Só nas férias de Verão, depois de algum tempo de completa descontração na praia, nos damos, por vezes, conta de como, durante a maior parte do ano, somos, agora, escravizados pela informação massiva que, queiramos ou não, consumimos, exageradamente, através da televisão, dos jornais, da rádio e, agora, das redes sociais.
Sem nisso repararmos, vivemos todos, agora, ligados a uma máquina informativa tecnicamente plurifacetada, mas unidirecional nas mensagens que emite, que nos pressionam e, pior, nos deixam ansiosos e angustiados.
A viciação, gradual, mas efetiva, das pessoas da minha geração no consumo de notícias começou, contudo, há muito mais tempo, ainda no tempo da ditadura.
Na ausência de uma informação séria e objetiva, todos procurávamos, então, nas rádios e imprensa clandestinas, ou nas entrelinhas de jornais tolerados, o suplemento informativo de que necessitávamos para nos sentirmos cidadãos ativos e não, apenas, como queriam que nos sentíssemos, como sujeitos passivos de um sistema que, entre outras imposições, ditava, também, o que podíamos saber, ou não.
Muita coisas aconteceram, entretanto, tendo sido as mais relevantes, neste aspeto, as que decorreram diretamente da Revolução de Abril.
Com ela, ganhámos todos, de imediato, o acesso a várias fontes informativas nacionais e estrangeiras e, simultaneamente, dada a duração e intensidade do período revolucionário, fomo-nos tornando dependentes da informação ao minuto, fornecida, em tempo real, sobretudo, pela rádio.
Era esse o meio de informação que elegíamos, por ser sempre atual e mais fácil de aceder, por via dos aparelhos de bolso, transistorizados e a pilhas, que, então, transportávamos connosco.
Mais difícil era, pelo contrário, o acesso imediato à televisão, pois ele pressupunha, então, um aparelho recetor de enormes proporções e peso, que se quedava, ligado a uma antena fixa, imóvel em qualquer sala de uma casa, ou de um café.
Todavia, essa apetência pelo consumo da informação na hora só pôde acontecer porque os órgãos de comunicação e, mormente, a rádio – então libertados da censura – corresponderam, com liberdade, imaginação e entusiasmo, a esse anseio popular de tudo conhecer e compreender.
Acrescia que, em certos momentos mais decisivos do processo revolucionário, também os jornais procuravam manter um ciclo noticioso em tempo útil, não sendo raras, nesse período, a impressão e difusão de várias edições dos diferentes títulos no mesmo dia.
Recorde-se, ainda, que os jornais vespertinos – hoje desaparecidos – atualizavam, igualmente, as notícias surgidas durante a manhã: lembro, aqui, a propósito, o importante papel do Diário de Lisboa, da República e do Diário Popular.
Desenvolveu-se, portanto, entre nós, já depois de instaurada a democracia, e mesmo antes da emergência da internet e das redes sociais, uma cultura de preocupação e atenção constantes em relação à realidade imediata da vida nacional e internacional.
Após a «normalização» da cena política nacional – se é que ela alguma vez aconteceu verdadeiramente – a adição de muitos cidadãos às notícias na hora manteve-se e, em algumas circunstâncias mais dramáticas, inclusive, cresceu.
Ante tal necessidade quase fisiológica de obter notícias na hora, mesmo quando, com a relevância e urgência necessárias, elas teimavam em não ocorrer, mudou, contudo, a forma como os media as passaram a gerir e difundir.
Do inicial relato breve dos factos simples, os media introduziram, depois, o rápido e empenhado comentário dos mesmos, evoluindo, em seguida, para os tão famosos «factos políticos», que incorporavam já uma dimensão orientada aos fins prosseguidos pelas personalidades e forças políticas e sociais que os geravam.
A explicação mediática do facto passou a superar, assim, em relevância, a sua simples notícia.
Ainda hoje, porém, e ao contrário do que sucede demasiadas vezes com a TV, agora, também, disponível em qualquer telemóvel, a rádio segue sendo um meio mais rigoroso, rápido e acessível de informação e de formação da cidadania.
É a ela que, de resto, recorremos quando, conduzindo um automóvel, num engarrafamento rodoviário, nos queremos informar ou pretendemos descontrair ouvindo boa música ou algum humor que nos alivie os nervos.
Os noticiários – curtos e incisivos – das principais rádios nacionais continuam a transmitir, ainda gora, uma informação cuidada, mais ou menos enxuta e, por isso, razoavelmente, objetiva.
Porém, e regressando ao que motivou este escrito, a verdade é que nos viciámos na notícia de última hora.
A adrenalina que as notícias causam faz-nos falta.
Por isso, o nosso tempo e disposição pessoais são, não raramente, formatados e comprimidos pelos sucessivos ciclos noticiosos.
Não havendo, contudo, qualquer diferenciação no tom e no aparente entusiasmo de algumas locuções informativas – que, em muitos casos, não distinguem a importância real das notícias que transmitem – tudo nos é servido, efetivamente, como se se tratasse do anúncio iminente de um novo fim-do-mundo.
O mal calibrado frenesim noticioso, hoje existente – sempre no modo glorioso, próprio de relato futebolístico – longe de continuar a alertar e esclarecer os cidadãos, promove, pelo contrário e em muitos casos, apenas, uma indefinida, permanente e perniciosa sensação de cansaço e mal-estar com a democracia.
Como em «O Pedro e o Lobo» é essa a sensação, afinal anestesiante, que resta, depois de sermos todos injetados com tantas e tão diferenciadas notícias, quase sempre apresentadas, toda elas, como necessariamente apocalíticas.
Sim, nada de mais mortífero para a democracia do que, por fim, o inevitável e repetido encolher de ombros face ao conhecimento repisado de mais uma tragédia, de mais um crime, ou de mais uma indecência.