Por que mentem os políticos


Não será de estranhar que uma estratégia eleitoral que se pretenda minimamente vencedora passe por propor só “boas notícias”. A realidade, porém, estará lá, no pós-eleições, obrigando os políticos a colocarem os pés no chão.


Os políticos socorrem-se com frequência de “inverdades”. Eufemismo para mentiras, que são sempre acompanhadas de estados de “consciência tranquila” e recorrentes “esquecimentos”.

A utilização da mentira na ação pública tem consequências, que nuns casos desaparecem na voragem dos dias, substituídas pelo impacto de novas mentiras; noutros, cristalizam no tempo, porque dão jeito e deixam os políticos contemporâneos com truques que não assumem como seus, mas dos quais se aproveitam e não abdicam.

Ilustrando esta última situação, pense-se na regra de atualização das pensões de reforma. Possivelmente não são muitos os cidadãos que têm presente que tal atualização não ocorre para pensões de reforma que tenham sido atribuídas há menos de um ano. Ou seja, alguém que se reforme no decurso do ano t só verá a sua pensão atualizada no ano t+2. Esta regra, vertida sobre a forma de Lei, é um estratagema para tornar opaca para os cidadãos a redução do valor real da respetiva pensão. Por exemplo, em 2024 a atualização das pensões rondou os 6%. Se um cidadão se reformou no ano precedente com uma pensão de 2.000 euros mensais isso significa que deixa de receber 120 euros em cada mês enquanto a pensão durar, ou seja 1.680 por ano, 42.000 euros se dela usufruir durante 25 anos. Os números serão ainda mais relevantes se se considerar o efeito da capitalização dessa perda mensal, que deixa de ser considerada para sempre em futuras atualizações anuais. Não há dúvida de que tal Lei foi pensada e concretizada para, de forma encapotada, usando a denominada “ilusão monetária”, reduzir o valor das pensões.  

Não se fique com a ideia, porém, de que apenas os políticos que estão no poder mentem. Não, longe disso. É um facto que as mentiras destes são mais visíveis, ou pelas consequências concretas que têm ou porque ficam vertidas em diplomas legais ou, simplesmente, porque eles são mais escrutinados. No entanto, de modo mais visível nos extremos do espectro político, nos partidos populistas, as inverdades tornam-se a regra, são muitas e grandes. Pense-se, por exemplo, nas propostas do partido Chega para aumento das pensões ou nas do Bloco de Esquerda para dar tudo a todos. Certamente que quem faz essas propostas sabe que elas são inexequíveis, mas apresenta-as com o ar de seriedade que é necessário para iludir os eleitores.   

Os políticos podem até nem mentir mais do que qualquer outro cidadão, mas as deles são, sempre, mais notadas. Tal como Lev Tolstói refere, nas duas primeiras linhas do seu célebre romance ‘Anna Karenina’, a propósito das famílias infelizes, também cada político mente à sua maneira. Daí ser difícil formular uma explicação que abranja todas as razões por que eles mentem. Serão, certamente, muitas e ponderosas, embora qualquer uma delas, por mais justificável que possa parecer, não os exima de estarem a ser desonestos para com a sociedade que representam, para com cada cidadão, em particular.

Transversal a essas razões será de considerar o medo que eles têm à reação dos cidadãos a “más notícias”, medo esse que é exacerbado neste tempo de redes sociais em que, com facilidade, uma ligeira brisa matinal pode originar um violento furacão ao fim do dia.

No tempo pré-eleitoral que se vive, em que cada partido se esmera a preparar o cabaz de “brindes” com que pretende cativar os eleitores, pense-se, por absurdo, que um desses partidos se apresentava a eleições com um programa assente na redução nominal das pensões de reforma, justificada no facto de o sistema de segurança social não conseguir sustentar o atual padrão; ou num aumento dos impostos, para reduzir (de verdade) a dívida pública. Sim, esse partido não teria, certamente, o apoio dos eleitores. Não será de estranhar, pois, que uma estratégia eleitoral que se pretenda minimamente vencedora passe por propor só “boas notícias”. A realidade, porém, estará lá, no pós-eleições, obrigando os políticos a colocarem os pés no chão. Então, as inverdades dos programas têm de ser tapadas com as mentiras da concretização. O discurso do “fim da austeridade”, repetido ‘ad nauseam’ ao longo dos anos, é disso um exemplo paradigmático.

Neste contexto, os eleitores, com a sua incapacidade para aceitar “más notícias”, acabam por ser, ainda que inconscientemente, combustível que alimenta as falsas promessas e inverdades dos políticos, contribuindo, indiretamente, para o enfraquecimento das instituições democráticas e para a crescente desconfiança da sociedade na nobre função que é (deveria ser) a ação política. 

Por que mentem os políticos


Não será de estranhar que uma estratégia eleitoral que se pretenda minimamente vencedora passe por propor só “boas notícias”. A realidade, porém, estará lá, no pós-eleições, obrigando os políticos a colocarem os pés no chão.


Os políticos socorrem-se com frequência de “inverdades”. Eufemismo para mentiras, que são sempre acompanhadas de estados de “consciência tranquila” e recorrentes “esquecimentos”.

A utilização da mentira na ação pública tem consequências, que nuns casos desaparecem na voragem dos dias, substituídas pelo impacto de novas mentiras; noutros, cristalizam no tempo, porque dão jeito e deixam os políticos contemporâneos com truques que não assumem como seus, mas dos quais se aproveitam e não abdicam.

Ilustrando esta última situação, pense-se na regra de atualização das pensões de reforma. Possivelmente não são muitos os cidadãos que têm presente que tal atualização não ocorre para pensões de reforma que tenham sido atribuídas há menos de um ano. Ou seja, alguém que se reforme no decurso do ano t só verá a sua pensão atualizada no ano t+2. Esta regra, vertida sobre a forma de Lei, é um estratagema para tornar opaca para os cidadãos a redução do valor real da respetiva pensão. Por exemplo, em 2024 a atualização das pensões rondou os 6%. Se um cidadão se reformou no ano precedente com uma pensão de 2.000 euros mensais isso significa que deixa de receber 120 euros em cada mês enquanto a pensão durar, ou seja 1.680 por ano, 42.000 euros se dela usufruir durante 25 anos. Os números serão ainda mais relevantes se se considerar o efeito da capitalização dessa perda mensal, que deixa de ser considerada para sempre em futuras atualizações anuais. Não há dúvida de que tal Lei foi pensada e concretizada para, de forma encapotada, usando a denominada “ilusão monetária”, reduzir o valor das pensões.  

Não se fique com a ideia, porém, de que apenas os políticos que estão no poder mentem. Não, longe disso. É um facto que as mentiras destes são mais visíveis, ou pelas consequências concretas que têm ou porque ficam vertidas em diplomas legais ou, simplesmente, porque eles são mais escrutinados. No entanto, de modo mais visível nos extremos do espectro político, nos partidos populistas, as inverdades tornam-se a regra, são muitas e grandes. Pense-se, por exemplo, nas propostas do partido Chega para aumento das pensões ou nas do Bloco de Esquerda para dar tudo a todos. Certamente que quem faz essas propostas sabe que elas são inexequíveis, mas apresenta-as com o ar de seriedade que é necessário para iludir os eleitores.   

Os políticos podem até nem mentir mais do que qualquer outro cidadão, mas as deles são, sempre, mais notadas. Tal como Lev Tolstói refere, nas duas primeiras linhas do seu célebre romance ‘Anna Karenina’, a propósito das famílias infelizes, também cada político mente à sua maneira. Daí ser difícil formular uma explicação que abranja todas as razões por que eles mentem. Serão, certamente, muitas e ponderosas, embora qualquer uma delas, por mais justificável que possa parecer, não os exima de estarem a ser desonestos para com a sociedade que representam, para com cada cidadão, em particular.

Transversal a essas razões será de considerar o medo que eles têm à reação dos cidadãos a “más notícias”, medo esse que é exacerbado neste tempo de redes sociais em que, com facilidade, uma ligeira brisa matinal pode originar um violento furacão ao fim do dia.

No tempo pré-eleitoral que se vive, em que cada partido se esmera a preparar o cabaz de “brindes” com que pretende cativar os eleitores, pense-se, por absurdo, que um desses partidos se apresentava a eleições com um programa assente na redução nominal das pensões de reforma, justificada no facto de o sistema de segurança social não conseguir sustentar o atual padrão; ou num aumento dos impostos, para reduzir (de verdade) a dívida pública. Sim, esse partido não teria, certamente, o apoio dos eleitores. Não será de estranhar, pois, que uma estratégia eleitoral que se pretenda minimamente vencedora passe por propor só “boas notícias”. A realidade, porém, estará lá, no pós-eleições, obrigando os políticos a colocarem os pés no chão. Então, as inverdades dos programas têm de ser tapadas com as mentiras da concretização. O discurso do “fim da austeridade”, repetido ‘ad nauseam’ ao longo dos anos, é disso um exemplo paradigmático.

Neste contexto, os eleitores, com a sua incapacidade para aceitar “más notícias”, acabam por ser, ainda que inconscientemente, combustível que alimenta as falsas promessas e inverdades dos políticos, contribuindo, indiretamente, para o enfraquecimento das instituições democráticas e para a crescente desconfiança da sociedade na nobre função que é (deveria ser) a ação política.