Apesar do Banco Central Europeu (BCE) ter mantido inalterada as taxas de juro, pela terceira vez consecutiva, as famílias continuam a não poder suspirar de alívio, pelo menos, as que têm crédito à habitação ou as que estão a pensar em recorrer à banca para a compra de casa. Uma situação que se agrava quando não existe alternativa no mercado de arrendamento.
A opinião é unânime junto dos analistas contactados pelo i e também por Natália Nunes, coordenadora do gabinete de proteção financeira da Deco: “O custo do crédito agravou-se, exigindo um esforço suplementar das famílias e empresas com dívida a taxas variáveis”, o que leva a que os portugueses anseiem por um alívio das taxas de juro do BCE. Ainda assim, “admitem que ainda vão ter que esperar mais alguns meses por algum desafogo, ainda que ligeiro” e os valores que pagavam não vão voltar ao que era, pelo menos a curto prazo.
De acordo com Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, mesmo que o BCE desça as taxas de juro em abril, “o seu efeito positivo nos bolsos das famílias portuguesas é desfasado, levando tempo a fazer-se sentir”, tendo em conta se os créditos à habitação são contratos indexados à Euribor a três, seis ou 12 meses. “Por exemplo, um crédito à habitação indexado à Euribor a 12 meses e que tenha sido atualizado este mês, tem de esperar um ano para sentir algum alívio. Entretanto, o rendimento disponível das famílias deteriora-se gradualmente, penalizando cada vez mais o crescimento económico português em 2024”, revela ao nosso jornal.
Uma opinião partilhada por Ricardo Evangelista, diretor executivo da ActivTrades Europe, ao lembrar que o comportamento do BCE já era esperado. Chamando, no entanto, a atenção para o facto de a inflação continuar acima dos 2%, com alguns riscos que “não devemos ignorar, como por exemplo um potencial agravamento das tensões no Médio Oriente, que provoque novas subidas dos preços da energia”.
E acrescenta: “Face a este cenário, como previsto o BCE manteve os juros inalterados, deixando no entanto a porta aberta para uma primeira descida que poderá chegar tão cedo quanto março ou abril”.
Paulo Rosa admite, no entanto, que o mercado monetário deverá sinalizar uma primeira descida da taxa de juro na sua reunião de 11 de abril, “sendo a probabilidade de uma redução de 25 pontos de 88%”, mas reconhece que, caso o BCE não baixe os juros em abril, a probabilidade de uma descida de 50 pontos na reunião de 6 de junho “é bastante elevada”, referindo que, “ao todo, as taxas de juro deverão cair 150 pontos ao longo do ano, finalizando nos 2,50% na última reunião de 12 de dezembro”.
“Situação aflitiva”
Natália Nunes considera que o travão da entidade liderada por Christine Lagarde na subida dos juros “não é uma boa notícia para as famílias”, porque, por um lado, significa que as taxas de juro continuam elevadas e, por outro, há uma expectativa de quem já tem crédito à habitação de ver baixar a prestação, “até porque o mercado já se está a antecipar e reduziu ligeiramente as taxas Euribor”.
De acordo com a responsável, “é constrangedor muitas vezes as pessoas dizerem que ouviram dizer que os juros estão a baixar quando não veem isso refletido na sua prestação”, acrescentando ainda que “as famílias continuam com uma grande pressão, em que muitas estão a utilizar as suas poupança até ao limite ou a utilizarem os cartões de crédito para conseguirem manter em dia a prestação do crédito habitação com a esperança que começará a baixar. Isto é uma situação, diria, aflitiva”.
O mesmo cenário, segundo a coordenadora do gabinete de proteção financeira da Deco, repete-se para aqueles que querem contratar um crédito à habitação, uma vez que, “continuam a ver um custo muito elevado e da pouca habitação que existia e dos custos elevados da mesma”, nomeadamente os mais jovens. “Estes são outro segmento de consumidores que nos preocupa bastante porque continuam a não ter acesso à habitação porque não há arrendamento, em que as poucas casas que existem para arrendar têm rendas que são proibitivas e no caso de compra, além de as casas serem muito caras. Por outro lado, como o financiamento é de 90% também não têm a diferença da entrada para dar, o que acabam criar barreiras no acesso ao crédito à habitação. Claro que isto é tudo agravado por termos as taxas elevadas”.
Também as famílias monoparentais não têm uma vida mais fácil. “Vimos a dificuldade que têm de suportarem os custos e a verdade é que também não há muita alternativa. Mesmo que a pessoa decida que não quer continuar com a casa, mesmo vendendo, dificilmente conseguirá comprar outra e, por outro lado, encontrar no mercado de arrendamento uma casa ajustada aos seus rendimentos também não existe”, salienta.
Apesar de os analistas acenarem com a hipótese de uma descida dos juros já em abril, Natália Nunes admite que até pode existir algumas descidas até o final do ano, “mas não irá descer para valores negativos ou para perto do zero, como tínhamos há uns tempos”, ou pelo menos, não a curto prazo. “O preocupante é que a maior parte das famílias tem crédito com taxa variável indexada a Euribor ou a seis meses a um ano. Portanto, isto significa que, por exemplo, quem fizer a revisão do crédito agora no mês de janeiro claro que vai ter um aumento da prestação e também é claro que a sua prestação só será vista dentro de um ano”.
A agravar está ainda o facto de as famílias serem confrontadas com o aumento do custo dos mais variados bens e serviços. “Viemos de um período de inflação elevado e ainda estamos com níveis de inflação acima daquilo que é recomendável. Não vamos voltar a ter os preços que tínhamos em 2022 ou antes de 2022. E isso para muitas famílias e sabemos que temos muitas famílias com baixos rendimentos em Portugal é uma situação muito complicada”.
Virar de página
Mesmo reconhecendo a situação difícil vivida pelos portugueses, Natália Nunes afirma que estamos num período diferente face ao que foi vivido durante a troika, em que a taxa de incumprimento disparou e os bancos ficaram com carteiras de mal parado. “Não estamos, felizmente, na mesma situação, até porque o cenário é outro”.
Ainda assim, lembra que não nos podemos esquecer que, na altura da troika, a taxa de desemprego era muito elevada e havia muitos casos de famílias sem rendimentos. “Neste momento, as famílias têm rendimentos. O problema é os rendimentos não são suficientes para suportar todas as despesas. É completamente diferente”.
Por outro lado, chama a atenção para o facto de existirem outros instrumentos legais que não existiam no período de ajuda financeira, referindo que instrumentos como o PARI (Plano de Ação para Risco de Incumprimento) ou o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) foram criados em 2012, o que acaba, no seu entender, “por fazer uma diferença significativa”. Por outro lado, também refere que “foram criados alguns apoios que fazem diferença e que evitam que a pressão seja aquela que se viveu nos anos da troika”.