1. Quem faz política ou vive dos media tem grandes hipóteses de morrer-lhes às mãos ou de se meter em sarilhos. Nem os mais experientes por vezes escapam. Há dias, dois jornalistas tiveram de vir a público para se explicarem depois de um diálogo à volta da invulgar circunstância da miss Portugal ser transgénero e dos eventuais laços matrimoniais que estabeleceriam com ela. Tratando-se de José Alberto Carvalho e Sousa Tavares, ambos batidos, é dizer quanto um comentário pode custar. Marcelo Rebelo de Sousa, que além de Presidente da República, é mais sábio e mais experiente do que os dois juntos e também se meteu em assados. Num caso foi comentar perante as câmaras, com inusitada clareza, o que se passa atualmente entre Israel e os palestinianos. Disse que foram estes últimos que começaram, o que implicitamente legitima (segundo alguns) a resposta duríssima de Israel. Marcelo veio depois declarar-se surpreendido com o alarido que o caso suscitou, o que é absolutamente inverosímil da sua parte. No domingo, voltou ao assunto ao ir, corajosamente, falar com manifestantes pró-Palestina (e contra a existência de Israel) onde ouviu das boas. Mais ou menos ao mesmo tempo, o Presidente foi envolvido numa notícia sobre uma suposta cunha para que duas gémeas lusodescendentes residentes no Brasil beneficiassem de um tratamento que custou 4 milhões. Marcelo não nega ter tido conhecimento do caso, que remeteu para o primeiro-ministro. Admite até que o seu filho Nuno lhe poderá ter falado do assunto, assegurando que disse que não interviria. Mesmo assim ficou-lhe a fama no Hospital Santa Maria. O que se viu na TVI não passou de insinuações. Andamos no consta. Em França, quando uma notícia tem por base um sujeito vago (on dit), os chefes de redação a sério respondem inevitavelmente “on est un con!!!”. Em qualquer dos casos o Presidente foi vítima das câmaras. No palestiniano pela informalidade. No do hospital por se ter disposto a pronunciar-se sobre o assunto, parecendo claramente desconfortável nas explicações. Há coisas que se tratam melhor no recato dos gabinetes ou por via de comunicados formais, sobretudo quando se sabe que se está a ser perseguidos mediaticamente. Quanto às cunhas na saúde, a realidade triste é apenas uma: quem nunca? Nem um de nós, quanto mais dois.
2. Só num país minado é que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça afirma que é preciso combater “o fenómeno da corrupção que está instalada […] e que tem uma expressão muito forte na administração pública”, acrescentando que “não se trata de uma simples perceção, mas de uma realidade”. Henrique Araújo disse isto e muito mais numa entrevista ao Nascer do Sol. Acrescentou que a Justiça não é prioridade para o poder político, designadamente os partidos, uma vez que até acha a ministra da pasta bem-intencionada, mas paralisada. Henrique Araújo está também altamente preocupado com a manutenção da situação dos oficiais de Justiça, que paralisa os tribunais, defendendo as reivindicações destes profissionais. A entrevista de Henrique Araújo, conduzida por Felícia Cabrita, é terrível. Desanima qualquer pessoa que procure justiça nos tribunais. Evidencia uma teia indefinida de interesses que nos domina, favorece a corrupção e prejudica gente séria. Imagine-se um potencial investidor estrangeiro de um país com regras e democrático a ler uma coisa daquelas. Será que se atreve a manter a ideia, a menos que queira usar-se de esquemas? É mais do que improvável. Só tem a noção do caos na Justiça quem tem de recorrer a ela ou é apanhado inopinadamente nos seus meandros. Trata-se de uma área onde é possível fazer reformas por consenso político, envolvendo também os seus agentes. Mas não. Nada se faz porque os partidos não se entendem (nem lhes convém), o governo não se mexe e interessa à teia que vive disso.
3. A política também vive de praxes e formalismos em certas ocasiões. A apresentação e votação na generalidade do Orçamento do Estado é um desses momentos solenes. Em geral, a abertura e o fecho do debate são feitos por duas figuras relevantes do governo. Uma é o primeiro-ministro. A outra será a sua segunda figura ou o ministro das finanças, que às vezes acumula. Este ano, António Costa optou por chamar João Galamba, uma criatura completamente desacreditada, usada para provocar o Presidente da República. Só não foi o grau zero da política porque Costa é sempre capaz de fazer pior mais adiante. Em contraste com esta baixeza, foi refrescante, mesmo para um português republicano, ver a dignidade de toda a cerimónia com que a jovem herdeira do trono de Espanha fez o seu juramento, ao atingir a maioridade e perante o seu pai e soberano. Há valores simbólicos que se devem cultivar e não abandalhar.
4. O debate do OE centrou-se no IUC, que penalizará os carros mais antigos. Os veículos abrangidos são potencialmente mais poluidores. Mas a questão de fundo não é essa. São muitos os que circulam pela província fora. Em regra, são pouco usados. Pertencem a gente pobre ou remediada, que os estimam longos anos em lugares onde não há transportes. Servem para as voltinhas, para ir à cidade ou à vila mais próxima e estão normalmente impecáveis. Fazem mais uns quilómetros nas férias e nas festas. Este aumento do IUC é injusto e o PS pode pagar cara a manhosice em eleições como mostraram os protestos que se multiplicaram no fim de semana em todo o país. Quanto aos carros mais antigos que circulam nas cidades são consequência da falta de dinheiro e da necessidade absoluta de os usar diariamente. Ainda por cima, custa muito mantê-los por acumularem quilómetros e avarias. Se pensassem, os políticos saberiam que as inspeções anuais poderiam ajudar, através dos seus relatórios, a desbloquear incentivos destinados a quem mais precisa, a fim de os retirar da estrada, diminuindo a poluição. Mas isso daria mais trabalho do que lançar um imposto de qualquer maneira. O Presidente Marcelo tem aqui um magnifico motivo para vetar uma alínea do Orçamento se o Governo não ceder.
5. Numa carta corajosa e sustentada em números, João Simeão dirigiu-se à ministra da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, alertando-a novamente para a situação da Associação Mutualista Montepio Geral. Para o signatário, a instituição é hoje um esquema de Ponzi, ou seja, uma artificialidade a prazo, onde é o dinheiro que entra que sustenta tudo, até que rebente. A mutualista tem mais de 600 mil associados e é responsável por parte das pensões de gente que decidiu ali investir as suas poupanças. Ana Mendes Godinho é a tutela da associação como também é a da Santa Casa da Misericórdia, que atravessa enormes dificuldades e que a ministra tinha tido a obrigação política de travar, coisa que não fez. No caso do Montepio pode ir a tempo se ler o artigo do Público e atuar. A mutualista aparenta ser uma bomba relógio. É mais uma situação para a qual governo e oposições não querem olhar. Não admira! À conta da instituição, muita gente tem ganho rios de dinheiro em todo o tipo de cargos inúteis em termos de fiscalização. Se um dia as coisas estoirarem, passarão a suceder-se as declarações tipo “eu não sabia, nem podia saber”, como se viu miseravelmente no caso BES. As denúncias de Simeão não são de agora. Merecem uma análise atenta e uma rigorosa investigação da tutela, do regulador respetivo e um olhar da tal justiça em que nem o presidente do Supremo Tribunal acredita.
6. No meio disto o caso Efacec teve mais um episódio. Segundo o Expresso, a empresa, nacionalizada pelo governo Costa, custou ou vai custar no mínimo 513 milhões de euros a todos os contribuintes, aos seus obrigacionistas e ao novo acionista. Trata-se de uma gestora de fundos alemã, a Mutares, que ganhou a gestão por 15 milhões e promessas de mais 60. O Estado continua, entretanto, altamente comprometido com futuras perdas. Há setores da oposição que querem uma comissão de inquérito ao processo Efacec. O PSD hesita, apesar de o poder impor. Seria certamente uma ajuda para se perceber os meandros do passado que trouxe Isabel dos Santos para acionista de referência da companhia com grandes encómios públicos. Ao anunciar (sem detalhes substanciais) a solução, o ministro da economia, Costa Silva, falou de um dia feliz. Imagine-se os custos se a coisa tivesse corrido mal!
7. A Transtejo e a Soflusa são empresas-problema. Asseguram as ligações entre as duas margens do Tejo, sendo das entidades que param mais dias por ano em greves e paralisações tipo plenário. Isto para além de ficarem regularmente inoperacionais por avarias de todo o género. A Transtejo esteve em foco recentemente por ter adquirido barcos elétricos sem as respetivas baterias e por não haver ainda um cais preparado para os navios. Agora, o governo teve a prodigiosa ideia de fundir as duas. Teme-se o pior, face às experiências passadas. Melhor do que uma fusão, que trará mais conflitualidade, seria o governo autorizar um terceiro operador privado que assegurasse esse serviço público. De certeza que Transtejo e Soflusa não duravam muito, a bem dos utentes.