As últimas cenas da liderança de Pedro Sánchez fizeram justiça à profunda crise existencial em que deixa o seu partido. Críticos e aliados passaram horas no sábado aos berros, recusando a uns e outros o direito de decidir o que – e como – seria votado no comité federal. Nada de surpreendente. O PSOE estava desde quarta-feira dividido em dois órgãos de poder concorrentes, o resultado da demissão de mais de metade dos membros da sua comissão executiva, orquestrada em bloco para forçar o afastamento de Sánchez e seus aliados. Estes recusaram fazê-lo, acenaram com os vagos estatutos do partido e, durante quase 12 horas no sábado, trocaram insultos, ameaças e quase agressões com os aliados dos barões, que há muito queriam ver Sánchez longe do poder. O secretário-geral tombou só ao início da noite, depois de finalmente se ter decidido que as suas propostas para eleições primárias e congresso extraordinário se votariam de mão no ar. Perdeu por 133 votos contra 105 e viu nisso a sua deixa: “Foi um orgulho e anuncio a minha demissão.”
O último ato de Pedro Sánchez está longe de ser o fim da crise nos socialistas espanhóis. O pior, aliás, talvez esteja ainda por vir:_um partido que parece irremediavelmente dividido entre as bases e os seus barões terá de decidir até ao final do mês se prefere abster-se e permitir um novo governo popular liderado por Mariano Rajoy, eventualmente fraturando-se por completo, ou se arrisca o seu estatuto de grande força da oposição numas terceiras eleições, às quais se vai apresentar prejudicado pelas batalhas internas e sem uma liderança consensual.
Não há decisões fáceis para a comissão gestora que este fim de semana assumiu provisoriamente as rédeas do partido. Também não estão ainda decididas as datas de eleições primárias e de um congresso extraordinário que possa sarar algumas feridas. Não se sabe, além disso, quem vai o rei chamar de entre os socialistas nas próximas semanas, quando estiver à busca de candidatos para uma última tentativa de investidura antes de convocar novas eleições para dezembro.
Vitória susanista Estas e outras decisões ficarão a cargo da nova comissão gestora, chefiada pelo presidente das Astúrias, Javier Fernández, aliado próximo de Susana Díaz, a baronesa que manobrou os críticos de Sánchez e que muitos veem como a provável nova líder socialista. A sair algum vencedor socialista do pandemónio de sábado é ela: tem em si o apoio de quase todos os líderes autonómicos, dos dirigentes históricos e das federações mais importantes. O caminho para uma liderança susanista está escancarado, só não se sabe ainda com que consequências eleitorais. Se vencer, a esquerda socialista ameaça fugir para o Podemos.
Pedro Sánchez apostou a sua liderança num pacto com o Podemos, Ciudadanos e – mais discretamente – com as pequenas formações nacionalistas, sabendo que só assim podia ser chefe de governo com apenas 85 deputados. Ao recusar tão determinantemente o lugar da oposição e um novo governo popular, ao criticar tão abertamente o poder dos barões socialistas e ao não fazer concessões aos seus críticos, Sánchez foi-se gradualmente aproximando da imagem do Podemos para evitar ser ultrapassado como segunda força.
Sánchez conseguiu-o a custo em junho, mas o bipartidarismo teima em não regressar. Quem quer que lhe suceda recebe um partido centenário, sim, mas também descaracterizado, que pode muito bem perder o lugar na solução de governo, pelo menos no futuro próximo. O Podemos, aliás, já celebra.