No dia 22 deste mês, telefonou-me um jornalista do Diário de Notícias perguntando-me se já havia lido uma notícia constante da página 17 da edição em papel desse jornal.
Disse-lhe que não, que era muito cedo e que não havia ainda saído de casa para comprar os jornais em papel, como costumo fazer, apesar de assinar alguns deles e ter por isso, também acesso por via digital.
Sugeriu-me que o fizesse, que ele ficava à espera e depois me ligaria para conversarmos sobre a notícia.
Passada uma hora, já depois eu estar no café a folhear os jornais, como me agrada e posso agora, jubilado, fazer todas as manhãs, recebi nova chamada do mesmo jornalista que, como dissera, queria falar comigo sobre uma notícia que constava da tal página do jornal.
Dizia a sintética nota: «Chega hoje a Israel uma delegação de procuradores estrangeiros, incluindo de Portugal, que vão investigar a morte de cidadãos civis pelo Hamas a 7 de outubro».
Respondi-lhe que sim, que já a lera.
Em seguida, o referido jornalista disparou-me de jato – como é próprio para uma notícia sobre assuntos de guerra – um conjunto de questões que me deixaram embaraçado, pois não havia lido e meditado em tal notícia por aquele lado.
Perguntou-me ele em síntese:
– Sabia eu do envolvimento do MP português em tal atividade investigativa?
– Resultava tal missão de algum compromisso internacional do nosso país tendo em vista executar tal tipo de iniciativas investigatórias e, em caso, afirmativo, se lhe podia indicar o tratado, convénio ou acordo bilateral, ou outro, que justificasse legalmente tal envolvimento de um membro de um órgão constitucional português nas investigações conduzidas pelas autoridades de Justiça de outro país?
– Se assim era, se tal participação era admissível, qual o órgão da Procuradoria-Geral da República competente para escolher e autorizar tal magistrado a participar em tal diligência?
– Os Ministérios da Justiça e o dos Negócios estrangeiros haviam sido consultados e, tratando-se de uma atividade ligada a uma atividade judiciária destinada ao exercício de uma função de soberania exercida por tribunais, presumivelmente israelitas, haviam credenciado tal magistrado para participar nessa investigação?
– Agiria tal magistrado português subordinado à orientação das autoridades de outro estado?
– Quem custearia as despesas de tal iniciativa; a PGR ou o estado de Israel?
– Qual o nome do magistrado nomeado ou autorizado a concretizar tal missão?
– Em que constava exatamente tal missão, apresentada por Israel – de acordo com a notícia publicada – como constituindo uma missão de investigação, criminal?
Confesso que fiquei algo perplexo, mas tendo já alguma experiência neste tipo de surpresas e na maneira de com elas lidar, respondi breve.
Não, não conhecia nada mais sobre o assunto do que o que a notícia e que, mesmo que conhecesse, não era a pessoa indicada para o informar e justificar tal missão e que, sendo assim, o melhor era ele questionar diretamente a Procuradoria-Geral da República sobre tal matéria.
No mais, não sabendo, naturalmente, coisa alguma do que ele me perguntara, não lhe podia, como me sugeriu, dar uma opinião sobre o tema que fosse segura.
Afirmei, no entanto, que estava absolutamente convencido de que a Procuradoria-Geral da República o informaria devidamente, pois o assunto era, de facto, sério, poderia ter implicações graves, e, por certo, seria logo esclarecido, antes de causar, como outros, alguma agitação mediática e política.
Não sei o que, entretanto, aconteceu e, menos ainda, se o referido jornalista apresentou, então, à Procuradoria-Geral da República todas as perguntas que a mim me fez e que me pareceram totalmente pertinentes.
Suponho que sim, tal era o rigor e interesse público no esclarecimento das questões formuladas em tal questionário e que, anteriormente, me fora proposto.
Umas horas mais tarde, recebi nova chamada do mesmo jornalista dizendo-me que o gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral da República já lhe havia respondido.
Fiquei satisfeito. A resposta fora rápida e a minha sugestão parecia ter resultado.
O gabinete de imprensa informara, em suma e com toda síntese possível, que a Procuradoria-Geral da República autorizara uma procuradora a participar numa reunião de trabalho sobre tal matéria naquele país; e ponto.
Questionou-me, pois, curioso, o que é que eu pensava da resposta.
Voltei a responder-lhe que, se essa era, de facto, a resposta da Procuradoria-Geral da República, nada podia comentar, por, em rigor, a explicação recebida não ter respondido a nenhuma questão verdadeiramente importante das que constavam do questionário inicial de que ele me dera conta e que, sem factos relevantes, não podia e, de fora, opinar algo de útil.
As questões abordadas pelo jornalista português eram, na verdade, importantes, tanto mais que, segundo percebi, parecia haver – e não sei em que pé estão as coisas agora, no momento da edição deste texto – perceções diferentes entre a versão das autoridades israelitas sobre o destino da missão e a das nacionais, a propósito dos objetivos e das incumbências da referida procuradora.
Tendo tal matéria sido publicitada, ainda por cima por iniciativa de Israel e não coincidindo, aparentemente, as autoridades dos dois países sobre os objetivos da missão, considero que teria sido mais prudente – em face das questões suscitadas pelo aludido questionário – que a Procuradoria-Geral da República tivesse sido mais explícita sobre o que está, na realidade, uma magistrada portuguesa a fazer em tal missão.
Caso aparentemente semelhante, mas bem diferente na realidade, acontecera, durante a primeira guerra contra o Iraque relativamente uma entrevista de um prestigiado juiz português, dada em Israel a uma TV.
Tal magistrado agira sem cobertura institucional, e atuara por si, a propósito dos bombardeamentos com mísseis Skud iraquianos do território desse país.
Movera-o apenas a sua vontade própria de, assim, manifestar pessoalmente – palavras dele na entrevista – a sua «solidariedade com o seu povo».
Tal facto, foi, na altura muito falado entre nós e as teorias que sobre ele se exteriorizaram na época foram muitas e muito curiosas, mas nenhuma foi efetivamente clarificadora sobre a sua responsabilidade institucional na concretização de tal diligência.
Uma política mais exigente e detalhada de informação e esclarecimento dos cidadãos portugueses sobre missões desta importância e natureza poderia, no entanto, se concretizada com rigor e em tempo certo, evitar, seguramente, desconfianças e rumores de todo o tipo e que apenas instabilizam os órgãos constitucionais da Justiça portuguesa.
Só ela contribuirá para a credibilização da Justiça e das regras constitucionais e legais pela qual ela se move.
Estou certo, por isso, de que haverá explicações razoáveis para tudo o que foi perguntado pelo exigente e bem preparado jornalista e que – não estando tal missão subordinada ao segredo de justiça – tudo será oportuna e cabalmente melhor esclarecido.
Oxalá.