Inês Henriques. A última é também a primeira

Inês Henriques. A última é também a primeira


Aos 37 anos, a atleta natural de Santarém tornou-se na primeira campeã mundial de 50km marcha de sempre, juntando-se a um restrito grupo de portuguesas que lograram a saída do anonimato e levaram o hino de Portugal aos quatro cantos do mundo. No horizonte tem agora outra meta ainda mais ambiciosa: o ouro olímpico. Se…


Desde o passado domingo, Portugal tem uma nova heroína. Com 37 anos de idade e 25 de carreira, Inês Henriques tornou-se na mais recente medalha de ouro portuguesa ao vencer o Campeonato do Mundo de 50km marcha nos Mundiais de Londres. Vencer uma competição mundial, só por si, já é sempre um feito assinalável, mas o caso específico de Inês ainda tem outra particularidade que a torna mais especial: ela foi a primeira campeã de sempre nesta distância, pois esta foi a primeira vez que a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) permitiu às mulheres competirem com os homens em 50km marcha. E isto apenas na segunda corrida que fez na distância – na primeira, em janeiro, já tinha estabelecido o novo recorde mundial feminino, com 4h08m25s; agora baixou a marca para umas históricas 4h05m56s. Com outra curiosidade: conseguiu terminar à frente… de um homem, o boliviano Ronal Quispe, que fez 4h08m2s.

Até agora, Inês Henriques nunca tinha estado debaixo dos holofotes e do mediatismo. Nunca teve as luzes das câmaras a incidir sobre o incrível esforço e dedicação que coloca à marcha desde 1992, sempre no CN Rio Maior – conhecido no meio como o «berço da marcha em Portugal» – e sempre com Jorge Miguel como treinador. Ainda tentou a sorte no basquetebol, mas depressa percebeu que não era para aí que estava talhada – até porque acabaria por não passar da pitoresca altura de 1,58 metros…

Quando Inês começou na marcha, com apenas 12 anos, já Susana Feitor quebrava barreiras na modalidade. Em 2001, nos Mundiais de Edmonton, participaram as duas nos 20km. Não lhe correu bem: acabou desqualificada. Mas era só o início. Daí para cá, participou nos Jogos Olímpicos’2004, em Atenas (25ª), e foi 27ª no ano seguinte, no Mundial de Helsínquia onde Susana Feitor conseguiu o bronze, na que foi a primeira medalha de sempre portuguesa na marcha. Foi acumulando participações em Mundiais, Europeus e Jogos Olímpicos (foi 12ª no Rio de Janeiro, no ano passado), sempre nos 20 km. Este ano, decidiu aumentar a fasquia e mostrar que as mulheres podiam, de facto, competir ao lado dos homens nos 50 km. Obstinada, nunca desistiu do sonho e treinou sempre no limite, mesmo sem saber se iria realmente poder fazer esta distância – faltava o tão desejado aval da IAAF.

Recorde mundial à primeira

Em janeiro, deu a primeira grande demonstração de que poderíamos estar à beira de nova glória para Portugal. Em Porto de Mós, na primeira e única corrida de 50 km que havia feito até aos Mundiais da glória, Inês Henriques marchou durante 4h08m25s, estabelecendo o novo recorde mundial feminino. Aí, o treinador pôs-lhe na cabeça uma ideia que mais ninguém tirou: se havia alguém que podia fazer menos de 4h06m, era ela! E houve mais quem pensasse o mesmo depois de ver tal prestação. «Assim que ela fez essa prova, percebi que esta medalha poderia vir a acontecer. Ela queria ser uma precursora e o que conseguiu ali foi um resultado extraordinário, um recorde mundial. Foi para esta prova com a melhor marca de sempre e era altamente previsível que este desfecho se pudesse tornar uma realidade», afirmou ao i Jorge Vieira, presidente da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA).

O dirigente máximo do organismo que rege o atletismo em Portugal vê em Inês Henriques uma «atleta e pessoa excecional, humilde e muito, muito dedicada». Tudo predicados indispensáveis para quem sonha em ter sucesso nesta modalidade. «Há territórios onde um vaidoso ou um egoísta não têm lugar. Esta é uma modalidade onde é preciso sofrer tanto, que exige tanto esforço, tanta fadiga, que só alguém com perfil humilde se torna campeão. Quem nunca aceita um falhanço raramente chega a esse patamar», salienta Jorge Vieira, lamentando apenas a decisão da RTP de não comprar os direitos da prova, privando o público português de assistir à vitória da atleta ribatejana: «Foi uma facada nos atletas que tanto se empenham e tantos sacrifícios fazem para glorificar o país. A RTP optou por não transmitir a competição de uma modalidade secular, onde o país conseguiu os maiores êxitos desportivos da sua história. Não se compreende, mas lá terão as suas razões.»

Galeria de campeãs

Mesmo sem transmissão televisiva, a verdade é que a mensagem passou e hoje, o nome de Inês Henriques já anda nas bocas do povo. A ambição da atleta portuguesa, porém, não se esgota em Londres: no seu horizonte está já uma participação vitoriosa em Tóquio, Japão, nos Jogos Olímpicos de 2020. Falta, agora, que a IAAF valide a integração das mulheres na competição de 50km marcha. «Vai depender de todas as mulheres. Eu dei o grande empurrão e espero que as outras aproveitem», realçou Inês à chegada ao Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, onde foi recebida por um mar de aplausos.

A prestação em Londres colocou Inês Henriques num restrito lote de atletas portuguesas que conhecem a sensação de ganhar uma medalha de ouro. E tudo começou com Rosa Mota, no já longínquo ano de 1982, nos Europeus de Atenas. Arrancava aí a lenda e a carreira vitoriosa de uma das mais bem sucedidas atletas portuguesas de sempre – ao todo, foram cinco medalhas de ouro na maratona: uma nos Jogos Olímpicos’1988, outra nos Mundiais de Roma em 1987 e mais três em Europeus (Atenas, Estugarda e Split).

Na mesma categoria, destacou-se também Manuela Machado, uma vez campeã do mundo (1995, em Gotemburgo) e duas vezes campeã europeia (Helsínquia, em 1994, e Budapeste, quatro anos depois). Os Mundiais de Gotemburgo dariam também o ouro mundial a Fernanda Ribeiro, que já era campeã da Europa (1994) e viria em 1996 a conseguir um ouro olímpico tão inesperado quanto inesquecível em Atlanta, nos Estados Unidos, sempre a correr os 10 mil metros – além de duas medalhas de ouro nos três mil metros nos Europeus de pista de coberta em 1994 e 1996.

Outro dos nomes que fazem parte do imaginário coletivo é o de Carla Sacramento, campeã mundial dos 1500 metros nos Mundiais de Atenas, em 1997, bem como campeã europeia de pista coberta em 1996, em Estocolmo.

Mais recentemente, em 2012, foi Dulce Félix a inscrever o seu nome na galeria dourada da história do desporto nacional, ao sagrar-se campeã europeia nos 10 mil metros, em Helsínquia. Dois anos antes, Jessica Augusto tinha conseguido igual resultado nos campeonatos da Europa de corta-mato realizados em Albufeira. Também Sara Moreira inscreve o seu nome neste lote: primeiro, venceu os Europeus de pista coberta em Gotemburgo, em 2013, correndo os três mil metros; depois, sagrou-se campeã da Europa na meia-maratona em 2016, em Amesterdão.

Mas há mais. Muito mais. Falta falar de Naide Gomes, por exemplo. Nascida em São Tomé e Príncipe, país pelo qual competiu nos Jogos Olímpicos de Sidney, a antiga atleta do Sporting venceu os Mundiais de pista coberta em 2004 (Budapeste), ainda no pentatlo, e 2008 (Valência), já no salto em comprimento, e os Europeus de 2005 (Madrid) e 2007 (Birmingham), ambos no salto em comprimento.

No ano passado, Patrícia Mamona ascendeu igualmente ao lote das imortais, sagrando-se campeã europeia de triplo salto em Amesterdão.

Sobram Telma Monteiro, multi-medalhada de ouro europeia (2006, 2007, 2009, 2012 e 2015), e Vanessa Fernandes, campeã mundial de triatlo em 2007 e europeia em 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, mas também medalha de ouro nos Mundiais de duatlo em 2007 e 2008 e no Europeu de 2006.