelhantes ao que deixou Susana à deriva há alguns meses. Com coletes laranja, as pessoas saltam do barco para tentarem ver os golfinhos dentro de água com os óculos de mergulho. Nós ficamos dentro do nosso robusto barco.
Netos de José Augusto. Netos de José Augusto, é assim que se chama o barco que José Fernando comprou em 2003. “É um barco açoriano, feito por açorianos”, garante-nos. “Inicialmente era um barco de passageiros e foi construído para fazer a travessia enre as Flores e o Corvo.” (E parece que a travessia entre as duas ilhas não era muito calma.)
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“O José Augusto foi um grande homem, muito importante nos Açores”, continua o capitão. “Salvou muitas vidas porque transportou muita gente entre essas duas ilhas com tempos muito rigorosos. No início, nas Flores, não havia um porto de acostagem e era ele que fazia o transbordo com uma barcaça.”
José Fernando comprou o barco quando voltou aos Açores, depois de mais de uma década a trabalhar nos Estados Unidos, também no mar. Em São Miguel começou por fazer passeios turísticos, mas há quatro anos que tirou a licença de whale watching e montou esta empresa familiar. Os filhos trabalham com ele no mar, a namorada de um deles distribui panfletos e costuma atender os clientes em terra e foi um dos filhos que, com 16 anos, “desenhou no computador o logotipo da Moby Dick Tours”.
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Com o negócio montado, é esperar que as baleias apareçam na festa.
Delfim. Aos poucos começamos a ver alguns cachalotes. Primeiro ao longe, depois bem perto do barco. Os miúdos calam-se e até temos direito a uma gigantesca cauda a surgir de dentro de água. O dia está feito.
No TripAdvisor a empresa de José Fernando é a mais popular de whale watching em São Miguel e há quem tenha repetido a viagem “9 vezes”, conta-nos. “Houve um casal espanhol que fez uma viagem comigo quando ela estava grávida de sete meses. Há pouco tempo apareceram-me cá e mostraram-me o miúdo, que já tinha três anos. Chamaram-lhe Delfim por causa da viagem que tinham feito comigo”, ri-se.
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Por pessoa, uma viagem custa 35 euros, “o preço mais barato da ilha”. Porquê? “Porque não pago comissões a agências de viagem como outras empresas. Ainda por cima algumas já tentaram denegrir a minha imagem, disseram a clientes da Holanda que eu não oferecia segurança no barco, nem para os animais. Quando soube abri um processo contra eles, fomos à polícia e esses clientes holandeses preencheram os dados todos e apresentámos queixa.”