Nota prévia: Melhorar o logótipo dos documentos governamentais pode ser aceitável. Mas pagar 74 mil euros e o resultado ser retirar símbolos nacionais, como a esfera armilar, e pôr lá um retângulo verde, uma bola amarela e um quadrado rubro é gozar com o pagode.
1. António Costa deixa de ser primeiro-ministro em plenitude de funções no dia sete. Aí, haverá o último conselho de ministros, antes da dissolução do parlamento. Esperemos que não surjam decisões estranhas à última hora, como já sucedeu anteriormente. Costa foi um mau primeiro-ministro. É verdade que passou por uma pandemia, uma recessão, duas guerras em curso e teve nervos de aço em certas situações. Demitiu-se por estar a ser investigado, sem que haja qualquer dado público que ponha em causa a sua probidade. Para já, só há umas elucubrações do Ministério Público. Se tiverem fundamento será uma desilusão para muitos que não identificam Costa com venalidade. Dito isto, ele foi um mau governante. Desperdiçou os apoios externos e uma maioria absoluta rara. Desaproveitou a confiança do povo. Foi oportunista político ao promover a “geringonça” que, embora legítima, ele nunca tinha admitido. O seu mal residiu na escolha de alguns incompetentes e de colaboradores envolvidos em situações pouco claras. Normalmente vinham direitinhos do socratismo. Afastou quem discordou. Optou sempre pelo facilitismo. Perdeu muito por não querer um número dois competente. Talvez por um excesso de ego. Talvez por acreditar que um guru da comunicação iludiria a realidade. Enfrentou um Presidente da República colaborante de forma desabrida e sem razão, quando este o confrontou com a situação inaceitável de Galamba. O balanço é um país com supostas contas certas (denunciadas por Cavaco Silva) à conta de uma carga fiscal brutal e desfeito na Saúde, na Habitação, na Justiça, na Segurança Social, na Administração Interna, na Agricultura e com uma Economia que funciona às costas das exportações, logo numa fase em que estamos à beira de nova recessão. Costa é passado, mas pode ter futuro, uma vez que é um político hábil e experiente. Basta que a investigação não dê em nada, o que parece provável nesta altura. É possível que ele tenha aproveitado a oportunidade para saltar fora, por ter noção do desastre governativo. O seu futuro político está nas mãos da Justiça. Mas o seu passado é um legado poucochinho.
2. Em tempo de campanha eleitoral, as promessas abundam e até enjoam. Soluções políticas estruturadas e pensadas, praticamente nada. O que se apregoa são benesses dirigidas ao grupo social mais desfavorecido, designadamente os pensionistas. Pode ser justo. Mas há que ver que muita gente tem pensões miseráveis porque pouco ou nada descontou. Nada disso tem a ver com os chamados não contributivos, integrados após o 25 de Abril. Hoje, as pensões e reformas são proporcionais às entregas e está-se a criar um diferencial cada vez maior entre o último salário e aquilo que se passa a receber, contrariando o que sucedia há vinte anos. Isso tem a ver com o aumento da esperança de vida e o problema da demografia. Mas é também resultante de haver muita gente que pouco contribui e acumula benefícios. Os prejudicados são os que mais descontaram e que mais impostos pagaram e pagam. São quem mais perde poder de compra, o que é socialmente injusto. Castigar sempre os mesmos é iníquo. Do Bloco ao Chega, há um discurso igual nesse ponto. É fácil distribuir o que foi amealhado por outros. Políticas de subsidiação permanente geram pobreza e trazem eleitores, mas contribuem para que os mais capazes desertem do país.
3. É evidente que os partidos da direita moderada beneficiariam com o estabelecimento de uma coligação pré-eleitoral. Iniciativa Liberal diz que prefere ir só às urnas para se medir. É um risco e uma mão estendida ao PS, de quem os liberais são próximos, pelos métodos expeditos de resolver problemas. Para o PSD, a IL poderia trazer instabilidade dadas as suas guerras intestinas. Até por isso, acumulam-se evidências de que o PSD poderá coligar-se pelo menos com o CDS, beneficiando do método de Hondt. O CDS tocou a rebate. Ressurgiram dirigentes de um partido fundador da democracia. O CDS é uma direita civilizada e não trauliteira, composta por quadros e gente de profissão liberal, muitos com provas dadas. É verdade que o partido foi palco de crises profundas. Lamentavelmente, tiveram mais a ver com egos do que com divergências ideológicas. O CDS foi perdendo espaço para o PPD/PSD e mais recentemente para o Chega e os liberais. Se o desastrado Rui Rio tem imposto uma coligação com os centristas, Costa não teria obtido a maioria absoluta. Uma nova coligação está mais nas mãos de Luís Montenegro do que na equipa de Nuno Melo. Por isso, é bom que o CDS não abuse nas exigências. Em linguagem comum: não se estique! Quanto à integração de independentes numa coligação, a questão é outra. Têm de ser grandes profissionais e não produtos brancos da política partidária, daqueles que estão com todos para que todos estejam com eles.
4. Torna-se cada vez mais preocupante o buraco da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). O Observador refere que a suposta internacionalização no Brasil deve ir parar a 50 milhões de perdas. Há, porém, quem aponte para os 80. Tudo se passou no consulado de Edmundo Martinho e sob a tutela do desastrado Vieira da Silva, um indefetível dos recentes líderes socialistas e agora apoiante de José Luís Carneiro. A atual ministra da segurança social, Ana Mendes Godinho, há dois anos que não homologa as contas da SCML. No entanto, deixou andar, perante um silêncio generalizado da imprensa. A SCML é um campo complexo de investigar jornalisticamente, talvez por ser um gigantesco anunciante e a verdadeira segurança social em Lisboa.
5. Estamos na época de lançamento livros. Assinalem-se dois. Um é Zona de Impacto do jornalista da RTP António Mateus, profundo conhecedor de cenários de guerra. António Mateus relata a resistência humana que viu ao percorrer mais de 40 mil km na linha da frente da guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Como existem? Como são estes heróis? Como mantêm a esperança? Um olhar humano de alguém habituado a ver os horrores da guerra, mas que não perdeu a sensibilidade humana, apesar de ser um duro no terreno, em parte resultante da sua formação no Colégio Militar e nos campos de rugby.
6. Num registo diferente, Luís Parreirão, um socialista histórico, uma referência de Coimbra e um gestor de topo, faz uma reflexão numa entrevista conduzida pelos jornalistas Rui Avelar e Pedro Luiz de Castro. O resultado é Razão de Ser. Luís Parreirão reflete sobre o enfraquecimento e degradação dos regimes democráticos. Avultam “mares que se transformam em cemitérios de pessoas, de esperanças e de valores”, explica o ex-líder da Associação Académica de Coimbra e antigo gestor da Mota+Engil, à qual se mantém ligado. Uma reflexão oportuna.