As lições que o meu pai me ensinou

As lições que o meu pai me ensinou


Na véspera do centenário do nascimento de António José Saraiva (31.12.1917-17.03.1993), o SOL publica uma entrevista ao seu filho, José António Saraiva, feita pelo filho deste, José Cabrita Saraiva. Numa conversa franca, o antigo diretor do SOL e do Expresso revela episódios da vida e facetas menos conhecidas da personalidade do seu pai, o conhecido…


Houve algum conselho ou frase do teu pai que tenhas retido para sempre?

Houve duas ou três. Uma tinha a ver com a seriedade. Uma vez estávamos a discutir os roubos que os portugueses faziam nas livrarias de Paris, e eu estava a defender isso: ‘Eles não têm dinheiro e também não faz diferença nenhuma ao livreiro’. E ele diz-me: ‘Mas a pessoa não deve roubar por fazer ou não diferença aos outros. Não deve roubar por respeito para consigo própria’. Esta seriedade, que tinha uma dimensão intelectual e material, era um traço muito importante dele. Também me lembro de uma frase que disse quando entrei para o Expresso: ‘Vais arranjar muitos inimigos’. Eu achei que não, porque não era uma pessoa dada a conflitos. Mas depois vim a verificar que uma pessoa que ascende a determinado cargo vai necessariamente arranjar conflitos – e ele tinha razão nisso. Finalmente, uma coisa que vem um bocadinho na linha da modéstia e de uma certa parcimónia. Estávamos num táxi a chegar a Lisboa, depois da vinda definitiva dele para cá, em 1975 – eu, ele e os meus irmãos – e o meu irmão mais novo estava todo contente por ter comprado uma coisa muito boa. E o meu pai diz-lhe: ‘Ó Pedro, uma pessoa deve habituar-se a viver com pouco, caso contrário tem de fazer na vida muitas coisas de que não gosta’. Esse lado ascético, digamos assim, para permitir a sua liberdade de pensamento e de ação, era outro traço importante.

Algumas vez chegaste a pedir-lhe conselhos para os livros ou artigos que escrevias?

Não, não me lembro de ter discutido qualquer artigo com ele ou com ninguém. Nisso sou muito individualista e acho que a ideia de um livro ou artigo é como uma faísca que nasce na nossa cabeça. Nem é por presunção, é porque não acredito muito que duas pessoas pensam melhor do que uma e três pensam melhor do que duas. Mas, ainda a esse propósito, recordo-me de uma vez ter publicado um artigo no Diário de Lisboa. Estava ali nos meus vinte anos e dei-lho a ler, entusiasmado. Ele leu aquilo e, no final, disse assim: ‘Só vale a pena escrever se a pessoa conseguir agarrar alguma coisa de concreto. Porque opiniões há muitas, cada pessoa tem a sua. O que é importante para uma pessoa que escreve é agarrar alguma coisa de concreto’.

Deve ter sido um balde de água fria…

Mas foi muito importante, porque eu tinha uma escrita mais errática e a partir daí passei a ter sempre uma ideia central, não escrever um artigo a filosofar sobre isto ou aquilo, mas a pessoa sentir que está a agarrar qualquer coisa. Isso resultou muito dessa conversa com ele. Depois, com as crónicas da Política à Portuguesa, onde se nota esse despojamento, essa secura, essa tentativa de agarrar uma ideia e não sair dali, ele disse-me um dia: ‘Tens uma qualidade que eu também penso que tenho, que é ir de vez em quando ao fundo das coisas’.

Foi o maior elogio que te fez?

Foi, porque de resto não era uma pessoa muito dada a fazer elogios.

Leia a entrevista completa no SOL deste sábado