Exma. Senhora Arlete Soeiro
3ª subsecretária da secretária-adjunta
Programa de auxílio aos povos indolentes e falidos
Gabinete do secretário-geral Ban Ky-moon
Sede da ONU – NY- EUA
Dr.ª Arlete Soeiro,
Os americanos não gostam dos franceses e sobretudo detestam ouvir falar de invenções nascidas fora dos EUA. A inovação, a novidade, a invenção são exclusivos americanos – made in America, para quem não está a perceber. Fora dos EUA é a escuridão, o homem das cavernas, a idade da pedra lascada. Basta ver como vivia o Saddam quando o encontraram! Por isso, o país do Tio Sam não celebra o 19 de Agosto, o Dia Mundial da Fotografia. E a ONU vai-lhe na peugada e… zás! também não adere aos festejos. É verdade que a sede da ONU é em Nova Iorque, mas mesmo assim!… ficar a ouvir rádio enquanto todo o planeta recorda o pai da fotografia, não me parece boa opção. Tratará, Dr.a Arlete, de fazer chegar este meu sentimento ao Sr. Ban Ky-moon. Está todo o mundo de férias, mas mesmo assim é de desconfiar que haverá sempre alguém capaz de notar este isolacionismo e a ONU fica mal na fotografia (perdão!…) ao acompanhar o Sr. Obama na política do orgulhosamente sós.
Lá porque o homem era francês, tinha um nome horrível (Louis Daguerre) e ainda por cima resolveu chamar daguerreótipos às placas em que mal conseguia fixar as imagens, tudo isto sopesado não chega para fingir que não foi ele quem iniciou a história da fotografia. O Sr. Ban Ky-moon saiu-me cá um bom Passos Coelho! Este está contra tudo quanto o Tribunal Constitucional quer, aquele irrita-se porque os daguerreótipos foram reconhecidos pela Academia Francesa de Ciências. Ó homem, deixe lá essa irritação que a coisa já vem de 1839!
Em todo o caso, se insistir em ficar à margem do Dia Mundial da Fotografia, aconselho o Secretário-geral a desligar a rádio e ir a uma matinée ver o Blow Up do Antonioni. Sempre é mais diplomático e subtil. Os assessores de imprensa farão passar a mensagem de que não lhe interessa para nada a Jane Birkin toda descascada, nem a sessão com a Veruschka, nem mesmo o ar lânguido da Vanessa Redgrave: o seu interesse pelo filme centra-se no fotógrafo protagonista e naquela foto de banco de jardim em que realmente nada se vê, mas que talvez sugira um corpo e um revolver – ou não?
Com tanto telemóvel, tanto sexting e tanta selfie a malta jovem acha que o Steve Jobs é que inventou a fotografia. A minoria discordante acredita que foi o Bill Gates. Finalmente, uma percentagem filosófica completamente despicienda afirma que o drama da juventude atual é mesmo este: andar a bater de Gate em Gate para procurar um miserável Job.
De resto, estou de acordo: a fotografia é uma chatice, está sempre a reenviar-nos para a realidade. A ficção é muito melhor. Nós queremos é novelas, séries e contos-de-fadas. Quem quer ver fotografadas as filas de pobres desempregados à porta dos centros de emprego, quando tem à sua disposição o filme do crescimento económico realizado pelo estúdio Passos, Rabit & Brothers Limited? Quem diz que uma foto vale mil palavras esqueceu-se de dizer que uma ficção vale um milhão de palavras!
Só em Belém é que as fotografias são devidamente apreciadas. A coleção da minha Maria organizada sobre o tema “O Aníbal com eles” já ultrapassou as oito mil, sem qualquer repetição. À exceção, claro, do próprio Aníbal – que faz o pleno – e do Eng.o Sócrates que surge em várias para que se veja bem quanto envelheceu. Por outro lado – diz quem conhece – por mais que se procure e tente identificar não se encontra nenhuma foto que corresponda à legenda “Aníbal e o bolo-rei”.
Inclino-me e retiro-me,
Ricardo Barata de Leão
ricardobarataleao@gmail.com