Equipa do Hospital de Egas Moniz. “O foco dos cuidados paliativos não é acelerar ou atrasar a morte”

Equipa do Hospital de Egas Moniz. “O foco dos cuidados paliativos não é acelerar ou atrasar a morte”


Dez profissionais de saúde compõem a equipa intra-hospitalar de suporte em cuidados paliativos do Hospital de Egas Moniz, que desenvolve um trabalho “que envolve uma abordagem multidisciplinar e contínua”.


Os cuidados paliativos são frequentemente cercados por equívocos e mitos, como a crença de que aceleram a morte ou se limitam a administrar morfina aos doentes. No entanto, a equipa intra-hospitalar de suporte em cuidados paliativos do Hospital de Egas Moniz esclarece que essas ideias são completamente equivocadas. Os cuidados paliativos constituem uma abordagem de cuidados dentro da medicina, com o objetivo principal de melhorar a qualidade de vida de pessoas que enfrentam doenças avançadas ou irreversíveis. Estas equipas são geralmente multidisciplinares, compreendendo profissionais como enfermeiras, médicos, assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos e assistentes espirituais, quando possível, como explica ao i Miguel Teles, médico internista especializado em cuidados paliativos.

“O foco dos cuidados paliativos não é acelerar ou atrasar a morte, mas sim proporcionar suporte abrangente para melhorar a qualidade de vida dos doentes e das suas famílias”, diz o médico, explicitando que o acompanhamento deve ser iniciado desde o diagnóstico, agindo para aliviar o sofrimento que possa surgir ao longo da trajetória da doença. Miguel Teles e Sérgio Pereira, também médico internista especializado em cuidados paliativos, destacam “a complexidade do trabalho, que envolve uma abordagem multidisciplinar e contínua”, explicando que atuam tanto na comunidade como no hospital, oferecendo consultas, internamentos e apoio telefónico. O trabalho não se limita aos doentes, pois as famílias também são acompanhadas de perto, com contacto frequente para compreender e atender às suas necessidades. A equipa também enfatiza a importância de uma avaliação constante, reuniões de briefing para rever o que foi feito e planear o próximo passo. O número de doentes na comunidade é significativo, com uma lista que varia, mas geralmente mantém-se entre 15 e 20. “O crescimento da equipa ao longo dos anos reflete a necessidade crescente de cuidados paliativos”, observam Miguel Teles e Sérgio Pereira.

A abordagem da equipa é “flexível”, ajustando-se à estabilidade dos doentes e às necessidades das famílias. “Muitas das vezes, não temos horas para sair”, salienta a equipa. A continuidade dos cuidados é assegurada através de consultas regulares, apoio telefónico, internamentos quando necessário e reencaminhamento para a Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP) do ACES Lisboa Ocidental e Oeiras quando essa necessidade é identificada. “A ênfase está em oferecer um acompanhamento que respeite a qualidade de vida, estando disponível quando necessário, mas sem sobrecarregar os pacientes com uma presença constante”, esclarecem os médicos e a enfermeira Marta Fonseca.

Estes profissionais abordam a importância de desmistificar mitos sobre os seus serviços. Destacam a necessidade de referências mais precoces para evitar intervenções tardias e ressaltam a importância da integração entre cuidados curativos e paliativos desde fases iniciais da doença. A equipa enfatiza o papel crucial da comunicação e apoio às famílias, “proporcionando um suporte contínuo”. Frisam igualmente o desafio na referência tardia, especialmente em doentes não oncológicos, como aqueles que sofrem de demência, que tanto necessitam de referenciação para cuidados paliativos.

Mencionam um protocolo em desenvolvimento “para estabelecer critérios claros de referência, visando uma intervenção mais precoce e eficaz”, abordando o impacto psicológico do trabalho, destacando a importância da formação, autoconhecimento e autocuidado para realizarem as suas tarefas mantendo a sua saúde mental equilibrada. Debatem sobre a complexidade do luto, salientando que um acompanhamento atempado pode reduzir o risco de luto patológico. Falam da importância do trabalho em equipa e reconhecem a satisfação ao verem que fizeram tudo para garantir “um fim sereno e confortável para os doentes”.

Por isso, sentem satisfação ao receber gestos de agradecimento das famílias e falam da importância do retorno positivo apesar das dificuldades diárias. “No Natal há uma enchente de chocolates e outros presentes!”, frisa Marta Fonseca, com um grande sorriso na cara, sendo que no decorrer da entrevista foram abordadas várias facetas dos cuidados paliativos, com especial ênfase na carência de investimento e recursos nas unidades, sobretudo na região de Lisboa. Os profissionais partilharam experiências sobre o impacto positivo de intervenções nos doentes, destacando casos em que conseguiram modificar trajetórias e proporcionar momentos alegres, não apenas focados na morte, mas também na qualidade de vida.

A conversa revelou preocupações com “a falta de atenção política aos cuidados paliativos”, ressaltando a necessidade de espaços especializados e equipas treinadas para lidar com doentes em fase terminal. Houve menção a um período anterior, em 2017, quando se impulsionou o desenvolvimento das equipas de cuidados paliativos, mas também a observação de um desinvestimento recente, especialmente notável durante a pandemia de covid-19.

A escassez de camas e as demoras na referência de doentes foram destacadas como desafios significativos. As equipas comunitárias foram consideradas “essenciais para fornecer apoio às famílias”, como disseram Miguel Teles e Sérgio Pereira, especialmente tendo em conta a diminuição das mortes em casa. Um novo estudo da Universidade de Coimbra revela que Portugal se destaca como um dos países com menor taxa de mortes em casa. As investigadoras, utilizando dados de mais de 100 milhões de óbitos em 32 países entre 2012 e 2021, analisaram o impacto da pandemia nos locais de óbito.

Portugal contraria a tendência observada na maioria dos países, apresentando uma diminuição na percentagem de mortes em casa, em especial durante a pandemia. As causas apontadas incluem a tendência de aumento nas mortes hospitalares e o investimento insuficiente em cuidados paliativos domiciliários. A investigadora Sílvia Lopes explicou, em declarações à Renascença, que, em relação à morte por doença oncológica, houve um aumento da percentagem de mortes em casa durante a pandemia em consonância com a tendência global. Sugeriu que tal poderia dever-se à trajetória mais previsível dessa doença e à possibilidade de os doentes beneficiarem de cuidados paliativos numa fase mais precoce e integrada.

Globalmente, os dados indicam que, em Portugal, a percentagem de mortes em casa é cerca de 10 pontos percentuais inferior à média dos países analisados, com valores de 23,2% em 2020/21, comparados com 24,9% em 2018/19 para todas as doenças.

Na conversa com a equipa do Hospital de Egas Moniz, a falta de recursos e equipas em algumas regiões, como a área de Lisboa, foi apontada como uma lacuna crítica. Os profissionais salientaram a importância da formação em cuidados paliativos para os médicos, indicando que a falta de educação nessa área nas faculdades cria uma lacuna de conhecimento. A humanização dos espaços hospitalares, particularmente em enfermarias, foi discutida, enfatizando a necessidade de “criar ambientes mais acolhedores para proporcionar dignidade aos doentes e às suas famílias”.