A realidade contemporânea é indissociável do plano digital. O mundo vive em permanente contacto e nunca a informação foi de tão fácil acesso, algo que permite ao Homem estar a par de qualquer acontecimento, em qualquer parte do globo, através de um clique. Isto não é nada de novo e já é algo intrínseco à sociedade, mas, com isto, o panorama político – e a própria forma de fazer política – sofreu mudanças significativas. O funcionamento da vida democrática beneficia dos avanços tecnológicos e das novas formas de transmitir informação, mas, como quase tudo, tem os seus senãos. A forma como os intervenientes políticos se adaptam e utilizam as ferramentas ao seu dispor é um fator importante para os resultados eleitorais, havendo já um leque de estudos académicos acerca do tema. É um fenómeno que afeta qualquer país, partindo do princípio de que garante aos seus cidadãos liberdades individuais básicas, ainda que possa ser uma faca de dois gumes, dada a facilidade de disseminação de informação falsa ou pouco precisa, deixando os utilizadores à mercê de várias narrativas fabricadas com base em mentiras.
Também um certo declínio do interesse das gerações mais jovens pelos órgãos de comunicação tradicionais aumentará a influência das redes sociais no sentido de voto. É algo que tem sido alvo de comentário e escrutínio, tendo até a revista Visão dedicado um artigo de dimensão considerável para demonstrar que o crescimento do Chega se deve, em parte, às redes sociais e que estas, mais precisamente o TikTok, são – e como indica o próprio nome do artigo de Mafalda Anjos – uma “máquina de fazer extremistas”. É certamente um caso de estudo de inegável interesse, porém, os populismos, de esquerdas e de direitas, têm-se alimentado principalmente da incapacidade de resolução de problemas reais por parte dos partidos no Governo, que devem reavaliar a sua ação e redesenhar as suas estratégias de comunicação para conseguir chegar às camadas populacionais que mais consomem conteúdo nas redes.
Para colocar em perspetiva, observamos que os debates televisivos referentes às últimas eleições legislativas de 10 de março, onde a abstenção foi a mais baixa das últimas cerca de três décadas e registou uma diminuição de mais de 8% face ao ato eleitoral de 2022, tiveram uma queda na média de audiências na ordem dos 15% quando comparados com os das eleições que concederam uma maioria absoluta ao Partido Socialista de António Costa. Uma demonstração da perda de atratividade dos canais políticos tradicionais.
Uma nova forma de fazer campanha
As tradicionais campanhas eleitorais, assentes no contacto in loco com a população, estão a perder espaço. É verdade que continuam a representar uma incontornável importância – veja-se o exemplo do vencedor das últimas legislativas, Luís Montenegro, que se deslocou a todos os 308 concelhos do país –, mas as redes sociais surgem como um complemento essencial para a difusão de ideias, propostas e propaganda política. A polarização política em Portugal é real, algo que está espelhado no novo ordenamento parlamentar, e o fenómeno digital tem a sua quota-parte de responsabilidade.
Segundo o estudo “Análise do impacto da desinformação na política, economia, sociedade e questões de segurança, modelos de governança e boas práticas: o caso de Espanha e Portugal”, ao qual o jornal ECO dedicou um artigo, concluiu-se que partidos de menor dimensão lideram a atividade nas redes sociais. Um dos gráficos apresentados demonstra que o Partido com maior engajamento em agosto de 2022 era o Chega, seguido pela Iniciativa Liberal. Estas duas fações lideravam o ranking com grande distância do terceiro colocado, o Partido Social Democrata. Mas o Partido Socialista, à data no Governo com maioria absoluta, encontrava-se apenas em oitavo, atrás de Partidos como o Ergue-te, o Bloco de Esquerda (5 deputados), o PAN (1 deputado) e o PCP (6 deputados).
Olhando para estes dados e para os resultados recentes é fácil constatar que o Partido com mais engajamento foi também o que mais cresceu, mas mesmo que a campanha e a construção de narrativas difundidas em vídeos curtos, uma forma mais fácil e que pode ser mais apetecível para o consumo de informação, tenha sido de facto importante para tal crescimento, não é possível afirmar de forma contundente que as redes sociais são o principal fator para que um Partido passe de cerca de 400 mil votos (que valeram 12 mandatos) para mais de 1 milhão (equivalentes a 50 mandatos) em pouco mais de dois anos.
A dimensão do impacto
Também nos Estados Unidos o tema é debatido e procura-se apurar a verdadeira dimensão do impacto das redes sociais nos resultados eleitorais. E, mesmo sendo verdade o maior consumo de conteúdo político nas plataformas sociais, não existem evidências fortes de que impactem de forma significativa os destinos de uma eleição. Como se pode ler no estudo académico de 2023 realizado por Thomas Fujiwara, Karsten Muller e Carlo Schwarz intitulado “Os Efeitos Das Redes Sociais nas Eleições: Evidências dos Estados Unidos” para a Universidade de Princeton, “se as redes sociais afetam realmente os resultados eleitorais é largamente desconhecido, e alguns sugeriram que as preocupações com os seus efeitos podem ser exageradas”. O raciocínio dos autores é seguido de um exemplo: “Nas eleições presidenciais de 2016, Trump recebeu menos votos de grupos demográficos com maior propensão para utilizar as redes sociais ou a Internet de forma alargada”. “De facto, o apoio mais amplo de Trump veio de eleitores brancos mais velhos sem educação universitária em áreas rurais, que estão entre os menos propensos a utilizar ativamente as redes sociais”.
Assim, pode concluir-se que apesar de ser um fenómeno cada vez mais importante na comunicação política, até impossível de ignorar, as redes sociais não são ainda um fator que assume um peso determinante para que se exagere nas preocupações. Contudo, e em nome da democracia e da verdade, a pedagogia acerca do fenómeno digital é fundamental para evitar tomadas de posição e de decisão que se possam basear em informação falsa ou pouco precisa.