Maçonaria em pé de guerra

Maçonaria em pé de guerra


As suspeitas sobre a entrega da base de dados do GOL a um auditor externo levantou a celeuma, mas a discussão quanto à admissão de mulheres nas lojas exacerbou a contestação ao grão-mestre Fernando Cabecinha.


O debate  sobre a admissão de mulheres no Grande Oriente Lusitano (GOL) está a ser foco de fortíssimas tensões internas na maior obediência maçónica de Portugal. O silêncio de alguns maçons face a esta possível mudança na organização já originou até ameaças de expulsão e de ‘abate de colunas’ (encerramento de lojas).

Em causa está um referendo lançado às várias lojas maçónicas federadas no GOL para saber se a obediência deve abrir as suas portas à iniciação de mulheres.

Em 13 de junho de 2022,  o grão-mestre do GOL, Fernando Cabecinha, enviou uma ‘prancha’ (comunicação) abrindo, pela primeira vez, um debate alargado sobre o tema, onde convidava as lojas a se «pronunciarem sobre a eventualidade da iniciação de profanas ou da admissão por regularização ou por filiação de maçonas no seu seio, pedindo que enviassem os seus pareceres até 31 de outubro» deste ano.

No ofício, eram elencadas uma série de questões: «Face aos nossos princípios e valores, o GOL tem a necessidade de admitir mulheres no seu seio?»; «Existe necessidade de admitir mulheres quando existem lojas femininas (Grande Loja Feminina de Portugal) e mistas (Federação Portuguesa da Ordem Maçónica Mista Internacional ‘O Direito Humano’) com quem celebrou tratados de reconhecimento e amizade?»; «Como se compagina o direito de visitas se as lojas decidirem constituir-se como exclusivamente masculinas ou femininas?»; «O GOL deve tornar-se uma federação de lojas de vários géneros, podendo ser mistas?».

 

Ameaças de expulsões e ‘abate de colunas’

Já a 13 de dezembro do ano passado, depois de algumas lojas não terem acedido ao pedido, Fernando Cabecinha insistiu com nova ‘prancha’, apelando às lojas que ainda não o tinham feito que respondessem e transmitissem a sua posição, avisando os maçons de que «não queria fazer uso do Art.º 143º do Regulamento Geral do GOL» – que prevê a expulsão de membros da organização e o ‘abate de colunas’.

Contudo, a manobra de coação foi em vão, o que motivou nova comunicação, a 18 de setembro deste ano, que não foi bem recebida entre os irmãos maçons.

«Porque desafortunadamente esta solicitação não teve o Vosso acolhimento […], vejo-me infelizmente obrigado a aplicar o Art.º 143º do Regulamento Geral do GOL, solicitando-te que, no prazo de 30 (trinta) dias a contar de amanhã, me informes da posição da Loja a que superiormente presides, sobre as perguntas que foram colocadas sobre a eventualidade da iniciação, filiação ou regularização de pessoas do género feminino na nossa Querida Obediência», lê-se numa ‘prancha’ assinada por Fernando Cabecinha a que o Nascer do SOL teve acesso.

O principal entrave à entrada das mulheres no GOL, que se mantém como uma obediência exclusivamente masculina, tem que ver com uma questão de redação dos seus princípios fundamentais.  A Constituição em vigor define a maçonaria como «uma Ordem universal, filosófica e progressiva, fundada na Tradição iniciática, obedecendo aos princípios da Fraternidade e Tolerância e constituindo uma aliança de homens livres e de bons costumes, de todas as raças, nacionalidades e crenças». Necessariamente, a iniciação de maçonas no GOL exigiria uma revisão do texto que contornasse a palavra «homens».

 

Maçons procuram alternativa a Cabecinha para 2024

Além da discussão em torno desta questão e do mal-estar criado pelas ameaças de expulsão e fecho de lojas, a contestação ao grão-mestre vai em crescendo, sobretudo depois de este ter sido acusado internamente de ter passado a base de dados do GOL – na qual consta a identificação de todos os membros, incluindo nomes secretos – a um escritório de advogados para uma auditoria externa.

Segundo fontes ouvidas pelo Nascer do SOL, Fernando Cabecinha terá desmentido em toda a linha as imputações de que é alvo na ‘Grande Dieta’ (o parlamento maçónico), ameaçou apresentar queixa por difamação e avançar para tribunal.

Com as ameaças de expulsão e de abate de colunas das lojas que recusaram ceder às pressões do grão-mestre e o clima de suspeição que passou a recair sobre o próprio Fernando Cabecinha, o estrago está feito e, face à guerra instalada, sabe o Nascer do SOL, já há movimentações internas para encontrar uma alternativa.

Fernando Cabecinha foi eleito em novembro de 2021, sucedendo no cargo ao histórico Fernando Lima.

As eleições para a escolha do novo grão mestre deverão ser marcadas para daqui a cerca de nove meses, mas sempre antes do final de 2024.

As últimas eleições no GOL_ocorreram apenas em 2021, alargando o último mandato de Fernando Lima apenas devido às restrições impostas pela pandemia da covid-19, que não permitiram a sua realização no tempo previsto.

 

joana.carvalho@nascerdosol.pt