As palavras são pedras, armas de pouca precisão, mas imensamente destruidoras


As guerras que ora decorrem nos campos de batalha, e com igual ferocidade e vigor, nos media formais e informais, usam as palavras, como elas nunca antes foram usadas.


Tristes e confusos dias, estes, em que as palavras são usadas como pedras, como escreveu há já muitos anos Carlo Levi, o escritor italiano, de origem judia, médico, antifascista e condenado ao exílio, no Mezzogiorno, e que posteriormente, já restabelecida a democracia, foi eleito senador independente nas listas do PCI.

Hoje, pior do que no tempo em que Levi escreveu, as palavras ganharam ainda maior potencial destruidor.

É a consequência da maior facilidade de as transmitir, sem controlo e através das redes sociais informais, mas também e não menos gravemente, pelo uso militante que, nos media tradicionais, fazem delas alguns jornalistas, comentadores e analistas especializados.

As guerras que ora decorrem nos campos de batalha, e com igual ferocidade e vigor, nos media formais e informais, usam as palavras, como elas nunca antes foram usadas.

Quando, por exemplo, os conceitos de crime de guerra, genocídio e terrorismo, são usados indistintamente e sem o mínimo rigor e seriedade nos noticiários, nos comentários televisivos feitos por profissionais da comunicação e por todo o tipo de opinion makers de origem universitária ou castrense, percebemos, por fim, que as palavras fazem já parte do arsenal militar dos beligerantes e dos que, em relação a eles, se posicionam ativamente.

Nada melhor para compreender este uso de certas palavras, de menor ou mais longo alcance – exatamente como os mísseis – do que comparar os discursos feitos a propósito de alguns dos atos bélicos levados a cabo no contexto das guerras, na Ucrânia e na Faixa de Gaza.

O que, num lado, é apresentado como inevitável – como um dano colateral que todos temos de suportar e aceitar para defender o campo da democracia – no outro, é apontado como o exemplo da mais desapiedada desumanidade dos que integram o campo dos denominados regimes autocráticos ou o das democracias não liberais.

Isto, mesmo que, no campo da democracia ocidental coexistam, igualmente, regimes de democracias reconhecidamente não liberais e de pendor autoritário que, além do mais, integram algumas das suas instituições europeias.

Bombardear escolas e hospitais onde, alegadamente, se escondem armas, combatentes e dirigentes políticos de uma das partes, pode, assim, em alguns casos, ser aceitável, e mesmo justificado, e em outros não.

Depende de quem comentar a notícia e da simpatia que manifeste por um dos lados dos conflitos existentes, deixando, imediatamente, de o ser se tal perito se situar, em relação ao outro conflito, no plano oposto ao da parte que, alegadamente, também assim agiu.

Talvez seja, aliás, por tal razão, que os principais meios de comunicação formais, tendo-se disso apercebido a tempo, silenciaram, de momento, o noticiário e o comentário do conflito mais antigo.

Se continuassem a noticiar e a comentar as ações de guerra do primeiro conflito, como, até ao surgimento do segundo conflito, vinham fazendo, tornar-se-ia mais óbvio, mesmo para os cidadãos menos precavidos, a incongruência da argumentação e do uso faccioso de certos termos e de certas frases.

A erosão que, em tais comentários sobrepostos, tais palavras começariam a mostrar, faria correr o risco de elas perderem capacidade para orientar a opinião pública, na tomada de posição por um ou outro dos lados dos conflitos em causa.

O edifício, já de si pouco estável, do chamado Direito Internacional Humanitário (ou, inclusive, o do mais concreto Direito Penal de Justiça), que define, acolhe, mas permite, também, significados ambíguos em muitos destes termos, deixaria, pois, de fazer qualquer sentido.

Daí, apesar de tudo, o cuidado que muitos responsáveis políticos mais influentes, mesmo que mais alinhados – nestes casos, com muita mais sensatez dos que os que foram recrutados, nos media formais, para travarem as duas guerras atuais – têm no uso de algumas palavras mais sensíveis e que, sabem-no bem, são de uso muito arriscado.

As palavras são de facto pedras, projeteis ingovernáveis, que podem ser arremessadas sem rigor e meios de orientação de alta precisão e, por tal motivo, urge ter cuidado com o seu uso, pois também elas poderão causar danos não calculados pelas partes que as manejam.

Podem, com efeito, fazer ricochetes indesejados.

Os meios de comunicação social formais têm, no uso de tão terríveis instrumentos de ataque, de alcance variável e de pouca precisão, uma responsabilidade acrescida.

Eles podem, através do uso da palavra, elucidar os motivos das guerras ou ocultá-los, valorizar a humanidade de todas vítimas ou depreciar parte delas.

Podem potenciar, inclusive, o tempo da guerra ou deixar implantados os ovos da serpente que, no futuro, gerarão novos e repetidos conflitos. 

Os jornalistas – à semelhança do que, por exemplo, sucede com os da BBC – deviam, por isso, ser alertados para o uso de termos que têm, por si só, um potencial bélico e de rancor acumulado, não menos explosivos e poderosos do que o de muitas bombas.

O seu efeito prolonga-se no tempo e produz, por tal razão, sequelas idênticas às bombas de fragmentação; como dissemos, gera novas guerras e novas vítimas.

Talvez seja devido a isso, ao manuseamento de tão tremendas armas – as palavras – que os jornalistas, sempre que atingidos por mero acaso, mas com rara precisão, passaram a ser considerados, também, como danos colaterais e negligenciáveis.

É que, contra as palavras que difundem a verdade, mesmo a parte mais ínfima dela, não foram ainda inventados escudos aéreos suficientemente seguros e impenetráveis. 

 

As palavras são pedras, armas de pouca precisão, mas imensamente destruidoras


As guerras que ora decorrem nos campos de batalha, e com igual ferocidade e vigor, nos media formais e informais, usam as palavras, como elas nunca antes foram usadas.


Tristes e confusos dias, estes, em que as palavras são usadas como pedras, como escreveu há já muitos anos Carlo Levi, o escritor italiano, de origem judia, médico, antifascista e condenado ao exílio, no Mezzogiorno, e que posteriormente, já restabelecida a democracia, foi eleito senador independente nas listas do PCI.

Hoje, pior do que no tempo em que Levi escreveu, as palavras ganharam ainda maior potencial destruidor.

É a consequência da maior facilidade de as transmitir, sem controlo e através das redes sociais informais, mas também e não menos gravemente, pelo uso militante que, nos media tradicionais, fazem delas alguns jornalistas, comentadores e analistas especializados.

As guerras que ora decorrem nos campos de batalha, e com igual ferocidade e vigor, nos media formais e informais, usam as palavras, como elas nunca antes foram usadas.

Quando, por exemplo, os conceitos de crime de guerra, genocídio e terrorismo, são usados indistintamente e sem o mínimo rigor e seriedade nos noticiários, nos comentários televisivos feitos por profissionais da comunicação e por todo o tipo de opinion makers de origem universitária ou castrense, percebemos, por fim, que as palavras fazem já parte do arsenal militar dos beligerantes e dos que, em relação a eles, se posicionam ativamente.

Nada melhor para compreender este uso de certas palavras, de menor ou mais longo alcance – exatamente como os mísseis – do que comparar os discursos feitos a propósito de alguns dos atos bélicos levados a cabo no contexto das guerras, na Ucrânia e na Faixa de Gaza.

O que, num lado, é apresentado como inevitável – como um dano colateral que todos temos de suportar e aceitar para defender o campo da democracia – no outro, é apontado como o exemplo da mais desapiedada desumanidade dos que integram o campo dos denominados regimes autocráticos ou o das democracias não liberais.

Isto, mesmo que, no campo da democracia ocidental coexistam, igualmente, regimes de democracias reconhecidamente não liberais e de pendor autoritário que, além do mais, integram algumas das suas instituições europeias.

Bombardear escolas e hospitais onde, alegadamente, se escondem armas, combatentes e dirigentes políticos de uma das partes, pode, assim, em alguns casos, ser aceitável, e mesmo justificado, e em outros não.

Depende de quem comentar a notícia e da simpatia que manifeste por um dos lados dos conflitos existentes, deixando, imediatamente, de o ser se tal perito se situar, em relação ao outro conflito, no plano oposto ao da parte que, alegadamente, também assim agiu.

Talvez seja, aliás, por tal razão, que os principais meios de comunicação formais, tendo-se disso apercebido a tempo, silenciaram, de momento, o noticiário e o comentário do conflito mais antigo.

Se continuassem a noticiar e a comentar as ações de guerra do primeiro conflito, como, até ao surgimento do segundo conflito, vinham fazendo, tornar-se-ia mais óbvio, mesmo para os cidadãos menos precavidos, a incongruência da argumentação e do uso faccioso de certos termos e de certas frases.

A erosão que, em tais comentários sobrepostos, tais palavras começariam a mostrar, faria correr o risco de elas perderem capacidade para orientar a opinião pública, na tomada de posição por um ou outro dos lados dos conflitos em causa.

O edifício, já de si pouco estável, do chamado Direito Internacional Humanitário (ou, inclusive, o do mais concreto Direito Penal de Justiça), que define, acolhe, mas permite, também, significados ambíguos em muitos destes termos, deixaria, pois, de fazer qualquer sentido.

Daí, apesar de tudo, o cuidado que muitos responsáveis políticos mais influentes, mesmo que mais alinhados – nestes casos, com muita mais sensatez dos que os que foram recrutados, nos media formais, para travarem as duas guerras atuais – têm no uso de algumas palavras mais sensíveis e que, sabem-no bem, são de uso muito arriscado.

As palavras são de facto pedras, projeteis ingovernáveis, que podem ser arremessadas sem rigor e meios de orientação de alta precisão e, por tal motivo, urge ter cuidado com o seu uso, pois também elas poderão causar danos não calculados pelas partes que as manejam.

Podem, com efeito, fazer ricochetes indesejados.

Os meios de comunicação social formais têm, no uso de tão terríveis instrumentos de ataque, de alcance variável e de pouca precisão, uma responsabilidade acrescida.

Eles podem, através do uso da palavra, elucidar os motivos das guerras ou ocultá-los, valorizar a humanidade de todas vítimas ou depreciar parte delas.

Podem potenciar, inclusive, o tempo da guerra ou deixar implantados os ovos da serpente que, no futuro, gerarão novos e repetidos conflitos. 

Os jornalistas – à semelhança do que, por exemplo, sucede com os da BBC – deviam, por isso, ser alertados para o uso de termos que têm, por si só, um potencial bélico e de rancor acumulado, não menos explosivos e poderosos do que o de muitas bombas.

O seu efeito prolonga-se no tempo e produz, por tal razão, sequelas idênticas às bombas de fragmentação; como dissemos, gera novas guerras e novas vítimas.

Talvez seja devido a isso, ao manuseamento de tão tremendas armas – as palavras – que os jornalistas, sempre que atingidos por mero acaso, mas com rara precisão, passaram a ser considerados, também, como danos colaterais e negligenciáveis.

É que, contra as palavras que difundem a verdade, mesmo a parte mais ínfima dela, não foram ainda inventados escudos aéreos suficientemente seguros e impenetráveis.