Sérgio e Pedro: Dois PS diferentes


Sérgio Sousa Pinto e Pedro Nuno Santos são duas faces muito diferentes de um PS no qual Costa pontifica, usando o zig-zag como tática.


Nota prévia: É impressionante verificar a existência de um grupo mais ou menos fixo de gente (alguma, rara, da direita conservadora, mas sobretudo da esquerda) cujas opiniões convergem. É uma espécie de radicalismo sistemático, que se funda basicamente num ódio visceral aos Estados Unidos e à Inglaterra, aos quais, como é evidente, a Europa continental deve a vitória de 1945 e a subsequente democracia no seu Ocidente, a qual se alargou ao Leste, após a queda do muro de Berlim e das ditaduras comunistas. Este grupo não tem dúvidas. Acha que Taiwan é da China comunista, que o Hamas é uma consequência de Israel e não um movimento opressor tipo Daesh, que a Rússia está cheia de motivos legítimos para invadir a Ucrânia e matar o seu povo, que Cuba, a Venezuela e a Nicarágua apenas são uma desgraça por causa dos americanos. Naturalmente, têm a certeza que a instabilidade em África, onde mandam russos e chineses, é culpa das antigas potencias coloniais e, claro, dos americanos (esquecendo que eles são uma antiga colónia libertada pela luta do povo). Este grupo de iluminados integra e manipula uma quantidade de movimentos apologistas das causas fraturantes. É o caso de um dos movimentos LGBT que ainda agora apoiou a luta da Palestina, onde os homossexuais, e não só, são barbaramente perseguidos. Estes grupos falam de papo cheio no conforto das democracias liberais e burguesas de onde não arredam pé. Em Portugal, há algumas exceções na área mais à esquerda. Uma é Rui Tavares, que se distingue sempre que os valores humanistas fundamentais estão em causa O líder do Livre não está sistematicamente do lado errado e da opressão. Condena em concreto o que está mal sem cair em generalizações superficiais, radicais e sectárias.

1. Desde a semana passada, Sérgio Sousa Pinto e Pedro Nuno Santos estão ambos presentes nas televisões em espaços de opinião, um na CNN/TVI e outro na SIC Notícias. Ao vê-los, percebe-se que são a prova viva de que o Partido Socialista tem uma latitude ideológica e sociológica gigantesca que, obviamente, abrange um leque de eleitores enorme. Cabe lá quase tudo. Sousa Pinto é um moderado, inteligente, culto, que fala à vontade e com elegância frontal, usando ainda o seu notável humor sarcástico. Anda “sem receio em contracorrente quando entende. É ele o maior representante do que resta de um soarismo pragmático, moderado, mas combativo quando é necessário, que muitos querem apagar do partido. Pedro Nuno Santos tem, por seu lado, qualidades de frontalidade e inteligência, mas não mostra a bonomia de Sérgio e muito menos o humor. É mais ideológico, mais esquerda dogmática. Não hesita em proclamar ideias que lhe trazem simpatias dos nostálgicos da “geringonça”, na qual acredita como solução de futuro. Sérgio será um soarista. Pedro Nuno lembra mais a convicção de um Zenha. O facto é que ambos estão no PS onde pontifica António Costa. Um dia Costa parece mais Sérgio. No outro mimetiza Pedro Nuno. E assim vai andando e levando alegremente e em zig-zag todo um PS atrás de si e Portugal para o fundo da Europa.

2. Luís Montenegro anda manifestamente nervoso e tende a ficar isolado. É sempre uma fraqueza quando se desenvolve a perceção de que um líder da oposição está a reagir mais por causas internas do que externas. Foram essas causas que possivelmente o levaram por exemplo a assegurar a despropósito que será novamente candidato à liderança do PSD depois das europeias. A afirmação é vista como uma resposta a uma alegada frase de Passos de que está na reserva, produzida num contexto social. Ou seja, Passos, no seu pessimismo endémico e estrutural, teria cochichado isso e Montenegro reagiu. É um erro. Desde logo porque se sabe que Passos se declarou na reserva desde o dia em que saiu do Governo, até por razões familiares. Depois porque objetivamente não se ouviu uma palavra concreta de Passos sobre qualquer regresso. Ouve-se é gente que se diz próxima dele a assegurar que ele disse isto e mais aquilo e que pensa assim ou assado. Mas da boca dele, nada! E mais. Há valores que Passos Coelho (mesmo quem não o admira reconhece) preza. É o caso da lealdade e amizade. E por isso só deverá ser outra vez candidato ao PSD no dia em que o seu amigo Montenegro sair pelo seu próprio pé. Até por isso, há tanta gente a boicotar Montenegro e a aproveitar os seus erros e deslizes como a lamentável análise do orçamento “pipi”.

3. O Orçamento do Estado apresentado esta semana não tem grandes mistérios. O Governo vai dar algum dinheiro com uma mão e tirar com duas. Mais uma vez a receita do Estado cresce, o que significa que todos vamos contribuir mais. Se fosse por via de um aumento da riqueza seria ótimo. Mas não é. A capacidade reformista do Governo Costa é diminuta e, num ano em que se inicia um ciclo eleitoral regular, não se espera rigorosamente nada. A classe média, que apanha logo quem ganha à volta de mil e quinhentos euros, vai pagar a fatura, sobretudo por via de impostos indiretos. Já os mais pobres de todos terão algumas vantagens, sobretudo na forma de proclamados apoios sociais que muitas vezes não passam do papel. Há ainda uma medida emblemática que é normalmente uma armadilha: a descida de certas portagens. A contrapartida é dada em regra em menos obrigações na manutenção das vias, o que é perigoso para quem circula, bom para os concessionários, designadamente a Brisa, cujo serviço deixa muito a desejar.

4. O regime de “residentes não habituais”, que atribui a pensionistas de outros países e a profissões de elevado valor acrescentado certos benefícios fiscais, vai terminar em 2024. Criada em 2009, esta medida foi decisiva para atrair e fixar cidadãos estrangeiros e incentivar o mercado de habitação. Além disso, por via deles, ajudar a colocar Portugal nas bocas do mundo, atraindo turistas e algum investimento. Logo que se soube da decisão de extinção deste regime, a Espanha aproveitou a oportunidade, difundiu largamente a notícia e naturalmente fez saber que tenciona manter o sistema similar que tem em vigor. Olé!

5. Dizem-nos que somos iguais perante a lei. Todos sabemos, porém, que essa é e uma das mais belas patranhas com que nos confrontamos. Não faltam exemplos do velho ditado que “com papas bolos se enganam os tolos”. Até nos deputados que fazem as leis. Uma delas determina que estes representantes do povo não podem sequer dar aulas remuneradas numa universidade pública. Mas quando se trata de advocacia a coisa é bem diferente e a malha é larga. Um advogado pode ser deputado e estar envolvido na feitura de legislação que, eventualmente, lhe interesse. Veja-se Mónica Quintela, ilustre deputada social-democrata, causídica de renome e coordenadora dos sociais-democratas na primeira comissão, a de Direitos, Liberdades e Garantias. Não é caso único, mas é simbólico. Até porque veio pela mão de Rui Rio, o tal que prometeu um banho de ética. Mesmo quando não há ilícitos formais, é desejável evitar situações equívocas.

6. Há decisões políticas que geram efeitos perversos mais adiante. Vem isto a propósito da decisão tomada em 2006 de alterar a lei eleitoral da Madeira, com o assentimento de João Jardim. Resumindo, tratou-se de transformar a Madeira e Porto Santo num único círculo, abandonando a configuração concelhia. Para o PSD foi um erro. Há quem tenha feito as contas ao resultado recente de Miguel Albuquerque. Verificou-se que, se não tivesse havido mexidas na lei, a coligação PSD/CDS teria obtido 33 assentos e não apenas 23.

7. A Efacec e a TAP continuam na ordem do dia. O governo está a negociar a venda de ambas. Naturalmente que o segredo é a alma do negócio e que seria negativo a opinião pública acompanhar diariamente a evolução dos contactos. Percebe-se. Mas a absoluta opacidade que está a ocorrer permite desconfianças. Por isso, em nome da transparência e do dinheiro dos portugueses, é desejável que sejam tornadas públicas todas as entidades e pessoas em concreto que estão envolvidas nestas avaliações e negociações. Sabendo-se quem negoceia, conhece-se o histórico e as competências respetivas e podem evitar-se suspeições futuras, a juntar às que já existem.

Sérgio e Pedro: Dois PS diferentes


Sérgio Sousa Pinto e Pedro Nuno Santos são duas faces muito diferentes de um PS no qual Costa pontifica, usando o zig-zag como tática.


Nota prévia: É impressionante verificar a existência de um grupo mais ou menos fixo de gente (alguma, rara, da direita conservadora, mas sobretudo da esquerda) cujas opiniões convergem. É uma espécie de radicalismo sistemático, que se funda basicamente num ódio visceral aos Estados Unidos e à Inglaterra, aos quais, como é evidente, a Europa continental deve a vitória de 1945 e a subsequente democracia no seu Ocidente, a qual se alargou ao Leste, após a queda do muro de Berlim e das ditaduras comunistas. Este grupo não tem dúvidas. Acha que Taiwan é da China comunista, que o Hamas é uma consequência de Israel e não um movimento opressor tipo Daesh, que a Rússia está cheia de motivos legítimos para invadir a Ucrânia e matar o seu povo, que Cuba, a Venezuela e a Nicarágua apenas são uma desgraça por causa dos americanos. Naturalmente, têm a certeza que a instabilidade em África, onde mandam russos e chineses, é culpa das antigas potencias coloniais e, claro, dos americanos (esquecendo que eles são uma antiga colónia libertada pela luta do povo). Este grupo de iluminados integra e manipula uma quantidade de movimentos apologistas das causas fraturantes. É o caso de um dos movimentos LGBT que ainda agora apoiou a luta da Palestina, onde os homossexuais, e não só, são barbaramente perseguidos. Estes grupos falam de papo cheio no conforto das democracias liberais e burguesas de onde não arredam pé. Em Portugal, há algumas exceções na área mais à esquerda. Uma é Rui Tavares, que se distingue sempre que os valores humanistas fundamentais estão em causa O líder do Livre não está sistematicamente do lado errado e da opressão. Condena em concreto o que está mal sem cair em generalizações superficiais, radicais e sectárias.

1. Desde a semana passada, Sérgio Sousa Pinto e Pedro Nuno Santos estão ambos presentes nas televisões em espaços de opinião, um na CNN/TVI e outro na SIC Notícias. Ao vê-los, percebe-se que são a prova viva de que o Partido Socialista tem uma latitude ideológica e sociológica gigantesca que, obviamente, abrange um leque de eleitores enorme. Cabe lá quase tudo. Sousa Pinto é um moderado, inteligente, culto, que fala à vontade e com elegância frontal, usando ainda o seu notável humor sarcástico. Anda “sem receio em contracorrente quando entende. É ele o maior representante do que resta de um soarismo pragmático, moderado, mas combativo quando é necessário, que muitos querem apagar do partido. Pedro Nuno Santos tem, por seu lado, qualidades de frontalidade e inteligência, mas não mostra a bonomia de Sérgio e muito menos o humor. É mais ideológico, mais esquerda dogmática. Não hesita em proclamar ideias que lhe trazem simpatias dos nostálgicos da “geringonça”, na qual acredita como solução de futuro. Sérgio será um soarista. Pedro Nuno lembra mais a convicção de um Zenha. O facto é que ambos estão no PS onde pontifica António Costa. Um dia Costa parece mais Sérgio. No outro mimetiza Pedro Nuno. E assim vai andando e levando alegremente e em zig-zag todo um PS atrás de si e Portugal para o fundo da Europa.

2. Luís Montenegro anda manifestamente nervoso e tende a ficar isolado. É sempre uma fraqueza quando se desenvolve a perceção de que um líder da oposição está a reagir mais por causas internas do que externas. Foram essas causas que possivelmente o levaram por exemplo a assegurar a despropósito que será novamente candidato à liderança do PSD depois das europeias. A afirmação é vista como uma resposta a uma alegada frase de Passos de que está na reserva, produzida num contexto social. Ou seja, Passos, no seu pessimismo endémico e estrutural, teria cochichado isso e Montenegro reagiu. É um erro. Desde logo porque se sabe que Passos se declarou na reserva desde o dia em que saiu do Governo, até por razões familiares. Depois porque objetivamente não se ouviu uma palavra concreta de Passos sobre qualquer regresso. Ouve-se é gente que se diz próxima dele a assegurar que ele disse isto e mais aquilo e que pensa assim ou assado. Mas da boca dele, nada! E mais. Há valores que Passos Coelho (mesmo quem não o admira reconhece) preza. É o caso da lealdade e amizade. E por isso só deverá ser outra vez candidato ao PSD no dia em que o seu amigo Montenegro sair pelo seu próprio pé. Até por isso, há tanta gente a boicotar Montenegro e a aproveitar os seus erros e deslizes como a lamentável análise do orçamento “pipi”.

3. O Orçamento do Estado apresentado esta semana não tem grandes mistérios. O Governo vai dar algum dinheiro com uma mão e tirar com duas. Mais uma vez a receita do Estado cresce, o que significa que todos vamos contribuir mais. Se fosse por via de um aumento da riqueza seria ótimo. Mas não é. A capacidade reformista do Governo Costa é diminuta e, num ano em que se inicia um ciclo eleitoral regular, não se espera rigorosamente nada. A classe média, que apanha logo quem ganha à volta de mil e quinhentos euros, vai pagar a fatura, sobretudo por via de impostos indiretos. Já os mais pobres de todos terão algumas vantagens, sobretudo na forma de proclamados apoios sociais que muitas vezes não passam do papel. Há ainda uma medida emblemática que é normalmente uma armadilha: a descida de certas portagens. A contrapartida é dada em regra em menos obrigações na manutenção das vias, o que é perigoso para quem circula, bom para os concessionários, designadamente a Brisa, cujo serviço deixa muito a desejar.

4. O regime de “residentes não habituais”, que atribui a pensionistas de outros países e a profissões de elevado valor acrescentado certos benefícios fiscais, vai terminar em 2024. Criada em 2009, esta medida foi decisiva para atrair e fixar cidadãos estrangeiros e incentivar o mercado de habitação. Além disso, por via deles, ajudar a colocar Portugal nas bocas do mundo, atraindo turistas e algum investimento. Logo que se soube da decisão de extinção deste regime, a Espanha aproveitou a oportunidade, difundiu largamente a notícia e naturalmente fez saber que tenciona manter o sistema similar que tem em vigor. Olé!

5. Dizem-nos que somos iguais perante a lei. Todos sabemos, porém, que essa é e uma das mais belas patranhas com que nos confrontamos. Não faltam exemplos do velho ditado que “com papas bolos se enganam os tolos”. Até nos deputados que fazem as leis. Uma delas determina que estes representantes do povo não podem sequer dar aulas remuneradas numa universidade pública. Mas quando se trata de advocacia a coisa é bem diferente e a malha é larga. Um advogado pode ser deputado e estar envolvido na feitura de legislação que, eventualmente, lhe interesse. Veja-se Mónica Quintela, ilustre deputada social-democrata, causídica de renome e coordenadora dos sociais-democratas na primeira comissão, a de Direitos, Liberdades e Garantias. Não é caso único, mas é simbólico. Até porque veio pela mão de Rui Rio, o tal que prometeu um banho de ética. Mesmo quando não há ilícitos formais, é desejável evitar situações equívocas.

6. Há decisões políticas que geram efeitos perversos mais adiante. Vem isto a propósito da decisão tomada em 2006 de alterar a lei eleitoral da Madeira, com o assentimento de João Jardim. Resumindo, tratou-se de transformar a Madeira e Porto Santo num único círculo, abandonando a configuração concelhia. Para o PSD foi um erro. Há quem tenha feito as contas ao resultado recente de Miguel Albuquerque. Verificou-se que, se não tivesse havido mexidas na lei, a coligação PSD/CDS teria obtido 33 assentos e não apenas 23.

7. A Efacec e a TAP continuam na ordem do dia. O governo está a negociar a venda de ambas. Naturalmente que o segredo é a alma do negócio e que seria negativo a opinião pública acompanhar diariamente a evolução dos contactos. Percebe-se. Mas a absoluta opacidade que está a ocorrer permite desconfianças. Por isso, em nome da transparência e do dinheiro dos portugueses, é desejável que sejam tornadas públicas todas as entidades e pessoas em concreto que estão envolvidas nestas avaliações e negociações. Sabendo-se quem negoceia, conhece-se o histórico e as competências respetivas e podem evitar-se suspeições futuras, a juntar às que já existem.